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Tuberculose nas prisões: A era dos direitos

As prisões funcionam como um amplificador da tuberculose no país e sua incidência varia conforme as características sociodemográficas dos presídios, o que demandaria medidas de controle da doença específicas para cada unidade prisional.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Atualizado em 15 de abril de 2021 15:38

1 - A ERA DOS DIREITOS DE NORBERTO BOBBIO

Ao iniciar do primeiro capítulo de "A Era dos Direitos", Bobbio se introduz como um filósofo e não como um jurista: "Quando num seminário de filósofos e não de juristas colocamos o problema do fundamento dos direitos do homem, pretendemos enfrentar um problema do segundo tipo, ou seja, não é um problema de direito positivo, mas de direito racional ou crítico." O problema que Bobbio questiona é estreitamente ligado aos da democracia e da paz (BOBBIO, 1990, p-93) assuntos estes aos quais o autor dedicou a maior parte de seus trabalhos. Para ele, os direitos naturais são direitos históricos que nascem no início da era moderna e juntamente com a concepção individualista da sociedade, tornam-se um dos principais indicadores do progresso histórico.

2 - DIREITOS ABSOLUTOS

Norberto Bobbio leva o leitor ao fato de que alguns Direitos já foram antes declarados absolutos no final do século XVIII, como o Direito à propriedade, por exemplo (BOBBIO, 1990). Incentivando o debate sobre o absolutismo dos Direitos do Homem, o filósofo traz a observação de que o que deve ser valorizado é o princípio de que o direito que se almeja, tem de ser aquele do qual será realmente importante defender, o que será relevante na produção e construção de normas. Eis que então abrem-se os questionamentos: Os direitos humanos são coisas boas que devem ser perseguidas, positivadas e garantidas como direitos? Há quem responda que sim, no entanto, em países como o Brasil, o discurso do "Bandido bom é bandido morto" frequentemente vem sendo "pichado" em redes sociais. Mas afinal, em relação aos criminosos que não tiveram oportunidades de ter um bom crescimento financeiro, o direito à humanidade deve ser deles retirado, visto que muitos são inseridos em penitenciárias lotadas?

2.1 - FUNDAMENTO ABSOLUTO

O filósofo Immanuel Kant defendia que o único direito absoluto é o da Liberdade. Já o matemático Thomas Hobbes, falava que o direito fundamental existente é o da vida. Infelizmente, não existe fundamento absoluto em relação aos Direitos humanos pois sempre há algum questionamento à existência destes. Alguns países o veem como algo importante e outros o colocam em terceiro plano. O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2006, estabelece que os membros "devem manter os mais altos padrões na promoção e proteção dos direitos humanos". No entanto, a realidade é bem diferente. Dos 47 países que compõem o conselho, 10 estão entre os 20 mais opressores do mundo. Os que fazem parte da atual formação são o Afeganistão, Cuba e Eritreia (que sequer possuem dados suficientes sobre direitos humanos), Somália, Iraque, Egito, República Democrática do Congo, Arábia Saudita, Camarões e Angola, os quais aparecem nas últimas fileiras do ranking de liberdades humanas do Instituto Cato de 2018.¹

2.1.1 - ILUSÃO

Os direitos não podem simplesmente surgir e serem impostos na sociedade. Os direitos são frutos de uma longa construção histórica. Assim sendo, devido à existência desses e de outros princípios e ideologias, é que se reforça, ainda mais, a descrença em verdades superiores de fundamentos absolutos. O fundamento absoluto dos direitos do Homem então, segundo Norberto, é uma ilusão. Não existe este fundamento e o problema dos Direitos não é tornar-se fundamental ou justificado, a grande intenção é sim o de protegê-los, (BOBBIO, 1990, p-16) até porque estes Direitos já foram fundamentados em declarações como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU) de 1948. Esta declaração, por sinal, conseguiu que muitos países assinassem um documento onde se entendiam o que eram os valores universais, dentre eles os direitos humanos. A ideia central seria a de então, com o decorrer de nossas vidas, continuar trabalhando pela a manutenção destes direitos.

2.2 - DIREITOS HUMANOS

A mudança dos Direitos dependeu do carecimento das pessoas, e continua carecendo da necessidade de o Estado atuar em alguns casos devido às frequentes mudanças das condições históricas e claro, do carecimento dos interesses, das classes de poder e das transformações técnicas.

O Direito à vida é um exemplo do momento ao qual o Estado tinha que se abster de algumas condutas, sendo, no caso, impedido de matar. Já no Direito à censura, por exemplo, é proibidos determinado conteúdo para menores de idade, além de determinadas obras, sejam elas musicais ou literárias, ou seja, ao se censurar um artista, ele perde o seu direito de se expor.

