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Imobiliário: Troca do IGP-M para o IPCA nos contratos de aluguel e venda de imóveis

No setor imobiliário, diante da paralisação parcial de algumas atividades empresariais e comerciais, os contratos de locação e aquisição foram os protagonistas de discussões para revisão e redução dos valores contratados.

terça-feira, 20 de abril de 2021

Atualizado em 29 de abril de 2021 10:00

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Desde o meio do ano passado, quando houve o agravamento da crise sanitária da covid-19, deu-se o início de uma discussão sobre as consequências jurídico-econômicas em âmbito privado. Naquele momento, diversos setores econômicos se mobilizaram para encontrar uma fórmula possível que permitisse a preservação dos contratos negociados.

No setor imobiliário, diante da paralisação parcial de algumas atividades empresariais e comerciais, os contratos de locação e aquisição foram os protagonistas de discussões para revisão e redução dos valores contratados para aluguéis e parcelas decorrentes de financiamento.

Com o decorrer dos meses e a expansão da crise, os índices econômicos também começaram a ser atingidos. Em junho de 2020, o IGP-M/FGV, principal e mais comum índice utilizado para correção monetária dos contratos imobiliários e que vinha registrando uma média mensal de 0,55%, subiu para 1,56%. Em setembro, a alta continuou e atingiu a marca de 4,34%. Em novembro, a alta percentual foi de 3,28%.

No acumulado do ano, o percentual foi de 21,9682%, o maior índice acumulado desde dezembro de 2002, quando houve o registro de uma variação anual acumulada de 25,31% - o que impactou novamente o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos vigentes.

Este ano, o índice continua instável. Em março, ele subiu 2,94% e chegou ao acumulado de 8,26% no ano e 31,10% nos últimos 12 meses. Apenas para efeito de comparação, houve um acumulado de 6,81% nos últimos 12 meses que antecederam março de 2020.

O aumento do índice contribui com a discussão sobre a necessidade de revisão dos contratos celebrados para alteração do índice estabelecido, aplicando as teorias da imprevisão, caso fortuito e força maior e onerosidade excessiva, previstas no Código Civil Brasileiro1. Com a publicação de março, André Braz, coordenador dos Índices de Preços, esclareceu que todos os índices que compõem o IGP-M tiveram aumento2:

"Todos os índices componentes do IGP-M registraram aceleração. No índice ao produtor, os aumentos recentes dos preços das matérias-primas continuam a influenciar a aceleração de bens intermediários (4,67% para 6,33%) e de bens finais (1,25% para 2,50%). Além disso, os aumentos dos combustíveis também contribuíram para o avanço da inflação ao produtor e ao consumidor. Na construção civil, os materiais para a construção seguem em aceleração impulsionados pela alta dos preços dos insumos básicos."

Diante deste cenário de grande instabilidade, deu-se início a conflitos e ações judiciais em que se busca substituir o indicador do IGP-M/DI pelo IPCA - índice oficial utilizado pelo Governo Federal para calcular metas de inflação e alterações na taxa de juros, medido pela variação de nove categorias de preços de produtos e serviços, que refletem os hábitos de consumo.

Das existentes análises judiciais, a maioria ainda em sede de liminar, é possível perceber que não há jurisprudência pacífica. Verificadas seis decisões publicadas no estado de São Paulo, quatro concederam liminar3 aos requerentes para substituição do índice IGP-M/DI para IPCA, e outras duas negaram4 o pedido. No Rio Grande do Sul, o Tribunal suspendeu5 uma decisão de primeiro grau que concedeu a modificação do índice. Já em Goiânia-GO, uma recente decisão da 3ª Vara Cível deferiu6 a tutela de urgência para revisar provisoriamente o reajuste do aluguel com base no percentual de 7%, que corresponde a um pouco mais do valor acumulado durante o ano de 2019 para o IGP-DI.

O fundamento do pedido para substituição do IGP-M/DI passa pela explicação de sua composição, que corresponde a uma média ponderada aritmética entre os índices IPA (produtor), IPC (consumidor) e INCC (construção civil), que estão ligados aos preços das produções de matérias-primas, agronegócio, materiais de construção e commodities do setor industrial, que sofrem forte influência do dólar, se propondo a avaliar o cenário de inflação. E por consequência da pandemia houve uma desvalorização do real e alta do dólar, além da falta de matéria-prima para o setor industrial que acabou elevando os preços dos insumos, o que conjuntamente influenciou diretamente no aumento extraordinário do IGP-M/DI.

Diante desta realidade superveniente, sustenta-se a aplicação da teoria da imprevisão, prevista no artigo 317 do Código Civil, para justificar o pedido judicial de revisão contratual para substituição do índice, na medida em que o reajuste integral do IGP-M/DI, neste momento, não representa mera reposição da moeda e causa distorção em relação ao poder de compra, evidenciando flagrante onerosidade excessiva para uma das partes - artigo 478 do Código Civil, em razão de mudanças ocorridas após a negociação inicial, alterando consequentemente a base econômica do contrato.

Por outro lado, utilizando-se do mesmo fundamento, é possível compreender que o desequilíbrio causado pela imprevisível crise sanitária - afastada a culpa por inadimplemento - pode atingir ambas as partes da relação, não devendo incumbir o ônus total à apenas uma delas, sob pena de novamente desequilibrar as relações contratuais. Ademais, sustenta-se ainda o perigo de interpretação relativa do princípio da autonomia da vontade privada e do pacta sunt servanda, principais regramento do direito contratual privado, que autorizam e obrigam as partes a regularem e cumprirem os seus interesses por intermédio do contrato, prevendo a interferência judicial do Estado apenas para assegurar o cumprimento do quanto prometido, limitando-se a uma posição supletiva em relação ao conteúdo contratado.

