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Perdemos algo em licitações para contratar obras públicas?

Grandes expectativas do segmento da construção civil quanto à nova lei geral de licitações e contratos administrativos: de permitir o aperfeiçoamento do mercado, por meio da exclusão dos "aventureiros" de menor preço, assegurando a proeminência de critérios técnicos para as decisões sobre contratação.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Atualizado às 17:02

Pode-se atribuir parte dos números expressivos da construção civil no Brasil à iniciativa de o Estado realizar obras de infraestrutura e das edificações onde sedia a prestação de seus serviços. Daí a necessidade da Lei 14.133/2021 ser aplicada para viabilizar com eficiência tais contratações, inclusive pelas externalidades positivas da execução desses contratos.

Com altos e baixos em sua aplicação, a revogada lei 8.666/93 foi o ponto de partida para o amadurecimento de um marco contratual público que fosse adequado às expectativas de desenvolvimento nacional sustentável. Partindo de uma concepção rígida de procedimento licitatório e de contratação, nos últimos anos legitimaram-se as parcerias entre o público, o privado e até o terceiro setor, contemplando o compartilhamento de eventuais riscos e de resultados. Diversificou-se o regime jurídico, flexibilizando regras procedimentais em busca de maior celeridade e estabelecendo mecanismos de gestão contratual que fossem mais dialógicos. Também foi inovada a perspectiva de monitoramento de contratos, referenciando-o pela integridade e obrigando o próprio contratante a realizar um efetivo controle de sua gestão.

Havia, pois, grandes expectativas do segmento da construção civil quanto à nova lei geral de licitações e contratos administrativos: de permitir o aperfeiçoamento do mercado, por meio da exclusão dos "aventureiros" de menor preço, assegurando a proeminência de critérios técnicos para as decisões sobre contratação; de regular o modo de financiamento das obras públicas, a fim de ampliar suas fontes e facilitar o acesso; de instituir mecanismos mais ágeis para assegurar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; de estabelecer maior segurança às partes, evitando a procrastinação ou a paralisação de obras.

Neste ponto, convém iniciar a análise da nova lei de licitações e contratos administrativos quanto a tais anseios justamente pelo Veto 13/21, destacando o que ficou de fora do novo marco legal (mas que ainda pode ser revisto pelo Parlamento). Mais precisamente os §§ 2º, 3º e 4º do art. 115; os §§ 7º e 8º do art. 46; e o § 2º do art. 37, todos da lei 14.133/21.

Os §§ 2º e 3º do art. 115 da nova lei estabeleceriam obrigações contratuais que, ao permitirem a reserva e a afetação de recursos destinados à execução de obras, acabariam, segundo razões do veto, por contribuir para "aumentar significativamente o empoçamento de recursos, inviabilizando remanejamentos financeiros que possam se mostrar necessários ou mesmo para atender demandas urgentes e inesperadas". Já o § 4º do mesmo artigo foi vetado porque subverteria a ordem de ações no regime de contratação integrada, no caso por condicionar o início de licitação a licenciamento ambiental prévio de seu objeto, ao fundamento de que "o projeto é condição para obter a licença prévia numa fase em que o mesmo ainda será elaborado pela futura contratada".

De fato, as despesas públicas acontecem após a liquidação das obrigações do contratado, com ressalvas às hipóteses previstas em lei, segundo consta do art. 62 da Lei 4.320/64 e do art. 38 do Decreto 93.872/86. Embora haja entendimento de que os contratos de obras até comportam um "adiantamento" de despesas, a se considerar a previsão editalícia e contratual expressa, a prestação de garantia pelo contratado e ser a medida indispensável (entre outros, o precedente do TCU no Acórdão 3.614/13), a falta de planejamento financeiro no custeio das obras públicas talvez se resolvesse por outras providências, a exemplo de realizar-se sua projeção adequadamente, segundo as melhores técnicas, e de cumprir-se a regra de pagamento dos contratos de obras segundo a ordem cronológica de sua exigibilidade, a partir de suas medições, tal como previsto pela mesma Corte de Contas em 2004 (Acórdão 888).

