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O monitoramento de e-mais e redes sociais na relação de emprego à luz da LGPD

O mundo do trabalho, que lida, a todo o tempo, com o tratamento de dados de empregados, seja para alimentar bancos de dados públicos, seja para constituir os bancos de dados e registros funcionais dos empregadores, é fortemente impactado pelas disposições protetivas da LGPD.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Atualizado às 10:24

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

1 - INTRODUÇÃO

Com a vigência da lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD (lei 13.709/18), as relações jurídicas regidas pelos mais diversos ramos do Direito pátrio tiveram que se adaptar a um novo e importante mandamento: a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural no que diz respeito ao tratamento de seus dados pessoais.

O mundo do trabalho, que lida, a todo o tempo, com o tratamento de dados de empregados, seja para alimentar bancos de dados públicos, seja para constituir os bancos de dados e registros funcionais dos empregadores, é fortemente impactado pelas disposições protetivas da LGPD.

E um tema que, volta e meia é discutido no âmbito trabalhista, chama a atenção: tendo em vista as novas disposições sobre a proteção de dados das pessoais naturais, é possível que o empregador monitore as redes sociais e e-mails e, consequentemente, realize tratamento de dados de seus empregados? Até que ponto o exercício do poder diretivo patronal permite o acesso ao teor das comunicações realizadas pelo obreiro via aplicativos de mensagens instantâneas e e-mails? Quais são as consequências em caso de monitoramento e de tratamento de dados realizados pelo empregador de forma ilícita?

Este trabalho buscará responder a tais indagações mediante a análise dos dispositivos legais pertinentes, mormente os da lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, aliada à análise da jurisprudência trabalhista majoritária acerca da temática do monitoramento dos e-mails no âmbito da relação de emprego.

2 - A LGPD E O MONITORAMENTO DE E-MAILS E REDES SOCIAIS

A lei 13.709/18, com redação alterada pela lei 13.853/19, é um marco importantíssimo quanto ao tratamento de dados pessoais de empregados, servidores públicos, consumidores, contribuintes e do cidadão em geral. Conhecida por lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ou, simplesmente, LGPD, a nova legislação busca garantir, por ocasião do tratamento de dados obtidos por qualquer meio, o respeito à privacidade, à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, aos direitos humanos, ao livre desenvolvimento da personalidade, à dignidade e o exercício da cidadania (artigo 2º, I, III e VII) sem prejudicar os direitos à liberdade de expressão, à informação, à comunicação, à opinião, ao desenvolvimento econômico, tecnológico e à inovação, à livre iniciativa, à livre com concorrência e à defesa do consumidor (artigo 2º, III, V e VI).

A LGPD é uma legislação moderna, detalhada, de fácil leitura e entendimento e que preza, sobretudo, pelo respeito à proteção de dados, privacidade e personalidade das pessoas naturais por parte dos agentes de tratamento, sejam eles pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou privado. Prevê em seu bojo, dentre outros institutos jurídicos, vários princípios e conceitos a serem observados (artigos 2º, 5º e 6º), estabelecendo os requisitos (artigos 7º a 10) e as hipóteses em que pode ocorrer o tratamento de dados (artigos 11 a 14), os direitos dos titulares (artigos 17 a 22), as regras para o Poder Público (artigos 23 a 30), as regras de responsabilidade civil e de ressarcimento de danos em virtude de tratamento inadequado (artigos 42 a 45), as regras de segurança e de boas práticas (artigos 46 a 41) e as regras de fiscalização e de sanções administrativas (artigos 52 a 54).

Em resumo: a LGPD vem suscitar maior responsabilidade das pessoas físicas e jurídicas que tratam (desde a coleta, passando pela utilização, modificação, compartilhamento e chegando à eliminação) dados pessoais de pessoas naturais. A referida lei deixa claro, numa sociedade cada vez mais caracterizada pela virtualização/digitalização dos processos sociais, rapidez da comunicação e da transferência de dados e de informações, que a internet não é uma terra sem lei. Apesar de não se limitar apenas ao mundo virtual, a LGPD une esforços às legislações já existentes, como a lei Carolina Dieckmann (lei 12.737/12) e o Marco Civil da Internet (lei 12.965/14) na proteção das relações sociojurídicas praticadas/existentes no mundo virtual.

