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Blue justice e a pesca sustentável no Brasil

Essa ação demonstra a clara sinalização internacional acerca da posição brasileira contra o que vem acontecendo cotidianamente nas águas do Atlântico Sul, onde, no ano passado, foi notícia o trânsito de uma frota ilegal de cerca de 300 barcos de pesca atravessando o Estreito de Magalhães que cruzou do Atlântico para o Pacífico.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Atualizado às 09:37

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O Brasil, por meio da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura e Pecuária (SAP/MAPA), assinou no dia 22 de abril a Declaração de Copenhagen, documento que o coloca como membro da Blue Justice, iniciativa do governo norueguês e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que tem por objetivo promover ações transnacionais contra o crime organizado na indústria pesqueira. O Brasil é o 34º país a integrar o grupo¹.

Essa ação demonstra a clara sinalização internacional acerca da posição brasileira contra o que vem acontecendo cotidianamente nas águas do Atlântico Sul particularmente nos limites jurisdicionais da Argentina e do Uruguai, onde, no ano passado, foi notícia o trânsito de uma frota ilegal de cerca de 300 barcos de pesca atravessando o Estreito de Magalhães que cruzou do Atlântico para o Pacífico². Normalmente as embarcações são de bandeira chinesa, mas não somente.

Em 2019 também foi noticiado acerca de um megaprojeto de construção de um terminal para atender navios pesqueiros chineses em Punta Yeguas, mas a ideia não foi adiante graças a forte reação contrária no Uruguai, que envolveu a sociedade civil e organizações ambientais³. Atualmente o Porto de Montevidéu é utilizado por muitas das embarcações pesqueiras que necessitam de apoio logístico e é considerado atualmente o segundo do mundo em transbordo de peixes suspeitos obtidos ilegalmente.

Atento a esses movimentos, o Estado brasileiro chegou a realizar ano passado uma Operação Conjunta envolvendo a Marinha do Brasil (NPa Bocaina) e a Marinha da França (Patrouiller La Résolue) em uma patrulha que confiscou cerca de 7 toneladas de peixes da pesca ilegal na região da foz do rio Oiapoque (Amapá) e das águas territoriais da Guiana Francesa4.

A pesca, além de contribuir decisivamente com a segurança alimentar no Planeta também um negócio multibilionário, conforme já afirmou o Secretário Nacional da Pesca, Jorge Seif Júnior e o que se observa é que a maioria dos Estados tratam do tema de forma estratégica defendendo fortemente seus interesses no campo da diplomacia internacional.

Em tempos que as discussões acerca da Biodiversidade Marinha além das Jurisdições Nacionais estão adormecidas na Organização das Nações Unidas, a adoção de medidas como essa reacendem o debate regional para quem sabe ainda vermos sair do papel a Organização Regional de Ordenamento Pesqueiro (OROP) tão sonhada entre os países lindeiros do Atlântico Sul, já que é uma das poucas regiões que ainda não tem uma organização própria.

O Brasil pertence à Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT) que assume esse papel, mas tem um caráter muito mais internacional do que regional, contando atualmente com 48 países membros. As negociações para a criação da OROP no Atlântico Sul são antigas e emperradas tendo em vista dificuldades diplomáticas de se colocar na mesa a Argentina e a Inglaterra para tratar desse assunto.

De todo modo, enquanto não se avança ainda mais em termos globais em sistemas de controle que permitam impedir ilegal e não declarada nos oceanos, ações no campo do soft law contribuem para o compromisso internacional de favorecer a atividade sob o ponto de vista da necessária sustentabilidade que permita que a atividade continue respondendo satisfatoriamente com a segurança alimentar no Planeta.

Ademais, a pesca predatória global fora recentemente denunciada no documentário veiculado na NETFLIX, chamado Seaspiracy, onde retrata o prejuízo da pesca não sustentável, onde somente se vislumbra lucros astronômicos e se abandona a Sustentabilidade, essa que preconiza um devido equilíbrio entre a atividade pesqueira e a proteção do meio ambiente marinho.

Com a entrada do Brasil na iniciativa Blue Justice, o nosso país passa a cooperar com uma política global de combate ao crime organizado pela indústria pesqueira, justamente aquela nos moldes do documentário acima citado.

Deve-se considerar a importância da pesca a nível nacional, bem como para o mundo, haja vista que contribui diretamente com cerca de US$ 1,5 trilhão para a economia, considerando-se que apenas o setor de alimentos gera em torno de 237 milhões de empregos, e ainda, a carne de peixe responde por aproximadamente 17% do consumo mundial de proteína animal5.

