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Por que é importante discutir o veto à lei de licitações e contratos?

"Com o veto aos §§ 4º e 5º do art. 94 e ao § 1º do art. 54 da lei 14.133/21, são evitados custos em publicidade, embora não se adeque a uma Administração Pública mais democrática".

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Atualizado às 08:50

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A lei 14.133, publicada em 01 de abril de 2021, para estabelecer as novas normas gerais para licitações e contratos administrativos, teve os §§ 4º e 5º do art. 94 e o § 1º do art. 54 vetados, por motivo de contrariedade ao interesse público. Mas este fundamento estaria realmente adequado?

De acordo com as razões apontadas pelo Ministério da Economia para o veto oposto aos §§ 4º e 5º do art. 94 da nova lei, a obrigatoriedade de o contratado manter publicado o contrato e eventuais aditivos em site próprio traria um "ônus financeiro adicional e desnecessário ao particular", podendo "resultar em aumento dos custos dos contratos a serem firmados com a Administração Pública, uma vez que as empresas terão que ter profissionais especializados para a execução da demanda, especialmente, no caso de empresas de pequeno porte, as quais, muitas vezes, sequer dispõem de sítio eletrônico".

Embora o § 5º, que foi vetado, dispensasse microempresas e empresas de pequeno porte de cumprir tal obrigação, não se pode negar que a medida, como proposta, estabelece mais uma obrigação aos contratados da Administração Pública, para além da entrega do objeto com a esperada eficiência, e com seu consequente custo. A esse juízo estritamente econômico, mais precisamente sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, podem ser consideradas outras razões que justificariam a deliberação parlamentar, como feita?

Na lei 8.666/93, assim como em diploma anterior, a publicação de contratos administrativos seria incumbência da Administração Pública, inclusive como condição de eficácia do ajuste. Nesse sentido, a doutrina administrativista usualmente tratava do dever de publicidade numa exegese praticamente literal, sem se ater à sua extensão ao contratado.

Nos últimos anos, contudo, alguns fenômenos vieram afetar tal estado da arte: a consensualidade tem caracterizado cada vez a Administração Pública, tornando-a efetivamente mais democrática; para além do dever de publicidade, desenvolveram-se ações pela transparência ativa, empoderando o mercado e a sociedade civil; os mecanismos de prevenção e combate a abusos e desvios têm sido mais efetivos, inclusive na gestão de contratos administrativos; o princípio da eticidade do Código Civil de 2002 evidenciou deveres anexos, laterais, de cada parte contratual, para que os ajustes - também aqueles celebrados pela Administração Pública - observassem a boa-fé objetiva.

Passa a fazer sentido, nesse cenário, que o contratado obrigue-se a publicizar sua relação contratual com a Administração Pública, justamente pelas características que a distinguem de outras, erigidas segundo o direito comum. A rigor do dispositivo vetado, o contratado passaria a destacar, para quem vier a conhecer seu posicionamento em mercado, que deve cumprir uma série de obrigações específicas perante o Estado, assim como será credor de seu equivalente pecuniário. Regramento similar já existe no direito brasileiro, embora apropriado para a contratação de organizações da sociedade civil, no tocante às parcerias previstas no art. 11 da lei 13.019/14.

Conviria, pois, "derrubar" o veto aos §§ 4º e 5º do art. 94 da lei 14.133/21? Talvez seja necessário perguntar antes se o Direito Administrativo brasileiro estaria interessado em consolidar um modelo ainda mais dialogal, mais consensual, mais transparente, mais democrático de Administração Pública, com os custos decorrentes desse esforço por incrementar um de seus instrumentos, qual seja o de estender a publicidade de contratos administrativos aos contratados.

Houve, também, o veto ao § 1º do art. 54 da lei 14.133/21, porque "a determinação de publicação [de extrato de edital] em jornal de grande circulação contraria o interesse público por ser uma medida desnecessária e antieconômica, tendo em vista que a divulgação em 'sítio eletrônico oficial' atende ao princípio constitucional da publicidade", revelando, pois, sua contrariedade ao interesse público, conforme arguido pelo Ministério da Economia e pela Controladoria Geral da União.

Aqui, é impossível evitar a perplexidade: se a publicação de extrato de edital em diário oficial e em periódicos é "medida desnecessária e antieconômica", como explicar os últimos anos de cumprimento do art. 21 da lei 8.666/93? Já seriamos antieconômicos e agora nos descobrimos?

De acordo com a legislação brasileira, é obrigatória a publicação de extratos de editais de licitação, sobretudo para assegurar a competitividade, viabilizando alcançar a proposta mais vantajosa ao interesse público. Inova-se com a nova lei pela escolha de meios eletrônicos, que, de fato, devem ser priorizados, até por um imperativo de celeridade do procedimento licitatório.

Novamente se faz um juízo econômico, para tornar as licitações menos onerosas com a dispensa de publicação em órgão oficial e em periódicos. Só remanesce a dúvida se a internet estará, sempre e em todo o país, operante para assegurar a plenitude de divulgação desses editais. E aí a dúvida: não seria o caso de formalizar tais publicações por outra alterativa?

Nada obsta que o interesse público contemple a economicidade, mais precisamente no sentido de evitar custos, desburocratizar, alcançar maior eficiência alocativa, atribuindo poderes a todos os atores do procedimento licitatório e da contratação pública. Necessário ponderar, contudo, se tal empreendimento permite dispensar cautelas que já se consolidaram no direito brasileiro, sobretudo quanto à transparência dos atos da Administração Pública.

Fábio Luís Guimarães

Fábio Luís Guimarães

Advogado e Professor universitário. Mestre em Direito Público pela PUC-MG.

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