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Investimentos na América Latina e a proteção do meio ambiente: O caso Lago Agrio entre a Chevron e o Equador

Análise das lides entre a empresa Chevron e a população indígena atingida por atos de poluição em região amazônica equatoriana, ressaltando a prática do forum shopping, o uso da arbitragem investidor-Estado e o debate sobre a proteção do meio ambiente e da pessoa humana.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Atualizado às 17:06

O mês de abril de 2021 ficou marcado pelo evento da Cúpula de Líderes sobre o Clima, patrocinado pelos Estados Unidos, após o retorno do pais ao Acordo de Paris de 2015, que trata do combate às mudanças climáticas. Durante a cúpula virtual, os Estados Unidos e outros países reafirmaram o compromisso de estabelecer metas de redução de emissões de CO2 a evitar o aumento de 1,5 graus Celsius no final do século XXI. O próximo evento marcado é a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em novembro de 2021, na cidade de Glasgow, Reino Unido (COP 26).1

Frente à maior concertação multilateral em promover a proteção ambiental e a execução de medidas de redução de emissões a evitar o aquecimento global e consequências decorrentes das mudanças climáticas, a arbitragem internacional do investimento é campo de estudo diretamente envolvido no tema. Os investimentos internacionais são regulamentados pelo Direito Internacional do Investimento, ramo jurídico este pertencente ao Direito Internacional Público. Por sua vez, a arbitragem internacional no modelo Investidor-Estado é uma espécie de solução de controvérsias internacionais.

As empresas multinacionais, enquanto sujeitos diretos em arbitragens contra Estados importadores de capital, são elementos essenciais na questão da aplicação da responsabilidade nacional e internacional em casos de desastres naturais.

A América Latina, após as décadas de 1980 e 1990 que se caracterizaram pela incorporação de tratados bilaterais de investimento (Bilateral Investment Treaties - BITs), apresenta um posicionamento diferenciado quanto aos efeitos danosos desses instrumentos internacionais. O modelo tradicional de BIT permite que se utilize de arbitragem Investidor-Estado na solução de alegações de violação de acordo internacionais celebrado entre Estado exportador e Estado importador de capital. Nesse modelo de solução de conflitos de investimento, o investidor estrangeiro possui a capacidade de solicitar diretamente a constituição de um tribunal arbitral internacional ad hoc e figurar como parte no processo. Essa possibilidade afasta a aplicação da proteção diplomática e, em diversos casos, a solução pela jurisdição doméstica do Estado importador de capital. Os BITs geralmente apresentam uma cláusula de prazo mínimo pra resolver a questão a nível nacional, por um período de seis meses, por exemplo. Após esse prazo, ao investidor estrangeiro é permitido constituir um tribunal arbitral.

Na realidade latino-americana, utiliza-se comumente as regras procedimentais do ICSID nos acordos bilaterais de investimento. O Centro Internacional para a Resoluc¸a~o de Conflitos sobre Investimentos (International Centre for Settlement of Investment Disputes - ICSID) foi criado pela Convenção de Washington de 1965 e corresponde a uma das cinco organizações que compõem o Grupo Banco Mundial.2

Nas últimas décadas, a redução do número de BITs assinados demonstra que os Estados importadores de capital estão mais conscientes dos efeitos danosos e dos elevados custos de um procedimento arbitral Investidor-Estado. Essa afirmação é comprovada pela denúncia da Convenção de Washington de 1965 pela Bolívia em 2007, Equador em 2009 e Venezuela em 2012.3 Além disso, o Equador decidiu-se pela denúncia de nove acordos bilaterais de investimento em 2008.4

O próprio Brasil, em seus Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimento (ACFIs), iniciados em 2015,5 e o Acordo de Associação entre a UE e Mercosul, cujas negociações foram concluídas em junho de 2019, também afastam a solução por arbitragem Investidor-Estado e aplicam exclusivamente o modelo arbitral Estado-Estado.6

A extensa proteção ao investidor estrangeiro nas arbitragens Investidor-Estado é a principal  crítica desse modelo de solução de controvérsias.

Nos casos arbitrais que envolvem investimento e proteção ambiental, evidencia-se decisões contraditórias. Por exemplo, os casos arbitrais Metalclad v. Mexico7 e Methanex v. USA8 abordaram a questão da proteção ambiental e investimento estrangeiro, com decisão desfavorável ao México e favorável aos Estados Unidos, respectivamente.

