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A impossibilidade jurídica da "relativização" da regra que estipula honorários em processos em face da fazenda

A relativização da regra processual de fixação de honorários advocatícios nos processos em que a Fazenda Pública é sucumbente ameaça a clara opção legislativa pela fixação de critérios objetivos.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Atualizado às 16:30

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Na pauta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está em andamento o Recurso Especial (RESP 1.644.077-PR), cujo objeto recursal se refere à "relativização" da regra do art. 85 do Código de Processo Civil (CPC) que regulamenta os honorários advocatícios, em específico, nas causas em que a fazenda pública é sucumbente.

A Comissão de Direito Tributário da OAB/MG, como instituição, tem se dedicado ao tema referente em eventos e, até mesmo, em discussões judiciais.

Em petição assinada em conjunto com Prof. André Mendes Moreira e pelos membros da Comissão, Drs. Gustavo Falcão e Marco Túlio Ibraim, requereu-se o ingresso da OAB/MG no processo RESP 1.644.077-PR, na condição de amicus curiae ou, alternativamente, assistente simples.

Infelizmente, o pedido foi rejeitado pelo Relator, Ministro Herman Benjamin. Decisão irrecorrível, a OAB/MG deixou consignado, nos autos, os seus fundamentos jurídicos, disponibilizou e, quando possível, despachou, memoriais.

Em síntese, reproduzem-se os fundamentos jurídicos desenvolvidos pela OAB/MG, por meio da Comissão de Direito Tributário.

Por justiça, nos próximos parágrafos, pode-se dizer que os respeitados profissionais são coautores das ideias envolvidas. Como este artigo navega por outros pontos, é de autoria individual.  estou assinando sozinho. No entanto, ressalta-se, os parágrafos seguintes foram pensados e laborados a oito mãos.

Pois bem.

O CPC/15 claramente inovou ao alterar as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários advocatícios de sucumbência por equidade, uma vez que, enquanto no Código de Processo Civil de 1973 a atribuição equitativa era possível (1) nas causas de pequeno valor, (2) de valor inestimável, (3) em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública, e (4) nas execuções, embargadas ou não, no CPC/15, as hipóteses foram restritas às causas (1) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (2) o valor da causa for muito baixo (art. 85, §8°).

A Exposição de Motivos do CPC/15 deixa clara a preocupação em corrigir falhas e distorções geradas pelo antigo regramento jurídico. Não se pode olvidar que o intuito do legislador, ao promover as alterações trazidas, foi atribuir maior eficiência à sistemática processual, dirimindo, ao máximo, as problemáticas desencadeadas pelo antigo regramento e mantendo aqueles institutos cujos resultados foram positivos.

Relembrou-se, ainda, que, como elemento indispensável à administração da justiça, conforme art. 133 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), a atividade advocatícia - seja ela pública seja privada - demanda do causídico inúmeras qualificações, todas relacionadas a um único objetivo: defender integralmente - e da melhor forma possível - os interesses do mandatário. Daí nasce a necessidade de regulamentação da profissão como um todo, inclusive os honorários advocatícios.

O novo regramento instituído pelo artigo 85 do CPC/15 fixou critérios objetivos ao determinar faixas de percentuais para o cálculo de honorários com base no valor da causa ou no proveito econômico, sendo aplicáveis às hipóteses em que a Fazenda Pública é parte, atentando-se ao princípio da isonomia e à situação de insegurança jurídica que anteriormente abarcava os operadores do direito.

Nessa linha, considerando-se o objetivo precípuo da criação CPC, expressamente aduzido no rol de Exposição de Motivos que perpassa pela solução de problemas e conflitos jurídicos decorrentes do antigo regramento, o artigo 85 do Código vigente prevê expressamente a manutenção do percentual mínimo e máximo contido no CPC/73, mas determina faixas objetivas e sucessivas para o cálculo da verba honorária.

Do referido artigo 85 do CPC, extrai-se, de imediato, as seguintes regras: (1) nas causas em que a Fazenda Pública for parte, os honorários serão necessariamente fixados entre os percentuais mínimos e máximos previstos no §3º do art. 85 do CPC; (2) os referidos percentuais devem ser aplicados sobre o valor da condenação ou do proveito econômico; (3) para se decidir entre os percentuais mínimos e máximos, o juiz deve levar em conta "os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º".

Às regras extraíveis desse dispositivo, somam-se outras, sobretudo as previstas nos §§ 4º e 5º do art. 85 do CPC.

