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Estado de exceção: A lei antiterrorismo brasileira e os riscos para a democracia e o "inimigo" da vez

Ruchester Barbosa definiu a lei brasileira como "um ato terrorista à hermenêutica constitucional" e "mais uma lei simbólica de cunho populista (BARBOSA, 2016a)".

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Atualizado às 12:25

Introdução

A Lei Antiterrorismo brasileira, lei 13.260/16, tem suscitado, desde a sua aprovação, uma série de críticas, e contou com uma oposição intensa da sociedade civil desde a sua proposição. O caso do Brasil não é isolado, e leis antiterrorismo em outros países sofreram críticas muito semelhantes. Um dos principais problemas desse tipo de lei, escreve Paula Yurie Abiko (2019), é o fato de que, em seguida à sua promulgação, ocorre uma "deturpação de suas funções, enquadrando movimentos sociais legítimos como terroristas." A definição imprecisa do que seria o terrorismo é um dos principais fatores que permitem que isso ocorra. Segundo a autora, diversos doutrinadores invocam a "vagueza hermenêutica" da lei brasileira, o que "possibilita uma interpretação [pelas autoridades] da forma que acharem conveniente." Outro autor, Ruchester Barbosa, definiu a lei brasileira como "um ato terrorista à hermenêutica constitucional" e "mais uma lei simbólica de cunho populista (BARBOSA, 2016a)". O próprio Alto Comissariado da ONU criticou, à época da aprovação da lei, "ambiguidades que podem dar lugar a uma margem muito ampla de discricionariedade na hora de aplicar a lei, o que pode causar arbitrariedades e um mau uso das figuras penais que ela contempla", e a Anistia Internacional, por sua vez, considerou que

na atual conjuntura em que leis totalmente inadequadas ao contexto foram usadas na tentativa de criminalizar manifestantes em protestos desde 2013, é muito grave a aprovação de um projeto de lei "antiterror" que poderá aprofundar ainda mais o contexto de criminalização do protesto em geral (TERENZI, 2016).

A imprecisão do terrorismo na legislação penal foi observada na Espanha por Mario Capita Remezal. Na redação de normas antiterroristas, escreve o autor, "o legislador deve empregar conceitos que não sejam genéricos ou tautológicos, atendendo às exigências do princípio da taxatividade das normas penais (REMEZAL, 2018)." O autor critica, por exemplo, a definição de terrorismo utilizada pelo código penal espanhol, que define como terrorismo condutas destinadas a subverter a ordem constitucional; suprimir ou desestabilizar gravemente o funcionamento das instituições políticas ou das estruturas econômicas ou sociais do Estado; obrigar os poderes públicos a realizarem um ato ou absterem-se de fazê-lo; perturbar gravemente a paz pública; desestabilizar gravemente o funcionamento de uma organização internacional ou provocar um estado de terror na população ou em parte dela. Segundo Remezal,

dentro da expressão desestabilizar gravemente o funcionamento das instituições políticas ou das estruturas econômicas ou sociais do Estado, pode caber qualquer ação reivindicativa. O mesmo sucede com os termos econômico e social, onde se pode introduzir o que se queira (REMEZAL, 2018).

E, continua o autor, "não é menos problemático o conceito de obrigar os poderes públicos a realizarem um ato ou absterem-se de fazê-lo, onde poderia caber qualquer ato administrativo, político, de mero funcionamento ou trâmite burocrático de qualquer poder público (REMEZAL, 2018)." Ou seja, qualquer tentativa de obrigar o poder público a praticar determinado ato, ainda que previsto em lei, ou a deixar de praticar outro ato, ainda que ilegal ou inconstitucional, pode ser considerada um ato terrorista. Por outro lado, a noção de paz pública é "imprecisa, juridicamente indeterminada e inclusive contrária ao princípio da legalidade penal (REMEZAL, 2018)." Cada grupo social define a paz pública à sua maneira, e, pelo menos numa sociedade plural, é natural que haja divergências nesse sentido. Além do mais, desestabilizar gravemente o funcionamento de uma organização internacional incluiria tanto sujeitos de direito internacional público, como a OTAN, quanto ONGs, como a Greenpeace. Por fim, provocar um estado de terror na população ou em parte dela serve para encaixar "ações de protesto nas quais se produzam distúrbios em uma cidade que provoquem terror em parte da população (REMEZAL, 2018)." E, conclui o autor, "parece que o legislador está pensando em considerar como terroristas determinadas condutas que não podem ser outra coisa senão legítimos protestos cidadãos frente ao poder público (REMEZAL, 2018)."

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior

Advogado, pós-doutor em Direito Constitucional na Itália. Professor universitário. Sócio fundador escritório SME Advocacia. Presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO. Membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB Nacional e árbitro da CAMES.

Fagner Enrique Fonseca de Oliveira

Fagner Enrique Fonseca de Oliveira

Graduando de Direito do Centro Universitário de Goiás Uni-Goiás.

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