No caso do Equador, os residentes na região do lago Agrio, no norte do país, em meio à floresta amazônica, alegaram em 1993 danos extensos ao meio ambiente e contaminação à população local, decorrente da extração de petróleo pela Texaco. À época, a Corte Distrital de Nova Iorque, nos Estados Unidos, al julgar sobre o foro da causa, atribuiu a jurisdição nova-iorquina como forum non conveniens e indicou a corte equatoriana como o foro adequado para tratar da causa. A decisão foi confirmada no julgamento de apelação em segunda instância. Ressalta-se que a empresa Texaco explorou o petróleo equatoriano durante os anos de 1964 a 1992.

Neste ínterim, a empresa Chevron Corp comprou a empresa Texaco no Equador, no ano de 2001. Por sua vez, a corte equatoriana julgou a empresa Chevron como a responsável pelos danos ambientais e de saúde à população local, cuja indenização consistiu no valor de 17,2 bilhões de dólares. A Corte Suprema equatoriana reduziu o valor da causa em 8,6 bilhões de dólares. Ciente da decisão reconhecimento da responsabilidade ambiental, iniciou-se o embate judicial sobre a execução da decisão.

A decisão da corte norte-americana confronta-se diretamente com a prática do forum shopping, marcadas por abusos de investidores estrangeiros em se valer de diversas instâncias jurisdicionais a demandar reparações contra Estados. A exemplo, no caso Vattenfall AB and others v. Federal Republic of Germany, de 2012, a decisão da corte constitucional não alterou o andamento do processo arbitral (ainda em julgamento).9 Já no caso CME/Lauder v. República Tcheca, o governo tcheco foi réu em dois procedimentos arbitrais Investidor-Estado quase simultâneos, solicitados pela mesma empresa emissora de televisão norte-americana.10

Posteriormente, foi instituído tribunal arbitral entre a Chevron e o Estado equatoriano de 2009, com fundamento em BIT celebrado entre este país e os Estados Unidos, em que a empresa alegou que não deveria ser a responsável pelos danos ambientais e de saúde da população afetada, o que foi decidido nesse sentido.11 12 Em contrapartida, a população local afetada do Lago Agrio requereu medidas preventivas na Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2012. Nesse caso, duas jurisdições internacionais decidem de formas opostas: o laudo arbitral impede a execução da decisão equatoriana contra a empresa Chevron, enquanto que a Comissão Interamericana ordena a proteção da população do Lago Agrio e que respeite o julgamento da corte equatoriana.13

Além dessa contradição, há a questão da arbitragem ad hoc a impedir a jurisdição nacional do Equador em executar suas decisões domésticas. Uma arbitragem não se coloca como uma instância revisora das decisões domésticas. Esse paralelismo de jurisdições não se configura como um sistema hierárquico jurisdicional, em que arbitragens Investidor-Estado estariam em uma posição superior à corte equatoriana.

Observa-se que a empresa Chevron se utilizou massivamente do forum shopping, valendo-se de diferentes jurisdições nacionais dos Estados Unidos, Brasil, Argentina, Canadá e Países Baixos.

Além de processo arbitral, foi aberto litígio civil nos Estados Unidos com fundamento na Lei de Organizações Corruptas e Influenciadas por Extorsão (Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act - RICO), com o objetivo de bloquear a execução da decisão equatoriana.14 A execução da decisão da corte equatoriana, portanto, foi impedida por decisão do tribunal dos Estados Unidos que alegou fraude e, portanto, violação da referida norma norte-americana. Dessa forma, a Chevron viu-se livre de cumprir a indenização pelos atos de poluição do meio ambiente e de contaminação da população indígena amazônica. Em 2017, a Suprema Corte dos Estados Unidos confirmou a decisão de alegação de fraude da corte equatoriana, livrando a Chevron de qualquer responsabilidade do desastre causado.15

O Caso Lado Agrio é emblemático por se tratar da maior decisão de uma corte latino-americana ao responsabilizar uma multinacional com fundamento na defesa dos direitos difusos das populações indígenas atingidas, além do reconhecimento da contaminação do solo e das águas, localizado em uma região do bioma amazônico. Além disso, o caso permite o debate contemporâneo sobre a responsabilidade das empresas multinacionais sobre a proteção das populações locais e meio ambiente nas explorações de recursos naturais em países em desenvolvimento.

Além da questão ambiental e de proteção da população indígena local, o caso demonstra a possibilidade de recursos quase que ilimitados de litígios transnacionais, que envolvem sistemas jurídicos de diferentes nações, bem como instâncias externas, como arbitragens e tribunais internacionais. Esse paralelismo de jurisdições é explorado principalmente pelas multinacionais na tentativa de evitar decisões contrárias ao seu interesse e, no caso em tela, esquivar-se da responsabilidade pelos desastres causados.