Compara-se a lei Geral de Proteção de Dados Pessoais a um grande polvo, molusco que possui enormes tentáculos a alcançar várias e distintas direções ao seu redor. A referida legislação, como já ressaltado em linhas anteriores, atinge os mais diversos ramos no Direito e as suas respectivas relações jurídicas no quesito proteção de dados. Ela deita os seus efeitos nas relações de direito material, a exemplo das trabalhistas, cíveis, consumeristas, empresariais e administrativas, e, também, nas relações de direito processual - seja qual for o ramo de processo. A aplicação do Direito Material e Processual, seja qual for o seu ramo, importa, no mais das vezes, na construção de bancos de dados que registram dados pessoais de pessoas naturais. E onde há dados, há a correspondente proteção pelos institutos da lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. E na seara trabalhista, não é diferente.

O empregador, desde o ato da seleção do empregado à vaga de emprego, passando pelos momentos da entrevista, da assinatura do contrato, da execução do pacto laboral e do término da relação empregatícia, coleta inúmeros dados do empregado. Na ficha de registro de empregados de qualquer trabalhador, seja ela física ou digitalizada, há inúmeras informações como nome completo, filiação, domicílio e residência, estado civil, gênero, número do RG, CPF, CTPS, PIS, e-mail pessoal, telefone para contato, dentre outros (artigo 5º, I, LGPD). Quanto à coleta de dados pessoais sensíveis (artigo 5º, II, LGPD), pode-se dar o exemplo de um empregador que se constitui numa organização de tendência, possuindo um claro direcionamento ideológico, religioso, moral ou filosófico, tal qual um colégio religioso católico (confessional), que colete informações de seus professores da matéria "ensino religioso" quanto à religião por eles professada.

Vê-se, assim, que a lei Geral de Proteção de Dados Pessoais espraia-se com grande força na área trabalhista, cabendo ao controlador e ao operador (artigo 5º, VI e VII, da LGPD) dos dados colhidos em virtude da relação de emprego, no caso, o empregador, observar fielmente os requisitos para o tratamento de dados pessoais, observando fielmente os direitos dos titulares, no caso, dos seus empregados. É importante ressaltar que o empregador é responsável tanto por alimentar bancos de dados públicos, exemplo do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) e do CNIS (Castrado Nacional de Informações Sociais), como por constituir o seu próprio banco de dados corporificado principalmente na ficha de registro de empregados, nos históricos e nas pastas funcionais. A utilização de certas ferramentas na execução do contrato de trabalho, mormente as virtualizadas, importa em constante possibilidade de tratamento de dados pessoais pertencentes aos empregados.

Em tal contexto se insere uma interessante indagação: a lei Geral de Proteção de Dados Pessoais permitiria o monitoramento pelo empregador dos e-mails e das redes sociais (a exemplo do Whatsapp, Telegram, Snapchat, Instagram e Facebook) utilizados pelos seus empregados? Se sim, quais seriam os seus requisitos?

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o contrato de emprego envolve, dentre outros, o requisito fático-jurídico da subordinação (artigo 3º da CLT), estando o empregado sujeito ao poder diretivo do seu empregador (artigo 2º da CLT). Acerca do tema, Delgado (2015, p. 311), ressalta que

A subordinação corresponde ao polo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pelo qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.

 Não é à toa que o Direito do Trabalho possui uma conotação tuitiva, ou seja, protetiva, estabelecendo uma série de direitos e garantias aos empregados com fundamento na Constituição Federal de 1988 (artigos 7º ao 11) e explicitados pela legislação infraconstitucional, a exemplo da Consolidação das Leis do Trabalho. Deve ser ressaltado que a condição de empregado não importa abrir mão dos direitos à privacidade e à intimidade tão protegidos pela LGPD, sendo certo que a Constituição Federal (BRASIL, 1988) prevê que "[.] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação [.]".