Percebe-se, então, que apesar de previstos na legislação e doutrina, os fatos supervenientes, fortuitos e de força maior quando aplicados à realidade fática de crise econômica não alcançam, por si só, o poder de solução ideal e equilibrada para os contratantes, dependendo de ajustes negociais e, eventualmente, intervenção judicial.

Além disso, diante desta realidade e buscando soluções viáveis, verificamos que nos casos judicializados e nos inúmeros contratos locação impactados com o aumento do IGP-M/DI, não previam a necessidade ou mesmo a definição de um ambiente de negociação prévia a um embate judicial, o que poderia não apenas preservar as relações locatícias e negociais, mas também evitar a intervenção judicial e os enormes custos e insegurança jurídica dessas relações.

Nesta esteira, a lei da mediação (lei 13.140/15) prevê a possibilidade de as partes inserir nos contratos de locação cláusulas contratuais prevendo expressamente a mediação extrajudicial em caso de qualquer conflito, cláusula esta que deve ser respeitada pelo Judiciário caso algum dos contratantes tente ignorar esta disposição e iniciar um procedimento judicial ou arbitral (caso exista) sem a mediação prévia. A lei ainda traz outras vantagens, como possibilidade de confidencialidade das negociações e princípios a busca pelo consenso e isonomia entre as partes.

Vale lembrar que na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação, mas não são obrigadas a permanecer em procedimento de mediação, o que não retira a possibilidade de eventual análise do conflito pelo Poder Judiciário. Nossa experiência e parceria com Câmaras de Mediação devidamente homologadas pelos Tribunais, mostram as vantagens destas cláusulas e temos orientado nossos clientes neste sentido.

Em paralelo e muito por conta das discussões que se iniciaram sobre o assunto, a Câmara dos Deputados aprovou, por 402 votos a 547, o regime de urgência de votação para o PL 1026/21 apresentado pelo deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP). A proposta prevê alteração na lei do inquilinato (lei 8.245/91) e a consequente inclusão do parágrafo único ao artigo 18, prevendo a limitação do índice de reajuste do valor do aluguel ao índice IPCA, acompanhando a inflação do país, e permitindo o estabelecimento de índice a maior desde que conste a anuência do locatário.

"Art. 1º Esta lei altera a Lei nº 8.245, de 18 de novembro de

1991, que, "Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos

e os procedimentos a elas pertinentes", para determinar que

o índice de correção dos contratos de locação residencial e

comercial não poderão ser superiores ao índice oficial de

inflação no País.

Art. 2º ° inclua-se o seguinte parágrafo único ao Art. 18 da

Lei n º 8.245, de 18 de novembro de 1991:

"Art. 18 [...]

Parágrafo único. O índice de reajuste previsto nos contratos

de locação residencial e comercial não poderá ser superior

ao índice oficial de inflação do País medido pelo IPCA

(Índice de Preço ao Consumidor Amplo), ou outro que

venha substitui-lo em caso de sua extinção. É permitida a

cobrança de valor acima do índice convencionado, desde

que com anuência do locatário"

Art. 3º Fica revogado o parágrafo único do Art. 17 da Lei n º

8.245, de 18 de novembro de 1991.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação."

O projeto deve ser objeto de votação em meados de maio, seguindo posteriormente para votação pelo Senado para determinar que o índice de correção dos contratos de locação residencial e comercial não poderão ser superiores ao índice oficial de inflação no País. No entanto, em que pese a boa intenção do legislador, entendemos que a simples substituição de um índice por outro, neste momento, não seja capaz de sanar a controvérsia que se apresenta, pois, da mesma forma que os reflexos econômicos da pandemia atingiram o IGPM e seus componentes, em breve, inevitavelmente, irá atingir os demais índices, inclusive o IPCA, trazendo à tona novamente a raiz da discussão.

Diante do exposto e sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, entendemos, por ora, que a solução deve caminhar por uma análise casuística dos contratos vigentes, aplicando-se um reajuste baseado no próprio índice estabelecido contratualmente, entretanto, mediante identificação do percentual médio publicado nos períodos anteriores ao fato imprevisível - pandemia, e a partir da verificação e análise dos impactos sofridos no período, contando também com a colaboração de ambos os contratantes para a melhor adequação.

Por fim, pensando na prevenção futura das experiências jurídicas que estamos enfrentando neste momento, sugerimos que na estruturação e desenvolvimento de novos negócios, além da orientação para previsão das Câmaras de Mediação, objetivando a boa-fé e o dever de negociar para manutenção dos contratos, sugerimos também a inclusão de um teto máximo para aplicação do índice de reajuste escolhido, objetivando prever e prevenir desequilíbrios supervenientes.

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1 Artigos 317, 393, 478 do Código Civil de 2002.
2 Sem autor: IGP-M SOBE 2,94% EM MARÇO. Portal Libre, 2021. Disponível aqui. Acesso em: 10/4/2021.
3 Agravo de instrumento 2012910-93.2021.8.26.0000, 2297205-16.2020.8.26.0000 e 2298701-80.2020.8.26.0000; e ação revisional 1000029-96.2021.8.26.0228.
4 Agravo de instrumento 2262248-86.2020.8.26.0000 e ação revisional 1123032-21.2020.8.26.01000.
5 Agravo de instrumento 5050284-82.2021.8.21.07000.
6 Processo 5069079-64.2021.8.09.0051.
7 Disponível aqui. Acesso em: 8/4/2021.

Natália Maria Miquelino Leal

Natália Maria Miquelino Leal

Advogada do Morais Andrade Leandrin Molina Advogados. Especialista em Regularizações Imobiliárias com ênfase em Direito Notarial e Registral. Membro da Comissão de Negócios Imobiliários do IBRADIM. Pós-graduada em Direito Imobiliário.

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