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A inconstitucionalidade da regra do artigo 40 da LPI: Os malefícios e benefícios de sua manutenção

A legislação brasileira prevê a possibilidade de ampliação do prazo de vinte anos concedido a patentes, que vão além limites mínimos obrigatórios previstos nas convenções internacionais.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Atualizado às 18:43

Está para ser julgado ainda no mês de abril de 2021, no Supremo Tribunal Federal a ADIn 5.529, sobre a inconstitucionalidade do artigo 40, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial (lei 9.279/96).

A questão central é de profundo interesse público na exata medida que postergar a entrada em domínio público de uma patente, seja ela qual for, acarreta um profundo impacto na sociedade como um todo, no que toca ao acesso à saúde, a proteção do meio ambiente, a inovação tecnológica e a promoção da concorrência.

O contraste da legislação brasileira com os padrões internacionais de proteção.

A legislação brasileira prevê a possibilidade de ampliação do prazo de vinte anos concedido a patentes, que vão além limites mínimos obrigatórios previstos nas convenções internacionais (chamados TRIPS-plus)1, no artigo 40, parágrafo único2 da Lei de Propriedade Industrial (LPI), lei 9.279.

Tal ampliação é completamente fora dos parâmetros dos Tratados Internacionais que estabelecem a duração das patentes é 20 anos, inobstante a isso a legislação brasileira possibilita uma prorrogação extra de 10 anos. De plano evidencie-se dois aspectos, quais sejam: (i) a possibilidade de ampliação de prazo não é uma exigência de ADPIC/ TRIPs; é apenas uma maneira de satisfazer o requisito de que não haja uma redução indevida do prazo de proteção3, e; (ii) seria uma maneira de extensão do prazo de 20 de proteção para, de alguma forma equivocada compensar a duração do procedimento de concessão ou registro4. Isto porque, a LPI ao estabelecer a proteção aos direitos de propriedade intelectual, garante que as patentes tenham no mínimo 10 anos de vigência a partir da concessão pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, tem como efeito imediato: (i) retardar a entrada em domínio público, e; (ii) dificultar a entrada de concorrente no mercado para além do período da vigência da patente.5

Ademais o período entre o depósito da patente até o momento de sua concessão, o depositante pode exercer seus direitos para proteger sua invenção ou para impedir o uso indevido. Com efeito, com a concessão da patente, a proteção por ela conferida retroage ao momento inicial do processo, funcionando como uma contenção aos concorrentes que cogitem explorar indevidamente o objeto protegido durante a tramitação do pedido. O artigo 44 da LPI possibilita inclusive o ressarcimento quando ficar caracterizado a infração e o dano nesse período.

(In)Explicável do backlog no INPI como justificativa para prorrogação do prazo

O Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), em resposta datada de 19 de março de 2021, ao ofício eletrônico 2.990/21 (0400689), no qual foi solicitado a prestar as informações solicitadas pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.529, prestou esclarecimentos relevantes, quanto o atual estoque de pedidos de patentes que ainda estão pendentes de análise e conclusão (Backlog).

O INPI informou a existência de um total de 143.815 pedidos de patentes pendentes de decisão quanto ao deferimento ou indeferimento. Destes, 16.654 estão pendentes em etapa formal, prévia à publicação, 25.139 estão publicados e pendentes de requerimento de exame técnico, não podendo entrar para a fila de exame, e 1.942 estão pendentes de retorno da ANVISA, para serem encaminhados à divisão técnica específica. Tais números ainda muito elevados, mesmo depois de um esforço hercúleo do INPI para redução do backlog empreendido nos últimos dois anos, que possui patamares ainda maiores.

Diante deste quadro informado pelo INPI, é que se justificaria a morosidade da decisão final por examinador patentes que muitas vezes poderia chegar a mais de 14 anos.

O INPI também respondeu as indagações do STF sobre o número de examinadores correspondente ao total de vagas existentes para a função na instituição? Em caso de haver vagas não ocupadas, quantas são? Essas vagas encontram-se desocupadas por que razão e desde quando, em linhas gerais? Quando ocorreu o último concurso para preenchimento de vagas?

As respostas foram surpreendentemente esclarecedoras!

Cargos ocupados e vagos para Pesquisador em Propriedade Industrial (em 15/3/21)

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

O INPI prestou ainda mais esclarecimentos quanto aos cargos vagos: (i) cargos que se encontram sem provimento (sem servidor em exercício), e; (ii) os motivos para as vagas no cargo. Tudo conforme dados e informações são listadas abaixo.