No entanto, a mesma Constituição Federal de 1988 prevê como fundamento da República o equilíbrio entre os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigos 1º, IV e 170, caput), o direito de propriedade atendida a sua função social (artigo 5º, XXII e XXIII, e 170, II e III) e a livre concorrência (artigo 170, IV) que, aliados a dispositivos celetistas como o artigo 2º (poder diretivo) e o artigo 482 (justas causas obreiras), conferem ao empregador a gestão do contrato de trabalho e a não tolerância na prática de atos ilícitos pelo laborista.

Ademais, o próprio Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002) estabelece que o empregador responde objetivamente pelos atos ilícitos de seus empregados que lesionem terceiros, visto que "[.] são também responsáveis pela reparação civil: [.] III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; [.]". Nesses termos, verifica-se que é importante, num juízo de ponderação de princípios constitucionais, resguardar-se, ao mesmo tempo, o direito à privacidade e à intimidade do empregado e o legítimo direito de propriedade do empregador.

Nesse aspecto, quanto à possibilidade do empregador realizar o monitoramento de e-mails dos empregados e, por extensão, das demais redes sociais que sejam por eles utilizadas, a jurisprudência trabalhista majoritária, encontrando uma solução que se afigura apropriada, buscou diferenciar o e-mail particular do empregado do e-mail corporativo, o institucional fornecido pelo empregador para a comunicação empresarial e, em geral, para o exercício dos direitos e dos deveres oriundos do contrato de emprego. Nesse aspecto, colaciono a lapidar e explicativa ementa oriunda da 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (BRASIL, 2005):

PROVA ILÍCITA. -E-MAIL - CORPORATIVO. JUSTA CAUSA. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO. 1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual (e-mail particular). Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade. 2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado e-mail corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso corporativo, salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço. 3. A estreita e cada vez mais intensa vinculação que passou a existir, de uns tempos a esta parte, entre Internet e/ou correspondência eletrônica e justa causa e/ou crime exige muita parcimônia dos órgãos jurisdicionais na qualificação da ilicitude da prova referente ao desvio de finalidade na utilização dessa tecnologia, tomando-se em conta, inclusive, o princípio da proporcionalidade e, pois, os diversos valores jurídicos tutelados pela lei e pela Constituição Federal. A experiência subministrada ao magistrado pela observação do que ordinariamente acontece revela que, notadamente o e-mail corporativo, não raro sofre acentuado desvio de finalidade, mediante a utilização abusiva ou ilegal, de que é exemplo o envio de fotos pornográficas. Constitui, assim, em última análise, expediente pelo qual o empregado pode provocar expressivo prejuízo ao empregador. 4. Se se cuida de e-mail corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, o que está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar à INTERNET e sobre o próprio provedor. Insta ter presente também a responsabilidade do empregador, perante terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (Código Civil, art. 932, inc. III), bem como que está em xeque o direito à imagem do empregador, igualmente merecedor de tutela constitucional. Sobretudo, imperativo considerar que o empregado, ao receber uma caixa de e-mail de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, como se vem entendendo no Direito Comparado (EUA e Reino Unido). 5. Pode o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, em e-mail corporativo, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob o ângulo material ou de conteúdo. Não é ilícita a prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho. Inexistência de afronta ao art. 5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal.6. Agravo de Instrumento do Reclamante a que se nega provimento. (TST - RR: 613002320005100013 61300-23.2000.5.10.0013, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 18/05/05, 1ª Turma,, Data de Publicação: DJ 10/06/05.)

Como se vê, o didático precedente do Tribunal Superior do Trabalho acima colacionado deixa claro que o monitoramento de e-mails e, por extensão, das demais redes sociais, pode acontecer a depender da titularidade e da função atribuída às referidas funcionalidades virtuais.

