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LGPD e futuras multas: o que as imobiliárias brasileiras podem antever com o caso francês "Sergic"?

A imobiliária francesa "Sergic" foi condenada com multa de 400 mil euros por violação à proteção de dados pessoais de seus clientes. Que cenários podemos conjecturar à luz da lei geral de proteção de dados?

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Atualizado às 13:39

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A proteção de dados pessoais vem sendo um tema bastante debatido nos últimos anos, principalmente após a entrada em vigor, em 2018, do General Data Protection Regulation (GDPR)¹, regulamento da União Europeia que dispõe sobre privacidade e proteção de dados ². A referida legislação possui 99 artigos e 173 considerandos que possibilitam uma interpretação mais minuciosa da normativa europeia.

O regulamento europeu serviu de inspiração para a lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)³, que também dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, ainda que de forma mais enxuta, com apenas 65 artigos. A lei brasileira entrou em vigor recentemente e tem sido alvo de muitos questionamentos e suposições.

Uma das formas de responder as dúvidas e buscar soluções acerca da aplicação prática da LGPD nas mais variadas áreas é através de consultas às decisões europeias. Como o regulamento europeu já vem sendo aplicado há mais tempo, os julgados e a jurisprudência em construção funcionam como um parâmetro do que pode vir a acontecer no Brasil, já que as duas leis são bastante parecidas.

Nessa conjuntura, merece destaque a pouco abordada intersecção entre o nicho do ramo imobiliário e a proteção de dados pessoais.  Uma das decisões pioneiras, nesse aspecto, foi a da multa aplicada à imobiliária Sergic, na França, de 400 mil euros4. A penalidade foi adotada pela Autoridade Francesa de Proteção de Dados, a CNIL, em virtudes de violações à GDPR.

O caso foi fruto de uma reclamação à Autoridade Francesa e consistia em uma evidente violação à proteção de dados pessoais. A imobiliária Sergic, por sua vez, mantinha um site em que os usuários poderiam criar e fazer o upload de arquivos para solicitar aluguel, bem como de documentos para comprovar a renda.5

Ocorre que, os referidos dados, que eram para ser mantidos de forma sigilosa, foram vazados e, consequentemente, os direitos dos titulares foram violados.  A Autoridade Francesa observou, por meio de uma verificação on-line, que os dados estavam disponíveis para livre acesso, sem o consentimento prévio para tanto. Diante dessa situação, a imobiliária foi inicialmente alertada da falha de segurança e, após investigação, constatou-se que a empresa já sabia do problema, contudo, nada tinha feito para repará-lo.

Diante desse contexto de evidente violação à GDPR, em especial aos princípios referentes à segurança, à finalidade e à necessidade, haja vista que (i) a empresa não tomou nenhuma iniciativa para sanar a falha de segurança e (ii) manteve os dados por um período superior ao necessário para a finalidade almejada. O armazenamento - desnecessário - dos dados, dessa maneira, possibilitou o vazamento.

Nesse sentido, voltando os olhares ao Brasil, é fato que as imobiliárias, nas práticas de compra, venda, locação e administração de imóveis coletam dados preciosos de seus clientes, a exemplo de endereços, documentos pessoais, até comprovantes e detalhamentos bancários, o que implica -e, por isso, existe a LGPD - em uma relação de confiança para com a empresa que está de posse de tais informações.

Para detê-las, entretanto, em conformidade com a lei, as imobiliárias precisam cuidar, sobretudo, de cumprir dois princípios. O primeiro deles é o consentimento, que se desdobra na transparência, isto é, a empresa deve exigir que os clientes, expressamente, autorizem a concessão de seus dados, bem como seu armazenamento, estando cientes das finalidades para quais serão utilizados.

Ainda, as imobiliárias necessitam efetivar o princípio do legítimo interesse, que consiste, além do uso de dados autorizados para fins específicos, em utilizá-los para serviços e atividades as quais sejam do interesse de seu titular. Assim, é preciso atentar-se a eventuais transferências e compartilhamento de informações, seja com profissionais associados ou outras empresas parceiras.

No caso francês, a empresa recorreu da decisão de aplicação da multa suntuosa, mas o Conseil d'Etat manteve a penalidade e ressaltou que a Autoridade Francesa poderia impor sanções sem um aviso prévio formal.6 Além disso, saliente-se que a condenação foi baseada no art. 5º da GDPR, que trata dos princípios relativos ao tratamento de dados pessoais, temática abordada com bastante similitude no art. 6º da LGPD.

É com fundamento nessa preocupação - inclusive porque a primeira condenação para indenização por violação da LGPD no Brasil foi de uma construtora7, no ramo imobiliário - que as empresas devem se adequar, rapidamente, à lei. Para segui-la, é primordial fazer uma revisão na sua base de dados, especialmente quanto à necessidade de obter a autorização para mantê-los e utilizá-los, bem como analisar o lapso temporal de sua obtenção e preservação.

Válido salientar, por fim, que os processos internos de tratamento de dados, aliados ao treinamento e capacitação da equipe que com eles lidarão são pilares fundamentais para evitar amargar prejuízo de uma possível condenação, sendo de bom tom trazer à baila que as sanções pecuniárias da LGPD estão previstas para entrarem em vigor em agosto de ano!

Em que pese a existência do Projeto de lei 500/21 que propõe prorrogar a entrada em vigor das multas administrativas pecuniárias da LGPD apenas para 2022, é imprescindível ressaltar que a atual não vigência dos artigos que dispõem sobre as sanções pecuniárias na referida lei não impede que imobiliárias sejam responsabilizadas e condenadas a pagar indenizações em casos envolvendo o descumprimento da lei e violação aos dados dos titulares.

De toda sorte, é evidente a necessidade de mudanças organizacionais a serem feitas pelas empresas o mais rápido possível, sobretudo, para oferecer um serviço seguro e transparente aos clientes que, a cada dia, estão mais conectados e preocupados com a veiculação e uso de suas informações.

____________

1. Em tradução livre do inglês para o português "Regulamento Geral de Proteção de Dados".

2. Disponível aqui. Acesso em 06 abr. 2021.

3. Disponível aqui. Acesso em 07 abr. 2021.

4. Disponível aqui. Acesso em 07 abr. 2021.

5. Disponível aqui. Acesso em 07 abr. 2021.

6. Disponível aqui. Acesso em 07 abr. 2021.

7. Disponível aqui. Acesso em 07 abr. 2021.

Maria Beatriz Torquato Rego

Maria Beatriz Torquato Rego

Advogada pós-graduanda em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Membro da Comissão de Direito Digital e Estudos Aplicados da OAB/RN.

Mariana Fernandes Martins de Lima

Mariana Fernandes Martins de Lima

Graduanda em Direito pela UFRN. Membro da Comissão de Apoio à Advocacia Iniciante da OAB/RN

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