O Direito Internacional do Investimento, criado com o objetivo de assegurar os investimentos transnacionais, deve ser compreendido de forma holística, a incorporar outros objetivos protegidos pelo Direito Internacional, como o meio ambiente e a pessoa humana.

O arcaico entendimento de promover o desenvolvimento em prejuízo ao meio ambiente ainda persiste principalmente nos casos que envolvem países em desenvolvimento. Ainda se observa a perpetuação da prática de se exportar empresas poluidoras para países com regras mais brandas (Sul Global), uma vez implementadas legislações ambientais mais rigorosas no Norte Global. E no caso da existência de regras protetivas, resiste o uso de práticas como o forum shopping e de blindagens jurídicas em foros alheios ao local de ocorrência do dano, a evitar condenações pelos desastres ambientais e humanos causados.

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1 U.S. DEPARTMENT OF STATE. Leaders Summit on Climate. Disponível clicando aqui. Acesso em: 27 abr. 21.

2 INTERNATIONAL CENTRE FOR SETTLEMENT OF INVESTMENT DISPUTES - ICSID. About ICSID. Disponível clicando aqui. 22 mar. 21.

3 RIPINSKY, Sergey. Venezuela's Withdrawal From ICSID: What it Does and Does Not Achieve. Analysis. International Treaty News - ITN: 13 de abril de 2012. Disponível clicando aqui. Acesso em: 21 mar. 21.

4 UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT - UNCTAD. Denunciation of the ICSID Convention and BITs: Impact on Investor-State Claims. IIA Issues Note, n. 2. December, 2010. United Nations, 2010. Disponível clicando aqui. Acesso em: 21 mar. 21.

5 MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos - ACFI. Disponível clicando aqui. Acesso em: 21 mar. 21.

6 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - MRE. Mercosul-União Europeia. Disponível clicando aqui. Acesso em: 21 mar. 21.

7 ITALAW. Metalclad Corporation v. The United Mexican States. 1997. ICSID Case n. ARB(AF)/97/1. Disponível clicando aqui. 24 mar. 21.

8 ITALAW. Methanex Corporation v. United States of America. 1999. UNCITRAL. Disponível em: clicando aqui. Acesso em: 24 mar. 21.

9 ITALAW. Vattenfall AB and others v. Federal Republic of Germany. 2012. ICSID Case n. ARB/12/12. Disponível clicando aqui. Acesso em: 22 mar. 21.

10 ITALAW. Ronald S. Lauder v. The Czech Republic. 2001. UNCITRAL. Disponível em: clicando aqui. Acesso em: 22 mar. 2021.

11 ITALAW. Chevron Corporation (USA) and Texaco Petroleum Company (USA) v. The Republic of Ecuador. 2008. UNCITRAL, PCA Case n. 34877. Disponível clicando aqui. Acesso em: 23 mar. 21.

12  BBC. Chevron wins Ecuador rainforest 'oil dumping' case. Disponível clicando aqui. Acesso em: 27 abr. 21.

13 WHYTOCK, Christopher A. Some Cautionary Notes on the 'Chevronization' of Transnational Litigation. August 6, 2013. Stanford Journal of Complex Litigation, Vol. 1, 2013. pp. 467-486, UC Irvine School of Law Research Paper No. 2013-134, Disponível clicando aqui. Acesso em 27 abr. 21.

14 GÓMEZ, Manuel A. A Sour Battle in Lago Agrio and Beyond: The Metamorphosis of Transnational Litigation and the Protection of Collective Rights in Ecuador. December 4, 2015. University of Miami Inter-American Law Review, Vol. 46, No. 2, 2015, Florida International University Legal Studies Research Paper No. 15-35. Disponível clicando aqui. Acesso em 27 abr. 21.

15 HURLEY, Lawrence. U.S. top court hands Chevron victory in Ecuador pollution case. Reuters. 19 de junho de 2017. Disponível clicando aqui. Acesso em 28 abr. 21.

Thiago Ferreira Almeida

Thiago Ferreira Almeida

Advogado e especialista em Direito Internacional do Investimento e em Parcerias Público-Privadas. Doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG. Mestre em Direito Internacional e Graduado em Direito pela UFMG. Graduado em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Professor de MBA de Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas na PUC Minas. Especialista de Políticas Públicas de carreira e assessor de investimentos internacionais da Vice-Governadoria do Estado de Minas Gerais.

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