De início, insta salientar que em nenhuma hipótese poderá haver monitoramento dos e-mails e de qualquer comunicação privada mantida em redes sociais, como o whatsapp, dos empregados. Não tendo nenhuma relação com o ambiente corporativo, constitui ato ilícito do empregador realizar o tratamento de qualquer dado pessoal extraído do monitoramento de e-mails e de redes sociais privadas. Nesse aspecto, os direitos à privacidade e à intimidade do empregado devem prevalecer, pois garantidos tanto pela Constituição Federal (artigo 5º, X), como pela própria lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (artigo 2º, I e IV).

É interessante notar que, diante da subordinação jurídica a que está sujeito o empregado, que normalmente firma contratos de adesão nos quais é inexistente ou, na melhor das hipóteses, é mínimo o poder de negociação, arrisca-se a dizer que é nula de pleno direito toda e qualquer cláusula em que o empregado "anua" com o monitoramento e o tratamento de seus dados extraídos de seu e-mail particular e, por exemplo, de suas conversas de whatsapp ligado ao seu número de telefone pessoal. Assim é, pois, nos termos do artigo 9º da CLT (BRASIL, 1943), "[.] são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação [.]". Via de regra, nem mesmo o consentimento escrito, em cláusula contratual destacada e para fim específico, previsto nos artigos 7º, I, e 8º da LGPD seria apto o suficiente a permitir tamanha atitude invasiva na privacidade do empregado.

Deve ser ressaltado que o monitoramento dos e-mails e das redes sociais privadas do empregado pelo seu empregador não se enquadra em nenhuma outra hipótese do artigo 7º da LGPD, mormente as dos incisos II e IX. Ora, nada tendo a ver o empregador com a vida privada do empregado; nada tem que buscar em redes sociais alheias dados para o cumprimento de obrigações legais (inciso II); os e-mails e redes sociais privados nada dizem a respeito da execução do contrato de emprego; e não há nenhum interesse legítimo do controlador, no caso, o empregador, no acesso de dados privados que não lhe dizem respeito (inciso IX).

Assim, vê-se que a lei Geral de Proteção de Dados, indo ao encontro da jurisprudência trabalhista sobre a questão, veda terminantemente que o empregador tenha acesso a dados pessoais de seus empregados em razão de monitoramento de e-mails e de redes sociais privadas. A violação a tal vedação pode ensejar a responsabilidade objetiva do empregador pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais eventualmente causados, tudo nos termos dos artigos 42 e 43 da LGPD.

No entanto, outro é o entendimento quando se trata de redes sociais e de e-mails institucionais fornecidos pelo empregador aos seus empregados. Por vezes, o empreagador fornece aparelhos celulares e computadores com os aplicativos e as contas de whatsapp, telegram, Snapchat, Facebook e Instagram já instalados, todos eles voltados à execução do trabalho, seja para a divulgação da marca, dos produtos e dos serviços empresariais, seja para facilitar a comunicação entre os diversos setores e hierarquias da empresa. Uma imobiliária, por exemplo, pode ter uma página no Facebook ou no Instagram para a divulgação de fotos e anúncios dos imóveis que se encontram sob a sua guarda. Um restaurante pode fornecer um telefone com o aplicativo do whatsapp instalado para que os atendentes recebam pedidos de entrega "delivery".

De igual maneira, as empresas criam e-mails corporativos, com extensões, domínios, marcas e logotipos próprios que identificam ser aquele endereço eletrônico oriundo da empresa e o seu usuário um empregado da corporação. Tais e-mails corporativos, criados com o fim de facilitar a comunicação interna, substituindo os memorandos, as circulares e os ofícios, além de levarem a assinatura do seu emitente, expõem a imagem da empresa.   

