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Das Nulidades no Processo Penal

Na doutrina e jurisprudência, prevalece que os referidos defeitos se dividem em meras irregularidades, atos inexistentes e nulidades, sejam elas absolutas ou relativas.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Atualizado às 10:28

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No processo penal, por vezes nos deparamos diante de situações nas quais ocorre a violação de alguma norma processual. No entanto, sabe-se que existem defeitos processuais mais graves do que outro. Diante disso, veremos as principais espécies.

Na doutrina e jurisprudência, prevalece que os referidos defeitos se dividem em meras irregularidades, atos inexistentes e nulidades, sejam elas absolutas ou relativas.

As meras irregularidades são defeitos processuais de mínima relevância, de modo em que o ato esteja em desconformidade com o modelo legal, mas em que nada afeta a validade do processo, sem que haja qualquer consequência processual.

Tomemos como exemplo a hipotética situação na qual há, no processo, um erro na grafia do nome do réu, que nada obsta a sua identificação. Nessa situação, ocorreu somente uma mera irregularidade no processo, mas não há necessidade de consequências gravosas, haja vista que não houve qualquer relevância para a situação processual.

Já os atos inexistentes são aqueles atos em que a desconformidade com a norma legal é tão intensa que não se pode considerar sequer que o ato tenha ocorrido. Há um não ato. Assim, entende-se que não há um defeito processual, mas sim a falta do ato.

No entanto, os atos inexistentes praticamente só ocorrem na teoria, vez que na prática são extremamente raros. Por exemplo, somente em uma situação teórica uma sentença penal seria proferida por um indivíduo que não fosse magistrado, no dia a dia uma situação dessa é inimaginável.

Caso haja, contudo, um ato inexistente no processo, este não transita em julgado. Dessa forma, não há sequer a necessidade de revisão criminal, podendo ser reconhecida a inexistência do ato através de mera petição ao juiz.

Passemos, então, às principais e mais polêmicas espécies de violações processuais, quais sejam as nulidades.

As nulidades têm previsão expressa no Código de Processo Penal entre os artigos 563 e 573. Por ser um tema de extrema importância e dotado de controvérsias, o artigo 564 do referido dispositivo legal traz um rol exemplificativo de hipóteses nas quais haverá nulidade processual. Não obstante, o Código prevê, no artigo 572, hipóteses de nulidades sanáveis, ou seja, nulidades relativas.

A nulidade relativa é aquela que decorre da violação de uma norma que tutela o interesse privado, ou seja, o interesse de alguma das partes envolvidas no processo. Desse modo, trata-se de uma violação de grande relevância para o processo, mas que nada obsta sua validade em caso de inércia da parte interessada.

Sendo assim, essa modalidade de nulidade não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, cabendo à parte interessada ou afetada pelo ato a postulação pelo reconhecimento do vício do ato. Ademais, cabe também à parte a demonstração do efetivo prejuízo sofrido

Em que pese a relevante gravidade da violação normativa, há um momento adequado para a parte alegar a nulidade e, caso seja alegada intempestivamente, o ato se convalida pela preclusão.

Desse modo, não havendo arguição em momento oportuno ou não sendo demonstrado efetivo prejuízo, não há que se falar em nulidade do ato.

Pode-se dizer, portanto, que a nulidade relativa é um vício sanável, haja vista que a parte interessada pode deliberar por não alegar a nulidade, ainda que tenha a percebido, e o processo seguirá seu trâmite naturalmente.

Nesse sentido, afirma PACELLI:

É por isso que as nulidades relativas, por dependerem de valoração das partes quanto à existência e à consequência do eventual prejuízo, estão sujeitas a prazo preclusivo, quando não alegadas a tempo e modo. Parte-se do pressuposto de que, não havendo alegação do interessado, a não observância da forma prescrita em lei não teria resultado em qualquer prejuízo para as partes. Assim, é de se prosseguir normalmente com o processo, sem o recuo à fase já ultrapassada. (P. 688).

Em contrapartida, a nulidade absoluta é aquela que decorre da violação de algum princípio constitucional ou de norma que tutele o interesse público. Em razão da gravidade dessa violação, a nulidade absoluta é insanável, de modo que não se convalida pela preclusão e sequer pelo trânsito em julgado.

Dessa forma, reconhecida a nulidade, o ato deve obrigatoriamente ser anulado, revogando os seus efeitos, independentemente de requerimento de qualquer das partes, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz e em qualquer grau de jurisdição.