Indubitavelmente, a previsibilidade de pagamentos em contratos administrativos (inclusive os de obras), observando uma rotina e prazos certos, sustenta a própria credibilidade financeira do Contratante, repercutindo nos preços que pagará ao final, sem que sejam necessários os usuais termos aditivos para acrescer seu valor. Por outro lado, a incerteza no planejamento e na gestão de contratos de obras, resultando em atraso de sua entrega, no aumento de seu custo, no desequilíbrio de sua equação, podem caracterizar a ilicitude de condutas, seja do contratante seja do contratado, a serem monitoradas pelos órgãos de controle externo e interno.

Já em relação ao licenciamento de obras públicas previamente à divulgação do edital de sua licitação, faz sentido que seja feito antes mesmo da contratação, a fim de evitar atrasos ou trazer áleas indesejadas para a execução regular de obra. O veto ao § 4º do art. 115 da nova Lei ampara-se na restrição que tal regra causa à aplicabilidade da contratação integrada, visto que o contratado deverá elaborar o projeto básico - e, a partir dele, providenciar licença ambiental. Mas, se a Administração Pública deve dispor do anteprojeto em casos de contratação integrada (art. 46, § 2º, da lei 14.133/21), e que tanto o anteprojeto como o projeto básico devem considerar o impacto ambiental de obras públicas (art. 6º, XXIV e XXV, da lei 14.133/21), seria inviável o licenciamento apenas com o anteprojeto? Segundo consta do art. 19 do Decreto 99.274/90 e da Resolução CONAMA 237/97, haveria compatibilidade entre o licenciamento prévio e o anteprojeto de obras públicas.

No tocante aos §§ 7º e 8º do art. 46 da lei 14.133/21, foram vetados porque restringiriam a aplicabilidade do regime de contratação integrada e semi-integrada, permitindo-a apenas na "contratação de obras, serviços e fornecimentos cujos valores superem aquele previsto para os contratos de que trata a lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004", atualmente em R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). De fato, não faz nenhum sentido estabelecer piso de valor para os regimes de contratação integrada ou semi-integrada, justamente porque sua aplicabilidade não se define por elemento quantitativo de objeto, mas por suas características técnicas. Tais regimes ocorrerão sempre que a complexidade de uma contratação desafiar a capacidade institucional de a Administração Pública diagnosticar problemas e prover a melhor solução. Em casos assim, que independem de valor, será possível que o contratado promova a resposta mais satisfatória ao interesse público desde sua concepção, visto que poderá elaborar o projeto executivo e até o básico (neste caso, na contratação integrada).

O veto ao § 2º do art. 37 da lei 14.133/21, enfim, justificou-se pelo cerceamento que acarretaria à discricionariedade do gestor quanto à escolha do critério de julgamento em licitações para contratar serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, haja vista que o delimitaria a escolher a "melhor técnica" ou a "técnica e preço". Questão que decorre naturalmente do veto é de saber se haveria outro critério disponível ao gestor para escolher a proposta mais vantajosa na contratação desses serviços. Seria justificável o menor preço? O maior desconto? O maior retorno econômico? Ao que tudo indica, a decisão legislativa original corresponde justamente a uma exclusão de critérios que não se coadunam com a natureza do objeto contratado. E com seu veto, sendo possível adotar critérios que não se adequariam às características da especialidade e da intelectualidade, admitir-se-ia que a Administração Pública dispendesse recursos públicos em contratações que não ofereceriam, em sua essência, a qualidade almejada para satisfazer plenamente o interesse público.

A lei 14.133/21 avança, enfim, no tratamento das licitações e contratações de obras públicas, consolidando a eficiência como parâmetro de flexibilidade na execução de tais contratos. Dentre os desafios que ainda existem, alguns ainda podem ser tratados pelo próprio Poder Legislativo, na análise do Veto 13/21, especialmente quanto ao § 2º do art. 37 e ao § 4º do art. 115 da nova Lei. A manutenção de critérios legais para contratação de serviços técnicos especializados de natureza intelectual e a prevenção de riscos decorrentes de licenciamento ambiental nas contratações de obras públicas representam o comprometimento com uma Administração Pública responsiva e com o desenvolvimento do mercado da construção civil no Brasil.

Fábio Luís Guimarães

Fábio Luís Guimarães

Advogado e Professor universitário. Mestre em Direito Público pela PUC-MG.

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