Quando o empregador fornece computadores e/ou telefones empresariais, aplicativos e contas em redes sociais e e-mails corporativos ao seu empregado, ele o faz para a execução do trabalho. Ou seja, o e-mail e a rede social são entregues ao empregado para que sejam ferramentas para a execução dos serviços que estão sob a responsabilidade obreira. Em última análise, as redes sociais e os e-mails corporativos pertencem à empresa, apenas estando cedidas ao empregado enquanto vigente o vínculo empregatício com o fim de possibilitar ou de facilitar a execução do contrato na condição de ferramentas de trabalho. Tanto é que, após encerrado o vínculo empregatício, o empregado perde acesso aos e-mails e às redes sociais corporativas e deve devolver os equipamentos físicos ao empregador.

Neste caso, considerando os direitos à propriedade, à livre iniciativa e à livre concorrência do empregador, previstos nos artigos 5º, XXII e 170 da CF/88 e no artigo 2º, VI, da LGPD, entende-se lícito o monitoramento formal e do conteúdo dos e-mails e das redes sociais corporativas da empresa, até mesmo porque, perante terceiros, o empregador possui responsabilidade objetiva por atos ilícitos praticados pelos seus empregados que assim agem utilizando-se das ferramentas de trabalho (artigo 932, III, do CC/02). No entanto, é importante ressaltar que a jurisprudência trabalhista, cristalizada no precedente da 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho transcrito em linhas anteriores, estabelece que esse monitoramento deve ser moderado, geral, impessoal e não direcionado, a ponto de se evitar práticas de assédio moral e de discriminações odiosas no ambiente de trabalho. De igual forma, a doutrina e a jurisprudência majoritárias estabelecem que esse monitoramento e, por conseguinte, o tratamento de dados dele decorrente, não devem ser clandestinos, devendo contar com a ciência prévia do empregado, seja no ato da admissão, seja no curso do contrato de trabalho a partir da implementação das ferramentas virtuais para a execução do trabalho. Em tal sentido, Barros (2017, p. 399) que

Se o empregado se utiliza, no horário de serviço, do e-mail do empregador (e-mail corporativo) para enviar suas mensagens particulares, o empregador poderá controlar os sites visitados, como também ter acesso às mensagens eletrônicas enviadas e recebidas. Deverá, entretanto, comunicar ao empregado essa fiscalização, lembrando que o uso do computador dirige-se exclusivamente à atividade funcional. Nesse caso, o poder diretivo justifica a fiscalização, pois o computador constitui instrumento de trabalho.

O monitoramento das redes sociais e e-mails corporativos cedidos ao empregado - que se encontra em estado de subordinação jurídica na relação de emprego - e, por consequência, o tratamento dos dados obtidos em tal monitoramento, a LGPD exigiriam o consentimento escrito, em cláusula contratual destacada e para fim específico, conforme previsto nos artigos 7º, I, e 8º da LGPD? Entende-se que não, bastando a prévia ciência do empregado de que o monitoramento possa vir a ocorrer. Ora, por se tratarem de ferramentas de trabalho pertencentes ao empregador, com vistas a atender exclusivamente aos fins empresariais, o monitoramento e o tratamento de dados das redes sociais e dos e-mails funcionais atende "[.] aos interesses legítimos do controlador [.]", no caso, o empregador, nos exatos termos do artigo 7º, IX, da lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (BRASIL, 2018). É legítimo interesse do empregador que o seu laborista não utilize redes sociais e e-mails corporativos para causar danos a terceiros, cometer crimes, praticar concorrência desleal à empresa, vender segredos empresariais e praticar as justas causas previstas, por exemplo, no artigo 482 da Consolidação das leis do Trabalho.