Os homens têm direitos fundamentais que o Estado não pode dispor, os direitos considerados inalienáveis. A igualdade formal e material cita que todos os homens são iguais em direitos e obrigações, porém, materialmente, alguns tem acesso à direitos que outros não tem. Quanto mais se estende o poder de um dos dois sujeitos da relação, mais diminui a liberdade do outro, e vice-versa (BOBBIO, 1990, p-96).

3 - PRISÕES NO BRASIL

O Estado, para desenvolver os direitos sociais, necessitará de verbas da Economia. Dessa forma, em países considerados "quebrados", os sistemas públicos que geralmente são pagos com o dinheiro dos impostos de seus cidadãos, tornam-se cada vez mais de baixa qualidade. Muitos consideram que esta realidade se engloba apenas no "universo" da saúde, onde os hospitais estão com macas em corredores. Pois bem, esquecem-se dos presídios, local em que os considerados "já esquecidos pela humanidade" vão parar. Infelizmente, dificilmente alguém que vai para um sistema carcerário retorna de lá melhor do que quando chegou.

O ordenamento jurídico brasileiro apresenta ao seu povo e a quem quiser ou souber ler, a Constituição de 1988. Nela, logo no primeiro artigo encontra-se o "Princípio da dignidade da pessoa humana." Ocorre que, para o grande público e a maioria dos membros de uma sociedade, aquele que roubou um pão para levar ao seu filho o que comer, não merece título algum de dignidade. Com a omissão dos grandes poderes públicos e com a grande maioria da população sendo influenciada por discursos midiáticos, reproduz-se a ausência de um debate saudável sobre o tratamento recebido nos presídios por um cidadão com o ensino fundamental incompleto.

4 - TUBERCULOSE

A tuberculose é uma doença bacteriana infectocontagiosa causada pelo "bacilo de Koch", que ataca principalmente o pulmão. Os doentes não tratados soltam gotículas no ambiente ao tossir, espirrar ou falar. Essas gotículas carregam as bactérias. Outras pessoas inspiram as bactérias, que vão para o pulmão e lá causam lesões, formando cavidades e erosões. (FITERMAN, 2010).

Tosse por mais de 15 dias, dor no peito, cansaço, febre baixa, suores noturnos e falta de apetite, além do emagrecimento, são os sintomas da Tuberculose. É preciso tomar medicamento apropriado, todos os dias, durante ao menos seis meses ininterruptos. Com o tratamento, a chance de cura é de 100%. Se a terapia é interrompida, a bactéria tende a se tornar resistente à maioria dos remédios disponíveis. ² A vacina BCG, aplicada no primeiro mês de vida do bebê é uma forma de prevenção.

5 - TUBERCULOSE NOS PRESÍDIOS

Segundo dados do Ministério da Saúde e pesquisas da Fiocruz, enquanto a média de registros da Tuberculose na população total do país é de 32 a cada 100 mil habitantes, a média na população carcerária é de 932 infectados por 100 mil. Um estudo feito pela médica pneumologista da Secretaria de Administração Penitenciária do estado do Rio de Janeiro, Alexandra Roma Sánchez, revelou que a taxa de incidência da tuberculose nas prisões do Rio de Janeiro é, em média, 30 vezes superior à da população do estado. O levantamento deu origem à tese "Tuberculose em população carcerária do estado do Rio de Janeiro: prevalência e subsídios para formulação de estratégias de controle", defendida em 2020 na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp).

As prisões funcionam como um amplificador da tuberculose no país e sua incidência varia conforme as características sociodemográficas dos presídios, o que demandaria medidas de controle da doença específicas para cada unidade prisional. No Rio de Janeiro a situação é ainda pior. A média de casos chega a quase 2 mil a cada 100 mil presos, o que torna o estado o primeiro em incidência de tuberculose na população privada de liberdade. De acordo com a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap-RJ), 1.800 internos estão atualmente em tratamento no sistema prisional do Rio. Cabe considerar que mais ou menos 42% da população carcerária aguardam julgamento, portanto costumam se locomover por diferentes prisões, o que aumenta o risco de espalhar a infecção. ³

5.1 - CAUSAS

A princípio, há um lento período para se obter um diagnóstico do tuberculoso. Em seguida vem a busca pelo tratamento que é de difícil adesão, por durar ao menos seis meses, com quatro comprimidos diários. A estrutura dos presídios não colabora: o ar circula pouco; a luz do Sol quase não entra; as celas abrigam mais presos do que deveriam; e a alimentação, em geral ruim, enfraquece a imunidade. Um dos aspectos que mais o alarmam é como a arquitetura e as condições de higiene de grande parte das penitenciárias são "perfeitas" para que a tuberculose se espalhe.