Motivo de estar vago

Quantidade

Cargos criados e nunca ocupados

252

Exoneração

20

Aposentadoria

84

Posse em outro cargo inacumulável

24

Falecimento

8

Total

388

Diante de tais dados incontestes da insuficiência de quadros do INPI é inequívoco de que a discussão sobre o parágrafo único do artigo 40 da LPI se insere num universo fático de gestão escassez de recursos humanos, que o retardo dos exames técnicos realizados pelo escritório de patentes no país é certamente de política pública, ou legislativa, e não de direito. Isto como já anteriormente apontava Denis Borges Barbosa desde 20136.

A questão morosidade do backlog é que provoca o desequilíbrio do prazo razoável de concessão da patente7, tal questão não é sazonal, mas antes é estrutural dentro do sistema de concessão de patentes no Brasil, provocando a extensão de grande maioria das patentes farmacêuticas, que tem seus efeitos imediatos ao restringir a concorrência no setor, e mediatos, nos orçamentos de saúde pública, na exata medida que a extensão da vigência implica em maiores custos para o Estado de garantir a universalidade da saúde para seus cidadãos.

Das razões da inconstitucionalidade da extensão de prazo nas patentes

A questão central é de profundo interesse público, que acarreta um forte impacto na sociedade no que diz respeito a extensão de prazo nas patentes quanto viola direitos constitucionais de acesso à saúde, a inovação e promoção da concorrência.

Conforme estudo realizado pelo Instituto da Economia e Inovação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, que em seu relatório final publicado em 2019, analisando a ampliação dos custos para o Sistema Único de Saúde pela extensão da vigência das patentes de medicamentos, numa amostra de 9 (nove) medicamentos, analisando informações de compras estratégicas de 2014 a 2018, foi encontrado que o Departamento de Logística em Saúde, da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde (DLOG/SE/MS) gastou R$ 10,6 bilhões com esses nove medicamentos. Dessa maneira, foi possível estimar que o gasto médio anual é de R$ 1,9 bilhão. Ao total dos respectivos períodos de extensão, o DLOG gastaria R$ 6,8 bilhões com essas compras. Foram calculadas quatro alternativas à compra do medicamento de referência, que somente seriam possíveis se não houvesse o mínimo de vigência. Deve ser ressaltado que o melhor cenário apresenta um valor 55,5% menor nos gastos do DLOG durante o prazo de extensão dos nove medicamentos.8

A contextualização jurídica do problema fático revelado pela pesquisa Instituto da Economia da UFRJ seria: Quais os impactos com a manutenção ou inconstitucionalidade da regra do artigo 40 da LPI? Quais são seus malefícios e benefícios?

Dentre os tipos de indústrias farmacêuticas existem aquelas que fabricam e/ou importam medicamentos genéricos, como também empresas que dedicam a maior parte do seu orçamento em projetos de pesquisa e inovação.

Quer-se com isso significar que as primeiras desenvolvem suas atividades a custas da pesquisa destas últimas, e que, a dilação do prazo de privilégio previsto pelo parágrafo único do artigo 40 da LPI, estaria tão somente mantendo o monopólio de comercialização, do exclusivo comercial e pouco influindo num efetivo incentivo a inovação e pesquisa. Isto porque, a eficácia econômica do pedido de patente não se limita ao tempo de sua vigência.

A temporalidade do Direito de Exclusivo ou Monopólio é necessária para estimular a inovação tecnológica é fato inconteste, contudo, o excesso de posição de exclusividade por um agente econômico se traduz numa formação de poder que ameaça as liberdades individuais e o Estado de Direito.

Isso significa que retardar o prazo de entrada em domínio público de uma patente, implica em: (i) num excesso de posição de exclusividade de um determinado agente econômico do mercado, trazendo como consequência a formação de um poder de comercialização que ameaça as liberdades individuais, a livre concorrência, restringindo relações e as escolhas consumeristas no Estado de Direito; e (ii) num impacto negativo por restringir a concorrência limitando a opção de compra a um único fornecedor que estabelece artificialmente preços em detrimento do consumidor.

No Brasil, como visto, a análise de uma patente historicamente é morosa, decorrendo um lapso temporal entre 9 (nove) e quatorze (14) anos (backlog). O INPI em buscas de soluções técnicas para o backlog em 2019 um apresentou novos processos que pretendem deduzir o prazo de análise para a média global (5 anos), porém problemas de gestão e políticas públicas demonstram a defasagem e falta de servidores especializados.

A Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA) apontou em 2019 uma lista de 58 produtos, entre medicamentos e agroquímicos, que terão a patente estendida por essa salvaguarda do artigo 40 da LPI.9

A questão de retardar a entrada em domínio público de um medicamento ou insumo, retira da população a eficácia dos mandamentos constitucionais, do acesso à saúde, do direito do consumidor e do direito concorrencial.