No caso de tratamento de dados pessoais por interesse legítimo do empregador, devem ser observadas as prescrições do artigo 10 da LGPD, ou seja, o monitoramento e o tratamento de dados deve ser feito apenas para finalidades legítimas, tais como o apoio e a promoção das atividades da corporação (artigo 10, caput e inciso I). Deve ainda o empregar utilizar somente os dados pessoais estritamente necessários para a finalidade que pretende (artigo 10, § 1º), bem como, nos dizeres do § 2º do artigo 10 da LGPD (BRASIL, 2018), "[.] deverá adotar medidas para garantir a transparência do tratamento de dados baseado em seu legítimo interesse". Pelo que se observa, mesmo no monitoramento autorizado pelo legítimo interesse do empregador, a LGPD busca limitar o acesso aos dados pessoais do empregado ao mínimo necessário para se atender às finalidades legítimas do empregador de proteção à propriedade, à livre iniciativa, à livre concorrência e à imagem do seu empreendimento.

Ressalte-se ainda que o artigo 7º da LGPD traz outros dispositivos auxiliares que fundamentam o monitoramento das redes sociais e dos e-mails corporativos do empregado. O inciso II (BRASIL, 2018) prevê que o tratamento de dados, incluindo o monitoramento, pode ter lugar para "[.] o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador [.]". Ora, é obrigação legal do empregador não causar dano a terceiros (artigos 186 e 927 do Código Civil), inclusive por meio dos seus empregados. De outra parte, é dever do empregado agir com boa-fé, fidelidade e zelo na execução do contrato, não incidindo nas hipóteses de justa causa obreira. Já o inciso VI (BRASIL, 2018) prevê a possibilidade de monitoramento e de tratamento de dados pelo empregador para "[.] o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral [.]", o que se entende perfeitamente cabível em se tratando de uma rede social e/ou de um e-mail cedidos ao empregado como ferramentas de trabalho, mas que pertence ao empregador.

Quanto ao monitoramento das redes sociais dos e-mails corporativos e ao acesso aos dados pessoais sensíveis do empregado que neles tenham sido registrados, ou seja, aqueles que, nos termos do artigo 5º, II, da LGPD (BRASIL, 2018) se referem à "[.] origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, [.]", a conclusão é a mesma. Não há necessidade de prévio consentimento formal escrito e específico do empregado, desde que, nos termos do artigo 11, II, da LGPD (BRASIL, 2018) o monitoramento e o acesso aos dados sensíveis forem indispensáveis para o "[.] cumprimento de obrigação legal [.]" (alínea "a") e para o "[.] exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral [.]" (alínea "d"). Tais hipóteses atendem perfeitamente o exercício regular de direitos do empregador no monitoramento do correto uso de suas ferramentas de trabalho pelo empregado.

No entanto, é muito importante deixar claro que o empregador não está autorizado a fazer uso dos dados pessoais, principalmente dos sensíveis, obtidos em razão do monitoramento para praticar condutas de discriminação negativa, obter ganho financeiro com a venda e o compartilhamento dos dados, realizar compartilhamento de dados de forma gratuita com pessoas e entidades estranhas à relação de emprego sem a aquiescência formal e expressa do empregado, manipular e alterar indevidamente os dados para fins ilícitos e praticar fraudes e ilícitos penais das mais variadas espécies. Assim é, visto que a LGPD, muito embora permita hipóteses de tratamento de dados independentemente de autorização escrita da pessoa natural, em seu artigo 6º (BRASIL, 2018) limita esse tratamento apenas a "[.] propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades [.]".

É em razão disso que, para se realizar o monitoramento das ferramentas virtuais corporativas, deve ser exigido um termo de ciência prévia do empregado quanto à possibilidade de se realizar tal atividade, sempre explicitando ao titular o legítimo e o específico propósito de tal monitoramento. É absolutamente recomendável que essa ciência prévia se dê por escrito, até mesmo em razão de que a LGPD é uma legislação que exige bastante formalidade do agente de tratamento de dados.

No que cabível na execução do contrato de trabalho, o empregador deve observar todos os direitos do titular dos dados obtidos com o monitoramento das ferramentas virtuais de trabalho que estão previstos nos artigos 17 a 21 da LGPD. Destacam-se aqui os direitos previstos no artigo 17, mormente a confirmação da existência do tratamento (inciso I), o acesso aos dados (inciso II) e a correção dos dados incompletos, inexatos ou desatualizados (inciso III). Quanto aos dados pessoais sensíveis obtidos em razão do monitoramento das redes sociais e dos e-mails pertencentes ao empregador e cedidos ao empregado, devem ser observadas todas as prescrições cabíveis à hipótese previstas nos artigos 11 a 13 da LGPD. 

