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Lavagem de dinheiro e advocacia

Melhor era o tempo em que advogados morriam pobres, mas não se desconfiava que haviam amealhado fortuna por meio de condutas distantes das regras contábeis, do pagamento de tributos e da rejeição ao ganho pelo auxílio à perpetração de atos ilícitos.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Atualizado às 08:14

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Na semana em que a comunidade jurídica perde Mario Sérgio Duarte Garcia, ícone da advocacia e um dos presidentes mais respeitados da Ordem dos Advogados do Brasil, a autarquia não se constrangeu em mostrar seu atraso.

Não bastassem atitudes retrógradas anteriores quanto a escritórios estrangeiros, quanto à forma de cobrança de honorários advocatícios e quanto à propaganda de serviços jurídicos em tempos de internet e redes sociais, o Conselho Federal da OAB acaba de recusar parte do projeto de provimento, elaborado pelo Conselheiro Federal Juliano Breda, atinente a medidas de prevenção à lavagem de dinheiro para advogados e sociedades de advogados. 

O provimento vem em boa hora, na medida em que fatos recentes mostraram duas situações distintas: (i) o falseamento de consultorias jurídicas, como meio de ocultar a origem e destino de dinheiro ilícito; (ii) o indevido envolvimento de bancas de advocacia em investigações criminais, por terem sido contratadas para serviços de direito privado, por clientes que, ao fim e ao cabo, perpetravam o branqueamento de capitais.

Não foram poucos casos e essa amostra serviu para alertar que medidas anti- lavagem, como o conhecido o know your client, tornaram-se essenciais para a prestação de serviços, pois se incrementaram os riscos dos advogados numa economia globalizada.

O provimento soluciona a questão probatória da prestação de serviço, ao indicar como se evidencia a advocacia contenciosa e como se prova a consultoria jurídica. Cuida-se de ponto importante, com reflexos em ações cíveis de cobrança de honorários, em autuações fiscais contra profissionais da advocacia e em inquéritos policiais que perquirem a eventual prática de lavagem de dinheiro (art. 1º, da lei 9.613/98), ou mesmo de falsidade ideológica (art. 299, do CP).

Tamanho o cuidado do provimento que há previsão para indicar a forma de demonstração de consultoria verbal, prática ainda corriqueira na profissão em áreas do direito de família, fiscal e criminal. Não raro, a resposta à pergunta pode se exibir em mensagem, e-mail, ou papel contrário ao interesse do cliente, o que o configura mau documento, na tradução simples do inglês (bad document).

De forma equilibrada, o provimento assentou que o percebimento de honorários advocatícios, pagos por terceiros, não se encontra vedado, porém, bem se alicerçou nos artigos 304 e 305, do Código Civil. Não parece razoável acreditar que, neste momento da história da advocacia pátria, ainda existam colegas que não avaliam os perigos de receber honorários de quem não é cliente, próximo do cliente (v.g., parente do constituinte), ou, legitimamente, interessado no serviço.  

Além disso, os advogados de direito societário e imobiliário, faz tempo, precisam se proteger da clientela que pode lhes pôr em perigo em negociações nas quais o advogado assessora o cliente, ou o representa na consecução de atos jurídicos. Daí, também, a relevância do artigo 7º proposto, mediante o qual advogados poderiam mitigar responsabilidade com a comunicação da suspeita, caso tivessem ciência a posteriori de possível ocultação, ou dissimulação de bens, procedentes de infração criminal. Todavia, essa parte essencial viu-se recusada pelo Conselho Federal.

Em verdade, todos os esforços para instituir medidas anti-lavagem de dinheiro visam evitar que, na decantada reforma da lei 9.613/98, se venham a fazer excêntricas alterações legislativas que procuradores da República e juízes federais, enebriados pelo cantar da sereia do arbítrio, almejam impor à advocacia.

Por óbvio, o exibicionismo de alguns da profissão - em particular, os cabotinos da advocacia criminal - contribuiu para que a imagem da classe mergulhasse nas águas profundas das dúvidas quanto à proveniência de tal propalada riqueza.

Melhor era o tempo em que advogados morriam pobres, mas não se desconfiava que haviam amealhado fortuna por meio de condutas distantes das regras contábeis, do pagamento de tributos e da rejeição ao ganho pelo auxílio à perpetração de atos ilícitos.

Ao rejeitar parcela importante do projeto, a Ordem dos Advogados do Brasil deixa escapar a chance de fazer cessar a autofagia que colegas se permitiram criar, ao advogarem sem olhar para a realidade das ameaças concretas, econômicas inclusive, da lavagem de capitais à nossa profissão.     

 

Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo

Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo

Advogado, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Advoga no escritório Moraes Pitombo Advogados.

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