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O juiz e a possibilidade de converter a prisão em flagrante em prisão preventiva conforme lei 13.964/19 (pacote anticrime)

Toda prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória são prisões cautelares, com objetivos diversos, como por exemplo, assegurar a regular tramitação do processo penal, evitar que o acusado ameace a vítima, familiares ou testemunhas.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Atualizado às 15:53

A prisão de uma pessoa, suspeita pela prática de um crime, é um ato que merece extremo cuidado. A prisão não será abordada neste artigo sob a análise de um crime x ou y praticado, ou seja, se um acusado de praticar um crime grave ou menos grave merece desde logo permanecer preso preventivamente. O foco deste artigo será a possibilidade ou não do juiz, após a prisão em flagrante, converte-la em prisão preventiva, onde o acusado deve permanecer preso preventivamente enquanto durar o processo, podendo ao final ser solto (absolvido) ou continuar preso para cumprimento da pena conforme condenação.

Vale ressaltar que toda prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória são prisões cautelares, com objetivos diversos, como por exemplo, assegurar a regular tramitação do processo penal, evitar que o acusado ameace a vítima, familiares ou testemunhas, entre outros motivos, desde que fundamentado pelo juiz a necessidade de eventual prisão preventiva.

A lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) trouxe mudanças significativas em nosso Código de Processo Penal, e uma das mudanças mais importantes foram nos artigos 282 § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, onde retirou a possibilidade do juiz converter a prisão em flagrante em prisão preventiva "de ofício", vedando a atuação do juiz ex-officio. Dessa forma, com o advento da nova lei, o juiz somente poderá converter a prisão em flagrante em prisão preventiva por provocação das partes, ou seja, a pedido do MP, da autoridade policial, do querelante ou do assistente.

Conforme redação anterior do artigo 282 do CPP, o juiz tinha total liberdade para decretar a prisão preventiva de uma pessoa, mesmo sem requerimento das parte, sendo uma decisão íntima e pessoal, conforme seu entendimento. A mudança trazida pela lei 13.964/19 no que tange a decretação da prisão preventiva, veda a possibilidade do juiz em determinar ex-officio que o acusado responda o processo preso preventivamente. Não se pode deixar de citar que o nosso processo penal atual é acusatório, ou seja, há uma separação clara de funções no processo penal, onde o juiz é apenas o julgador, e o MP o acusador, conforme redação do artigo 3-A do CPP, vejamos:

"Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. (Incluído pela lei 13.964, de 2019)"

Voltando ao assunto principal deste artigo, a mudança trazida no Artigo 282 do CPP pela lei 13.964/19 veda a possibilidade do juiz converter de ofício a prisão em flagrante em prisão preventiva, vejamos o texto da lei:

"Art. 282.

(...)

§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público." (grifo nosso)

Nota-se que a nova redação do artigo 282 traz a expressão "a requerimento", ou seja, vedado a iniciativa do juiz para decretar as medidas cautelares. Dessa forma a interpretação do artigo 311 do CPP deve ser analisado a luz do artigo 282, § 2º, que também foi retirada a expressão "de ofício" de seu texto, vejamos a nova redação do artigo 311:

"Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial."

Nota-se a expressão "a requerimento", ou seja, é obrigatório que uma das partes mencionadas no texto do artigo 311 se manifeste requerendo a prisão preventiva do acusado, vedando-se assim, a possibilidade do juiz atuar de ofício, não podendo por si só, por vontade própria, decretar a prisão preventiva. Assim, é obrigatório o requerimento de uma das partes (MP, Autoridade Policial, Assistente, Querelante) para que o juiz possa decretar a prisão preventiva.

Por fim, importante analisar o artigo 310 do CPP, na qual prevê a possibilidade de o juiz converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos do art. 312 e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. Este dispositivo deve ser interpretado conforme artigo 282, §2° e 311, ambos do CPP, na medida que o juiz somente estar autorizado a decretar a prisão preventiva com a expressa manifestação do Ministério Público, ou da autoridade policial, ou do assistente ou do querelante.

CONCLUSÃO

É fato que a lei 13.964/19 trouxe mudanças significativas no trâmite processual penal, onde juízes, promotores, delegados de polícia e advogados, deverão se adequar a nova realidade. É certo que teremos muitas dificuldades para que a nova lei seja devidamente observada e cumprida, visto que o comodismo e a aversão a mudanças repentinas são de difícil aceitação, principalmente pelos magistrados acostumados com o sistema inquisitório, na qual tinham toda liberdade de agir por ofício. A nova redação dos artigos do CPP mencionados nos traz mais segurança jurídica no sentido que o juiz deve se ater a sua função, ou seja, a função de julgador, a saber uma função de extrema responsabilidade, deixando ao Ministério Público a função de acusar.

Adriano Martins de Sousa

Adriano Martins de Sousa

Advogado na Seccional do Distrito Federal - OAB/DF, Pós-graduado em Direito Processual Penal. Pós-graduando em Direito Constitucional. Pós-graduando em Direito Público.

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