São alguns dos principais dos exemplos da nulidade absoluta a violação de princípio constitucional como o direito de defesa e contraditório, decisões e sentenças proferidas por juiz incompetente, dentre outros.

Não obstante, na hipótese de alegação da nulidade absoluta por uma das partes, em tese, não haveria necessidade de comprovação de prejuízo, vez que nessa modalidade de nulidade o prejuízo seria presumido.

Ocorre que, com o passar dos anos essa questão da presunção do prejuízo restou superada.

Nesse sentido, dispõe MADEIRA:

Quanto à nulidade absoluta, é comum dizer, em doutrinas mais antigas, que o prejuízo é presumido. Vale dizer, que o prejuízo é presumido e decorre da própria violação da norma típica17 (veremos abaixo que esta afirmação não mais prevalece, nem na doutrina, nem na jurisprudência).

O lado que entendemos positivo na evolução da doutrina e da jurisprudência foi o de reconhecer que, mesmo na nulidade absoluta, para que seja reconhecida, há necessidade de ocorrência de prejuízo. Caso não haja prejuízo, então não se anulará o feito, ainda que se trate de nulidade absoluta.24 Neste sentido é a posição de Badaró25 e Grinover, Scarance e Magalhães,26 bem como dos tribunais superiores, atualmente:

"1. Na esteira do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, cristalizado no enunciado sumular 431, reconhece-se nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação do advogado de defesa, ou publicação da pauta. Entretanto, dentro da sistemática processual penal brasileira, tanto as nulidades relativas quanto as absolutas demandam a demonstração de prejuízo para que possam ser declaradas, exigindo-se que sejam alegadas na primeira oportunidade. Precedentes do STF e STJ." (STJ, HC 265349/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 04/08/15).

Como se vê acima, a jurisprudência e a doutrina caminharam para a necessidade de existência de prejuízo, mesmo em sede de nulidade absoluta.27 Embora tecnicamente correto o entendimento, há grave dificuldade. Como se avalia o prejuízo? Como sequantifica o prejuízo?

Este seguramente é um dos pontos nevrálgicos do tema. Falar-se em prejuízo é um ponto, agora, como se demonstra este prejuízo, é o ponto crucial de toda a questão e, aqui, nem a doutrina nem a jurisprudência encontraram resposta satisfatória para o tema. (P. 419).

Isto posto, percebe-se que por vezes a principal crítica feita acerca do tema tem relação com a demonstração ou não de efetivo prejuízo sofrido pela parte.

No entanto, devemos nos aprofundar e questionarmos até que ponto há que se falar em violação do interesse público ou privado.

Nesse sentido, ensina AURY LOPES JR.:

Problema dessa classificação é a pouca clareza e até confusão de conceitos. Por exemplo: afirmar que no processo penal existem formas que tutelam um interesse "da parte", "privado", é o erro de não compreender que no processo penal - especialmente em relação ao réu - todos os atos são definidos a partir de interesses públicos, pois estamos diante de formas que tutelas direitos fundamentais assegurados na Constituição e nos Tratados firmados pelo País. Não há espaço para essa frágil dicotomização público/privado. Aqui se lida com direitos fundamentais.

A distinção entre normas que tutelam interesse da parte e outras que dizem respeito a interesses públicos tropeça na desconsideração da especificidade do processo penal, em que não há espaço normativo privado. Erroneamente alguns pensam que as normas que tutelam o interesse do réu seriam uma dimensão "privada", para exigir demonstração de prejuízo. A proteção do réu é pública, porque públicos são os direitos e as garantias constitucionais que o tutelam. (P. 940).

Ante o exposto, conclui-se que as violações normativas em sede de direito processual penal vão muito além do que mero interesse privado, haja vista que lida com a vida e liberdade dos indivíduos. Em razão disto, revela-se indispensável a observância de tais vícios para a garantia efetiva de justiça no processo penal, resguardadas as especificidades do caso concreto, para que não haja, em qualquer hipótese, abuso contra a pessoa do réu.

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DEZEM, Guilherme Madeira - Curso de Processo Penal 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016.

LOPES JÚNIOR, Aury - Direito Processual Penal, 14ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2017.

PACELLI, Eugênio - Curso de Processo Penal - 24ª edição. São Paulo: Atlas, 2020.

Victor Luiz de Andrade

Victor Luiz de Andrade

Estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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