Observa-se que os dispositivos citados trouxeram a regra geral de fixação dos honorários advocatícios, elencada por faixas progressivas estabelecidas com base em critérios estritamente objetivos. Critérios esses que são aplicados "(...)independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito" (§6º, art. 85).

A abertura reservada pela lei ao aplicador do direito, portanto, é justamente para definir a verba honorária entre o mínimo legal ("piso mínimo calculado") e o máximo legal ("teto máximo calculado"), não autorizando, todavia, a fixação da verba honorária fora desses percentuais, salvo expressas exceções, taxativamente previstas.

No §8º do art. 85, por sua vez, o legislador, em contrapartida, elencou as hipóteses de apreciação equitativa: "Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º".

Eis, portanto, as únicas exceções permitidas pela lei à fixação dos honorários tendo por base o proveito econômico, a saber: (1) quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico; ou (2) quando o valor da causa for muito baixo.

E a explicação a essa exceção é lógica. Afinal, há hipóteses nas quais o direito controvertido é inestimável, como, por exemplo, ações de reconhecimento de paternidade, de dano moral etc., mas continuam a ser importantíssimos do ponto de vista jurídico-social.

Não se pode olvidar, ainda, que a referida norma traz verdadeiro desestímulo à litigiosidade: (1) tanto em relação a recursos que buscam a revisão da verba honorária fixada pelas instâncias inferiores; quanto (2) ao desestímulo ao ajuizamento de ações cujo desfecho desfavorável seja provável, ante manifestação judicial pretérita - leia-se: fortalecimento dos precedentes.

Veja que, consoante relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), denominado "Justiça em Números", referente ao ano de 2018, publicado em 2019, aponta que "os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 39% do total de casos pendentes e 73% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 90%"1.

Ou seja, atualmente, as execuções fiscais são o principal gargalo no Judiciário pátrio. Não por outra razão, o CPC/15, usando estratégia processual, estabelece percentuais mais claros para as condenações nas causas em que o Ente Público for parte, visando impulsionar o controle de legalidade prévio à execução, a ser realizado administrativamente.

Como dito, os argumentos acima elencados são resumo da peça de ingresso como amicus curiae no RESP 1.644.077-PR, cuja autoria é compartilhada com os Drs. André Mendes Moreira, Gustavo Falcão e Marco Túlio Ibraim.

A seguir, mencionam-se novas ponderações, compatíveis e complementares.

Quando o advogado assume uma causa e depara com o valor causa alto, não se pode olvidar que esse critério é suficientemente forte para rotular a demanda como estratégica, independentemente do ônus argumentativo que, posteriormente, for lançado na manifestação defensiva. Desnecessário qualquer outro critério. Basta o valor da causa que será proporcional, em matéria tributária, à responsabilidade do advogado. Claro, outros critérios podem existir, caso a caso, o que fortalece, ainda mais, o entendimento de que a remuneração deve ser justa e proporcional.

A matéria em questão foi total e exaustivamente tratada pelo Legislativo. Os representantes do povo, de quem todo poder emana, devem debater e concluir. Foi o que aconteceu com o CPC/15, em que ficou nítida a superação da antiga normativa da matéria, regulada no art. 20, § 4º do CPC/73.

Ora, se fosse a intenção do legislador manter o critério de apreciação equitativa como regra geral, haveria perpetuação da redação prevista no Código anterior. Em leitura ao atual diploma processual percebe-se facilmente quais regras o legislador optou por manter no CPC/15, e quais resolveu alterar.

Ressalta-se, inclusive, que o § 3º do art. 85 do CPC foi objeto de deliberações específicas quando o Projeto de Lei 8.046 de 2010 ainda tramitava no Congresso Nacional. Foram apresentadas duas propostas de alteração, por meio da EMC 394/112 e da EMC 893/113, assinadas pelos Deputados Federais Júnior Coimbra e Jerônimo Georgen, respectivamente.

A primeira entendia que a classificação do valor da condenação ou proveito econômico a partir do salário-mínimo violaria o enunciado da Súmula Vinculante 4.

A segunda pugnava pela manutenção da possibilidade de que o juiz fixasse, a seu critério, os honorários advocatícios, mantendo a regra do CPC/73.

Em manifestações acadêmicas recentes, defendem-se que, para justificar a interpretação segundo a "vontade do legislador", o intérprete ou o aplicador deve, necessariamente, recorrer aos debates do processo legislativo que antecederam a elaboração da norma posteriormente positiva.

Assim, dada a redação atual do Código, fica evidente que, ao não acolher nenhuma das propostas, o legislador optou por, efetivamente, evoluir na matéria, cujo produto final está externado no texto normativo contido no art. 85 do CPC/15.