O monitoramento das redes sociais e dos e-mails e o correspondente tratamento de dados realizado em desacordo com as prescrições legais, mormente as já ressaltadas neste trabalho, poderão ensejar a responsabilidade objetiva do empregador por eventuais danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados ao empregado, tudo nos termos dos artigos 42 e 43 da LGPD. O juízo competente para a discussão da questão é o trabalhista, nos termos do artigo 114, I, da CF/88, por se tratar de uma controvérsia oriunda da relação de trabalho.

No plano processual, entende-se que é plenamente aplicável, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho (artigos 769 da CLT e 15 do CPC) a inversão do ônus da prova prevista no artigo 42, § 2º, da LGPD (BRASIL, 2018) no sentido de que

O juiz, no processo civil, poderá inverter o ônus da prova a favor do titular dos dados quando, a seu juízo, for verossímil a alegação, houver hipossuficiência para fins de produção de prova ou quando a produção de prova pelo titular resultar-lhe excessivamente onerosa.

Ora, existindo plausibilidade nas alegações do reclamante e diante de eventual hipossuficiência probatória ou, se não for o caso, se a prova dos fatos constitutivos for excessivamente onerosa ao reclamante, o Juiz do Trabalho poderá inverter o ônus da prova, atribuindo ao empregador reclamado o ônus de comprovar que o monitoramento dos e-mails e das redes sociais e o tratamento de dados ocorreu nos termos da lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, constituindo-se em exercício regular de um direito. Ora, assim é, visto que diante da subordinação jurídica que permeia a relação laboral, é o empregador que possui as técnicas para se realizar o monitoramento e o tratamento dos dados, a ele pertencem as redes sociais e os e-mails corporativos e o empregado, quando desligado, perde o acesso a tais ferramentas virtualizadas de trabalho. É evidente que o empregador possui maior aptidão para a prova em discussões judiciais que versem sobre a licitude do monitoramento das redes sociais e e-mails e do consequente tratamento de dados, isso diante do que dispõe a lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

3 - CONCLUSÃO

Tratando-se de uma legislação detalhada, moderna e protetiva da privacidade e da intimidade da pessoa natural no que diz respeito ao tratamento de dados de pessoais, a LGPD é um marco importantíssimo para se consolidar, de uma vez por todas, o respeito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. A referida lei, juntamente com outros diplomas normativos, como a lei Carolina Dieckmann (lei 12.737/12) e o Marco Civil da Internet (lei 12.965/14), deixa claro que o mundo virtual, a internet, não é uma terra sem lei. Deve haver responsabilidade na lida com os dados pessoais realizada pelos agentes de tratamento, sejam eles quais forem. Nesse aspecto, verifica-se que a LGPD é plenamente aplicável nas relações empregatícias.

Especificamente com relação à possibilidade de monitoramento pelo empregador das redes sociais e dos e-mails do empregado, deve-se fazer um recorte fundamental à luz da LGPD.

Em se tratando dos e-mails e das redes sociais particulares do empregado, seguindo a jurisprudência trabalhista majoritária, o monitoramento e o tratamento de dados obtidos em tal atividade é terminantemente proibido ao empregador. Em tal situação, os direitos à privacidade e à intimidade do empregado devem prevalecer, pois garantidos tanto pela Constituição Federal (artigo 5º, X), como pela própria lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (artigo 2º, I e IV).

No entanto, por serem equiparados às ferramentas de trabalho, as redes sociais e os e-mails corporativos fornecidos ao empregado pelo seu empregador podem ser monitorados por este último, bem como poderá haver o tratamento dos dados obtidos em tal monitoramento. Nesse aspecto, prevalecem os direitos do empregador quanto à proteção à propriedade, à livre iniciativa, à livre concorrência e à imagem do seu empreendimento (artigos 5º, XXII e 170 da CF/88 e artigo 2º, VI, da LGPD).

