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A omissão do MPT face à proteção dos direitos do nascituro

A tese fixada pelo TST no incidente de assunção de competência 02 e os reflexos para o nascituro.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Atualizado às 14:01

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 18/11/19, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho - TST, ao julgar o incidente de assunção de competência - IAC 2, fixou a seguinte tese: "é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela lei 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".

Todavia, em que pese a lógica do argumento da possibilidade de discriminação da mulher no mercado de trabalho, receio que a fundamentação alegada não possa subsistir para suprimir direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, não apenas à gestante, mas ao nascituro.

A esse respeito, asseverou o Ministro do TST Douglas Alencar Rodrigues¹: "a estabilidade conferida à gestante pela Constituição Federal objetiva amparar o nascituro, a partir da preservação das condições econômicas mínimas necessárias à tutela de sua saúde e de seu bem-estar, configurando norma de ordem pública, da qual a trabalhadora sequer pode dispor". 

Maurício Godinho Delgado² nos informa em sua doutrina que: "A garantia constitucional ultrapassa o interesse estrito da empregada gestante, uma vez que possui manifestos fins de saúde e de assistência social, não somente em relação às mães trabalhadoras como também em face de sua gestação e da criança recém-nascida".

No plano nacional, com o advento da Constituição de 1988 e, posteriormente, do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, preconizou-se o que se chama de doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos fundamentais que devem ser garantidos pela família, pela sociedade e pelo poder público, com absoluta prioridade: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Nessa perspectiva, reforça o afirmado, o art. 2º do Código Civil quando põe a salvo os direitos do nascituro. Outrossim, depreende-se ainda que o nascituro é titular de direitos personalíssimos, conforme prescreve o art. 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente e a lei 11.804/08, que disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma com ele será exercido, in verbis:

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Lei 11.804/08, art. 2o - Os alimentos de que trata esta lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive às referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. 

Dessarte, fundamentar abstratamente que a extensão da proteção ao trabalho da mulher poderia ser responsável pela discriminação das mulheres no mercado de trabalho, conquanto a certeza do agravamento da situação da gestante, em especial da criança que está por nascer, visto que serão privadas de recursos para a sua subsistência durante a fase primordial da primeira infância, desrespeita o que preconiza o art. 20, da LINDB, in verbis:

Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Insta salientar que a tese firmada com toda certeza não alcançou os reflexos desejados, conforme verifica-se do trecho colacionado em reportagem³ veiculada no site g1.globo.com, em 22/8/20:

Entre os meses de abril e junho, foi registrado o aumento no volume de vagas e contratações pelas agências de trabalho temporário, sendo que 17,1% delas realizaram mais de 400 contratos. Os contratados no período encontram-se em uma faixa etária entre 18 e 29 anos em 52,8% das vagas; de 30 a 44 anos para 44,4% dos cargos ocupados; e de 45 a 60 anos para 2,8% dos contratos. Do total de vagas preenchidas, 72,7% foram preenchidas pelo sexo masculino.

Nessa esteira, em verdade, a tese fixada acabou por suprimir direitos não apenas da gestante, mas do nascituro, em flagrante violação aos direitos da criança e do adolescente, sobretudo durante a primeira infância, período imprescindível para o desenvolvimento integral dos menores, de extrema relevância como reconhecido por meio da lei 13.257, de 08 de março de 2016, que dispôs em seu art. 3º, in verbis:

Art. 3º A prioridade absoluta em assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e do art. 4º da lei 8.069, de 13 de julho de 1990 , implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral.

Desse modo, ao mitigar a proteção à gestante e ao nascituro, e, consequentemente, à infância e juventude, a tese firmada pelo Tribunal Superior do Trabalho violou princípios fundamentais como a da máxima efetividade das normas constitucionais, restringindo o alcance do art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, assim como da vedação ao retrocesso, eis que suprime direitos sociais outrora reconhecidos.

Nesse contexto de violações dos direitos do nascituro, vislumbra-se também afronta ao direito da criança e do adolescente, motivo pelo qual restou a pergunta, onde estava o Ministério Público do Trabalho?

Ressalta-se que compete ao MPT propor as ações necessárias à defesa de direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho, além de recorrer das decisões da justiça do Trabalho tanto nos processos em que for parte como naqueles em que oficie como fiscal da lei.

A esse respeito, o MPT oficiou junto ao TST no processo que fixou a tese em sede do IAC  2, apresentando como conclusão: "o Ministério Público do Trabalho, convicto da relevância da proteção à maternidade e aos direitos do nascituro e imbuído do espírito norteador do Direito do Trabalho, oficia no sentido de que seja garantido o direito à estabilidade provisória, prevista pelo art. 10, II, b, do ADCT e pelo item III, da Súmula 244 do C.TST, às gestantes em trabalho temporário."

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento acerca da competência do MPT para a interposição de recurso extraordinário contra decisões proferidas pelo TST4:

O MPT não pode atuar diretamente no STF.
O exercício das funções do MPU (dentre os quais se inclui o MPT) junto ao STF cabe privativamente ao Procurador-Geral da República. Quando se diz que o MPT não pode atuar diretamente no STF isso significa que não pode ajuizar ações originárias no STF nem pode recorrer contra decisões proferidas por essa Corte. Importante esclarecer, no entanto, que o membro do MPT pode interpor recurso extraordinário, a ser julgado pelo STF, contra uma decisão proferida pelo TST.
STF. Plenário. RE 789874/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/9/14 (repercussão geral) (Info 759).

Por todo o exposto, em que pese a brilhante atuação do MPT, sobretudo no combate ao trabalho infantil, irrefutável a sua omissão quanto fiscal da lei no bojo do incidente de assunção de competência do TST - IAC 2, porquanto patente a violação aos direitos do nascituro, que trará prejuízos irreparáveis à primeira infância da criança e do adolescente, em contrariedade ao que preconiza o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta.

____________

1. (TST - RR: 8072520135070008, Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 3/5/17, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/5/17)

2. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª Edição, São Paulo: LTR, 2012, p. 547.

3. Disponível aqui.

4. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Membro do MPT tem legitimidade para interpor recurso extraordinário contra decisões do TST. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível aqui. Acesso em: 20/4/21

Luiz Carlos Santos Junior

Luiz Carlos Santos Junior

Advogado, mestrando em direitos sociais e processos reivindicatórios, especialista em Direito Civil e Processo Civil e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

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