Por fim a discussão sobre o prazo razoável de duração patente para além do padrão de 20 anos previsto nos tratados, deve levar em consideração que o privilégio temporário produz os seguintes efeitos: (i) com o primeiro depósito nasce o Direito de Exclusividade em qualquer país onde se reconheça o Direito de Prioridade (artigo 44 LPI); (ii) a extensão temporal legal de 20 anos deve ser o único parâmetro para cálculo de retorno de investimento do titular de patente; (iii) a temporalidade da patente visa proteger a vantagem competitiva do agente econômico no mercado decorrente do seu produto/inovação patenteada, e não garantir monopólio do 3º que comercializa na ponta os produtos pois fere os Direitos do Consumidor, e; (iv) a extensão tem impacto negativo pois restringe a concorrência e limita a opção de compra a um único fornecedor, que dita preços em detrimento do consumidor, mitigando e onerando o acesso à saúde pública no Brasil.

É evidente a inconstitucionalidade da ampliação dos limites mínimos obrigatórios de proteção previstos nos tratados internacionais exclusividade do ordenamento jurídico brasileiro causa, como visto, impactos negativos para o país, ao cidadão no tocante ao acesso a saúde, inovação e promoção da concorrência.

_________

1 Neste sentido ver: BERMUDEZ, J.; EPSZTEJN, R.; OLIVEIRA, M.; HASENCLEVER, L. O Acordo TRIPS da OMC e a Proteção Patentária no Brasil: mudanças recentes e implicações para a produção local e o acesso aos medicamentos. Rio de Janeiro: Fiocruz; ENSP, 2000. CHAVES, G; OLIVEIRA, M.; HASENCLEVER, M.; MELO, L. A evolução do sistema internacional de propriedade intelectual: proteção patentária para o setor farmacêutico e acesso a medicamentos. Cadernos de Saúde Pública, v. 23, n. 2, pp. 257-267, 2007. CORREA, C. Mitigating the regulatory constraints imposed by intellectual property rules under free trade agreements. South Center Reasearch Paper, feb., 2017. MERCADANTE, E. Concessão de patentes farmacêuticas no Brasil pós-Acordo TRIPS. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Política Pública, Estratégia e Desenvolvimento, Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPED/IE/UFRJ), 2019. (Dissertação de Mestrado).

2 Lei nº 9.279. Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito. Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.

3 "The purpose of Article 62.2 is 'to avoid unwarranted curtailment of the period of protection'. Some countries have adopted measures - not required by the TRIPS Agreement- had addressed this issue. They allow, for instance, the applicant to take some measures against infringement before the grant of a patent (after the publication of the application or its notification to a third party), or to be compensated for third parties' acts that took place before such grant and that would have infringed the patent", CORREA, Carlos M., Trade Related Aspects Of Intellectual Property Rights: A Commentary On The TRIPs Agreement, Oxford University Press 2007, p. 470. Correa, cit, pg. 468-470

4 "In addition, some countries allow for an extension of the patent term to compensate for unreasonable delays in the examination procedures. For instance, in accordance with US law Tide 35, Part Il, Chapter 14, Section 154, (b)(l)(B), there is a 'guarantee of no more than 3-year application pendency", Correa, cit.

5 REMÉDIO MARQUES, J. P. F. O Direito de Patentes, O Sistema Regulatório de Aprovação e o Acesso aos Medicamentos Genéricos. In Direito Industrial, V. VII, Coimbra, Almedina. P. 299- 388.

6 BARBOSA, Denis Borges. Artigo: A inexplicável política pública por trás do parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial. Disponível clicando aqui  Acesso em: 21 fevereiro. 2020.

7 "O parágrafo único do art. 40 da LPI brasileira foi introduzido como forma de compensar o backlog do INPI nas análises dos pedidos de patentes. Essa norma não é, a princípio, dirigida a setores regulados, como o de medicamentos, mas aos pedidos de patentes em geral, como meio jurídico de devolver ao interessado o tempo despendido pelo escritório de patentes brasileiro no exame e no processamento dos pedidos de patentes" SOUZA OLIVEIRA, F. de, Análise comparativa dos mecanismos de extensão da patente de fármacos: uma crítica ao sistema brasileiro. Concurso Cultural ASPI - Revista Eletrônica do IBPI - Especial. Acesso em: 20 fevereiro, 2020

8 Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPED/IE/UFRJ). A ampliação dos custos para o Sistema Único de Saúde pela extensão da vigência das patentes de medicamentos. Relatório Final 2019.

9 Disponível clicando aqui  Acesso em 10 setembro 2020.

Marcos Wachowicz

Marcos Wachowicz

Professor de Direito no Curso de Graduação da UFPR e docente no Programa de Pós-Graduação-PPGD da UFPR. Doutor em Direito pela UFPR. Mestre em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa - Portugal.

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