5.1.1 - SOLUÇÕES

Infelizmente, a tuberculose, assim como outras doenças, continuará existindo no mundo, podendo claro, ser tratada através de determinados tratamentos. No entanto, em relação aos presídios, considera-se que:

  • a grande maioria de presidiários possui baixo nível socioeconômico e ingressa nas prisões já infectados pelo bacilo de Koch;
  • o adoecimento na prisão decorre das condições ambientais favoráveis à proliferação do bacilo;
  • há elevada taxa de portadores do HIV entre presidiários e crescente associação HIV/TB;
  • não existe busca ativa de sintomáticos respiratórios entre presidiários;
  • observa-se deficiência na detecção de doentes bacilíferos, aqueles cuja baciloscopia de escarro é positiva, e no controle de tratamento dos casos entre detentos (fato observado pela baixa notificação procedente dos presídios e falta de informações sobre o encerramento de casos).

5.2 - DEBATE

Em presídios que não dispõem de infraestrutura laboratorial própria (provavelmente a maioria), como ocorre o encaminhamento das amostras clínicas para os laboratórios? Os exames radiológicos4 são realizados? A comunicação de resultados laboratoriais (tanto entre laboratório-equipe de saúde, quanto entre equipe de saúde-presos) é efetiva para a tomada de decisão clínica? De que forma se dá o seguimento clínico dos casos de tuberculose detectados, considerando as possibilidades de mudança de instituições penais, liberdade de presos em tratamento, a realização periódica de exames de controle e o fornecimento de medicações? Neste sentido, estudos científicos podem contribuir para melhor conhecimento da magnitude da tuberculose prisional e eventualmente responder aos principais questionamentos apresentados. Porém, é primordial um debate público de qualidade sobre o tema, visto que as políticas para o cuidado do próximo são de extrema importância. É necessária a elaboração de um projeto visando o controle da tuberculose nas instituições penais do Brasil.

Embora sugerido que a tuberculose prisional está associada a características individuais e a condição de vida antes do encarceramento, bem como a fatores ambientais relacionados à reclusão, considera-se que entre tais fatores ambientais, se incluem, além do espaço físico, a questão organizacional do sistema e questões de ordem política e de recursos humanos, tais como as dificuldades para o desenvolvimento de intervenções para detecção precoce dos casos. A articulação do sistema prisional com o sistema de saúde e a atuação de equipes multiprofissionais qualificadas para o manejo desse problema no interior dos presídios seria uma forma de diminuir bastante o número de casos.

6 - CONCLUSÃO

Os jusnaturalistas que falam dos chamados "direitos divinos" tratam os direitos humanos como inquestionáveis, inatos aos seres humanos (BOBBIO, 1990). Os Direitos do Homem e do Cidadão são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana e para o desenvolvimento da civilização. É primordial a existência de normas que visem a proteção do ser humano, mas, infelizmente, a estrada ainda é longa para que o mundo possa se vangloriar de possuir bons direitos entre todos os seus habitantes.

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1 O instituto advoga por políticas que promovam "liberdades individuais, governo limitado, livre mercado, e a paz". Tem posições libertárias, tipicamente promovendo uma redução na intervenção do governo em assuntos domésticos, sociais e econômicos, além de uma redução nos gastos com o exército e na intervenção internacional (dos Estados Unidos).

2 Os dados informados são disponibilizados pela OMS, Ministério da Saúde e Observatório da Tuberculose vinculado à ENSP/Fiocruz.

O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias traz informações de todas as unidades prisionais brasileiras, incluindo dados de infraestrutura, recursos humanos, vagas, gestão, assistências, população prisional, perfil dos presos, entre outros.

4 É um exame realizado quando há suspeitas de fratura, para diagnosticar algumas doenças dos órgãos ou para detectar problemas nas articulações.

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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

"Em celas para 10 presos, o usual no Brasil é haver ao menos 16" Disponível em: clique aqui

"Instituto Cato" Disponível em: clique aqui

"Presídios têm 30 vezes mais casos de tuberculose" Disponível em: clique aqui

"Incidência de tuberculose em presos é 30 vezes maior do que na população geral" Disponível em: clique aqui

"Projeto de implantação do controle da tuberculose nas instituições penais do município de Salvador/BA" Disponível em: clique aqui

"Tuberculose em presídios brasileiros: uma revisão integrativa da literatura" Disponível em: clique aqui

"Governo anuncia campanha para combate à tuberculose em presídios" Disponível em: clique aqui

"Estudo multicêntrico da prevalência de tuberculose e HIV na população carcerária do Estado do Mato Grosso do Sul" Disponível em clique aqui

"Direitos do homem, direitos fundamentais e direitos humanos" Disponível em: clique aqui

"Preso com coronavírus será isolado para tratamento e terá visitas suspensas em SP" Disponível em: clique aqui

"10 países do Conselho de Direitos Humanos da ONU estão entre os 20 mais opressores." Disponível em: clique aqui

André L. O. P. Silva

André L. O. P. Silva

Acadêmico de Direito pela UCAM - Universidade Candido Mendes. Integrante da H. O. Santos Oliveira Advogados e Membro da Comunidade Jurídica Septem Capulus.

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