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A reforma do Código de Trânsito Brasileiro e a questão do transporte de criança no banco dianteiro (art. 64)

Em decorrência das novidades, algumas novas interpretações se fazem necessárias, e pontos de discussão e debate surgem de imediato.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Atualizado às 14:48

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A entrada em vigor de novas regras relacionadas ao Código de Trânsito desperta justificadas dúvidas perante a população, por ser questão que afeta grande parte da sociedade.

Em decorrência das novidades, algumas novas interpretações se fazem necessárias, e pontos de discussão e debate surgem de imediato.

Um desses pontos, que parece estar sendo tratado de forma confusa e equivocada, é a questão das novas regras referentes ao transporte de crianças no banco dianteiro do veículo, e possíveis infrações de trânsito decorrentes de tal situação.

Isto porque, tem sido divulgado, em diversos veículos de mídia, um entendimento que nos parece incorreto, e que distorce a real previsão do texto da lei. Vejamos.

O texto anterior do Código de Trânsito Brasileiro (lei 9.503, de 23 de setembro de 1997) estipulava, em seu artigo 64, que:

¨Art. 64. As crianças com idade inferior a dez anos devem ser transportadas nos bancos traseiros, salvo exceções regulamentadas pelo CONTRAN. ¨

Portanto, tal texto adotava o critério de idade, ressalvando exceções regulamentadas pelo CONTRAN. Por aquela lógica, crianças com idade inferior a dez anos eram obrigadas a utilizar o assento traseiro do veículo, e a partir dos dez anos poderiam utilizar o banco dianteiro.

Referido artigo foi objeto de nova redação, que passa a conciliar a questão da idade com a questão da altura da criança. No entanto, por vezes as novas regras têm sido apresentadas de forma equivocada à população, pois confundem os critérios, criando previsões que não estão estabelecidas na lei.

Isto porque, tem sido divulgado um entendimento de que, pelo novo texto, qualquer criança somente poderia ser transportada no banco dianteiro após alcançar a altura mínima de 1,45 m (um metro e quarenta e cinco centímetros), e, portanto, qualquer criança com altura inferior deveria ser transportada obrigatoriamente no banco traseiro e em dispositivo de retenção adequado, independentemente da idade.

Mas, a leitura da nova redação do caput do artigo 64 do CTB, dada pela lei 14.071, de 2020, permite identificar tal equívoco:

¨Art. 64.  As crianças com idade inferior a 10 (dez) anos que não tenham atingido 1,45 m (um metro e quarenta e cinco centímetros) de altura devem ser transportadas nos bancos traseiros, em dispositivo de retenção adequado para cada idade, peso e altura, salvo exceções relacionadas a tipos específicos de veículos regulamentadas pelo Contran. ¨

Pelo início do artigo, se vê que tal regra se destina exclusivamente a crianças com idade inferior a 10 anos. Portanto, em relação a crianças que já tenham completado 10 anos, nada muda em relação à legislação anterior, eis que autorizadas a utilizar o banco dianteiro do veículo, indiferentemente à altura que tenham.

O que a nova redação do artigo determina é que, em relação exclusivamente às crianças com idade inferior a 10 anos, se não tiverem atingido a altura mínima, deverão ser transportadas obrigatoriamente no banco traseiro. Portanto, a nova regra é até menos rígida que a anterior, pois é possível compreender que crianças, com idade inferior a 10 anos, mas que tenham altura mínima, não são obrigadas a utilizar o banco traseiro1.

Se o intuito da legislação fosse abranger a totalidade das crianças, ela não teria mencionado o limite de 10 anos. E se o objetivo fosse criar regra variável, indicaria a alternatividade de critérios (idade OU altura). Mas nada disso constou do texto legal, que enfatiza que somente as crianças com menos de 10 anos e altura inferior a 1,45 m é que devem ser transportadas nos bancos traseiros, em dispositivo de retenção. Crianças com mais de dez anos, ou com mais de 1,45m, estão autorizadas a utilizar o assento dianteiro, nos termos da nova legislação, sem que isso acarrete em qualquer infração.

Ademais, veja-se a recente regulamentação da matéria pelo CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO - CONTRAN. A Resolução CONTRAN 819, de março de 2021, com entrada em vigor em 12/4/21, determina em seu artigo 1º que ¨ Esta Resolução dispõe sobre o transporte de crianças com idade inferior a dez anos que não tenham atingido 1,45 m (um metro e quarenta e cinco centímetros) de altura no dispositivo de retenção adequado¨.  Em seu artigo 2º, dispõe que ¨ Para transitar em veículos automotores, as crianças com idade inferior a dez anos que não tenham atingido 1,45 m (um metro e quarenta e cinco centímetros) de altura devem ser transportados nos bancos traseiros usando individualmente cinto de segurança ou dispositivo de retenção equivalente¨.

Portanto, como se vê, tais regras referem-se exclusivamente a crianças com idade inferior a dez anos, que não tenham atingido a altura mínima, e, consequentemente, não existe infração em transportar crianças a partir de dez anos no banco dianteiro, independentemente da altura. Fica evidente, portanto, que as novas regras não se aplicam a crianças que já tenham completado dez anos, em relação às quais mantém-se a mesma situação da lei anterior, independentemente de sua altura.

__________

1. Nesse sentido, dispõe o artigo 3º da Resolução Contran n. 819: ¨Art. 3º O transporte de criança com idade inferior a dez anos pode ser realizado no banco dianteiro do veículo, com o uso do dispositivo de retenção adequado ao seu peso e altura, nas seguintes situações:

(...)

IV - Quando a criança já tiver atingido 1,45m de altura. ¨

Fernando Schwarz Gaggini

Fernando Schwarz Gaggini

Advogado e professor universitário.

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