Em razão da subordinação jurídica do empregado e do poder diretivo do empregador, o monitoramento das ferramentas virtuais fornecidas pela corporação ao empregado, e o correspondente tratamento de dados, independe do consentimento escrito previsto nos artigos 7º, I, e 8º da LGPD, muito embora exija-se a ciência prévia do empregado acerca da realização do monitoramento. O principal dispositivo da LGPD que fundamenta tal monitoramento é o artigo 7º, IX, visto que é do interesse legítimo do empregador que o seu empregado não utilize redes sociais e e-mails corporativos para causar danos a terceiros, cometer crimes, praticar concorrência desleal à empresa, vender segredos empresariais e praticar as justas causas previstas, por exemplo, no artigo 482 da Consolidação das leis do Trabalho. Ainda fundamentam o monitoramento das ferramentas virtuais corporativas cedidas ao empregado os incisos II e IV do artigo 7º da LGPD, ou seja, para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador e, eventualmente, para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral. No que diz respeito aos dados pessoais sensíveis, o monitoramento das redes sociais e e-mails corporativos e o acesso aos referidos dados estão autorizados no artigo 11, II, alíneas "a" e "d" da LGPD, ou seja, para o cumprimento de obrigação legal e para o exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral.

De toda sorte, por disposição do artigo 6º da LGPD, o empregador não está autorizado a fazer uso dos dados pessoais, principalmente os sensíveis, obtidos em razão do monitoramento das redes sociais e dos e-mails corporativos para praticar condutas ilícitas, tais quais: discriminação negativa, ganho financeiro com venda e compartilhamento de dados pessoais de seus empregados, compartilhamento de dados, mesmo que forma gratuita, com pessoas e entidades estranhas à relação de emprego sem a aquiescência formal e expressa do empregado, manipulação e alteração indevida de dados para fins ilícitos e prática de fraudes e ilícitos penais das mais variadas espécies.

É importante ressaltar que o monitoramento das redes sociais e dos e-mails corporativos e o tratamento de dados realizados em desacordo com as disposições da LGPD poderão ensejar a responsabilidade objetiva do empregador por eventuais danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados ao empregado (artigos 42 e 43 da LGPD. Nos termos do artigo 114, I, da CF/88, será a Justiça do Trabalho o ramo do Judiciário competente para tratar da controvérsia, por se tratar de uma demanda oriunda da relação de trabalho. Na instrução da causa, poderá o Juiz do Trabalho se valer, subsidiária e supletivamente, do instituto da inversão do ônus da prova previsto no artigo 42, § 2º, da LGPD em caso de verossimilhança das alegações autorais e de eventual hipossuficiência probatória do reclamante ou, se não for o caso, se a prova dos fatos constitutivos for excessivamente onerosa ao titular dos dados, no caso, o empregado.

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BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 11. ed., atual. por Jessé Claudio Franco de Alencar. São Paulo: Ltr, 2017.

BRASIL. Código Civil (2002). Disponível aqui. Acesso em: 11 nov. 2021.

BRASIL. Consolidação das leis do Trabalho (1943). Disponível aqui. Acesso em: 11 abr. 2021.

BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível aqui. Acesso em: 11 abr. 2021.

BRASIL. lei 13.709/18. lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível aqui. Acesso em: 11 abr. 2021.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR: 613002320005100013 61300-23.2000.5.10.0013, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 18/05/2005, 1ª Turma,, Data de Publicação: DJ 10/06/05. Disponível aqui. Acesso em: 11 abr. 2020.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 14ª ed. São Paulo: Ltr, 2015.

Marcelo Palma de Brito

Marcelo Palma de Brito

Juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Professor Universitário. Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Paulista - UNIP.

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