Inclusive, valor da causa é o critério adotado para fixação de honorários em favor das fazendas públicas estadual e municipal. Nessas esferas, havendo a distribuição da execução fiscal, o magistrado fixa, em regra, honorários de 10%, no caso de pagamento ou parcelamento imediato. Caso seja apresentada defesa, os honorários poderão ser majorados.

O mesmo critério é adotado para fixação dos encargos legais, que totaliza 20% sobre o crédito tributário atualizado, sendo certo que a maior parte desse montante é revertida aos procuradores.

Nas hipóteses acima elencadas, os valores são fixados independentemente do sucesso.

Apenas a título de registro, há entendimento jurídico que sustenta a revogação tácita dos encargos legais após o CPC/15, defendido, por exemplo, por Igor Mauler Santiago.

A propósito, esse entendimento serviu de sustentáculo para aprovação, no âmbito da Comissão de Direito Tributário da OAB Nacional, da judicialização do tema. Como membro, votei desfavoravelmente, sob o fundamento de não ser oportuno e conveniente a OAB demandar esse tipo de matéria, tendo em visa que a entidade é igualmente a "casa" dos advogados públicos. O expediente não tem desfecho ainda, tendo em vista que, em razão da matéria, foi acolhida a sugestão de ouvir outras Comissões, antes de levar ao Pleno.

Dando sequência, o advogado privado, por sua vez, após o CPC/15, poderá receber os honorários, desde que seu cliente tenha sucesso na demanda. No entanto, a depender do valor da causa, os honorários poderão ser fixados em apenas 1%. Para piorar, após anos de defesa de seu cliente até o trânsito em julgado, é necessário fazer o cumprimento de sentença. Na sequência, o advogado requererá a confecção de precatório e, pacientemente, aguardará para o recebimento dos honorários.

Comparando as situações narradas nos parágrafos anteriores, parece ser muito clara a desigualdade.

A rigor, o legislador teria agido melhor caso tivesse "espelhado" as situações e implementado a igualdade de tratamento. O percentual de 1% a 3% é muito baixo comparativamente com os honorários fixados em favor dos procuradores.

Elucida-se, até para evitar dúvidas, que não se defende a redução daquilo que foi conquistado ou é garantido aos procuradores públicos. Deve-se manter. Defende-se, todavia, que o tratamento igual deveria ser implementado.

Não obstante, o CPC/15 foi avanço. Em vez de ter a norma aberta do CPC/73, o legislador trouxe critérios objetivos e claros, que, como exposto, a depender do valor da causa. Poderia ser melhor, mas é possível reconhecer o avanço.

Nesse sentido, não se deve admitir a "relativização" da regra objetiva esculpida no art. 85 do CPC. Em respeito à separação dos poderes, a superabilidade de regra pelo Judiciário deve ocorrer, excepcionalmente, desde que importante ônus argumentativo seja apresentando e sempre tendo como objetivo alcançar a justiça.

Em termos de justiça, importante critério para tentar alcançá-la é a implementação da igualdade. Assim, diante do cenário aqui narrado, não se pode olvidar que a relativização da regra objetiva do art. 85 do CPC implementa claramente a injustiça. Afinal, os sujeitos comparados e com a mesma medida de comparação, honorários advocatícios possuem tratamento normativo diferenciado. Ademais, será ainda mais diferenciada e totalmente injustificada, isto é, injusta, a relativização da regra objetiva para aplicar honorários advocatícios menores do que aqueles previstos em lei.

Enfim, sem qualquer pretensão de exaurir o tema aqui colocado, trazem-se algumas reflexões e, especialmente, dá-se publicidade às tentativas da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG visando defender os interesses dos advogados e, principalmente, justiça e segurança jurídica.

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1 Disponível clicando aqui. Acesso: 17 ago. 20.

João Paulo Fanucchi de Almeida Melo

João Paulo Fanucchi de Almeida Melo

Professor Concursado da PUC Minas, onde leciona na Pós-Graduação e Graduação, Coordenador e Professor de Pós-Graduações em Direito Tributário. Doutorando pela UFMG. Mestre em Direito Público pela PUC Minas. Pós-graduado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos, membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/Nacional. Conselheiro Seccional da OAB/MG. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG. Diretor da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT). Conselheiro Emérito do Conselho Estadual de Assuntos Tributários da FEDERAMINAS. Professor convidado da FUNDEP participando de dezenas de concursos públicos. Advogado tributarista. Sócio fundador da Almeida Melo Sociedade de Advogados.

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