Importante equacionar a proteção do meio ambiente marinho, com a pesca sustentável, vez que isto encontra-se justamente alinhado ao que se chama-se desenvolvimento sustentável, ou seja, não excluindo-se a atividade pesqueira nos moldes do extremismo ambiental, mas justamente conciliando o desenvolvimento econômico com a proteção da biodiversidade marinha.

Em boa hora chegam essas iniciativas sustentáveis, principalmente após a liberação da pesca de arrasto na faixa de 12 milhas náuticas do litoral do Rio Grande do Sul, que cobre uma área total de 13,3 mil Km², em decisão assinada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Kassio Nunes Marques6.

O Secretário Nacional da Pesca ressaltou recentemente algumas ações de suma importância para o país no que se refere à pesca, sobretudo o processo de ratificação do Acordo da FAO sobre medidas nos Estados do Porto (PSMA); modernização e ampliação do sistema de rastreamento de embarcações, por meio da parceria com a Global Fisching Watch, isso que trará mais agilidade com transparência, sobretudo com a restruturação do sistema de cadastramento dos pescadores industriais e artesanais7.

Em suma, a iniciativa Blue Justice encontra-se em consonância sobretudo com o disposto na Agenda Global 2030, especificamente em relação ao Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14): "Vida na água" e ao Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 16 (ODS 16): "Paz, Justiça e Instituições Eficazes".

Nessa perspectiva, Bosselmann8 salienta que: "[...] a necessidade de conciliar desenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente está de forma adequada expressa no conceito de desenvolvimento sustentável''.

Sendo assim, a conscientização ecológica, tanto do Governo Federal, bem como da indústria pesqueira, em minimizar os impactos e construir uma pesca sustentável no Brasil, torna-se uma medida fundamental e referência no mundo, desde que mantida a preocupação com a Sustentabilidade, tanto nessa, bem como nas futuras gerações.

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1. PEDUZZI, Pedro. Brasil assina Declaração de Copenhague, de combate à pesca ilegal Noruega diz que a entrada do Brasil é "muito significativa". AGÊNCIA BRASIL. Disponível aqui. Acesso em: 03 mai. 2021.

2. MESQUITA. João Lara. Pesca Ilegal na América do Sul tornando-se rotina. ESTADÃO/MAR SEM FIM. Disponível aqui. Acesso em 02 mai. 2021.

3. KOOP, Fermín. Projeto de Porto Chinês é suspenso no Uruguai. DIÁLOGO CHINO. Disponível aqui. Acesso em 02 mai. 2021

4. REDAÇÃO. Pesca ilegal tornando-se rotina. Mar sem fim. SOPESP. Disponível aqui. Acesso em 02 mai. 2021

5. REDAÇÃO. Brasil adere à Blue Justice, iniciativa internacional de combate a crimes organizados na indústria pesqueira. MAPA. Disponível aqui. Acesso em: 03 mai. 2021.

6. ESTEVES, Bernardo. A canetada predatória de nunes marques. FOLHA DE SÃO PAULO. Disponível aqui. Acesso em: 03 mai. 2021.

7. REDAÇÃO. Brasil adere à Blue Justice, iniciativa internacional de combate a crimes organizados na indústria pesqueira. MAPA. Disponível aqui. Acesso em: 03 mai. 2021.

8BOSSELMANN, Klaus. Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos tribunais, 2015. p. 96

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BOSSELMANN, Klaus. Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos tribunais, 2015.

ESTEVES, Bernardo. A canetada predatória de nunes marques. FOLHA DE SÃO PAULO. Disponível aqui.

KOOP, Fermín. Projeto de Porto Chinês é suspenso no Uruguai. DIÁLOGO CHINO. Disponível aqui.

MESQUITA. João Lara. Pesca Ilegal na América do Sul tornando-se rotina. ESTADÃO/MAR SEM FIM. Disponível aqui.

PEDUZZI, Pedro. Brasil assina Declaração de Copenhague, de combate à pesca ilegal Noruega diz que a entrada do Brasil é "muito significativa". AGÊNCIA BRASIL. Disponível aqui.

REDAÇÃO. Brasil adere à Blue Justice, iniciativa internacional de combate a crimes organizados na indústria pesqueira. MAPA. Disponível aqui.

REDAÇÃO. Pesca ilegal tornando-se rotina. Mar sem fim. SOPESP. Disponível aqui.

Rogério Gonçalves

Rogério Gonçalves

Capitão de Mar e Guerra (RM1) da Marinha do Brasil. Pesquisador e Acadêmico de Graduação do último período da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Membro do Centro de Estudos em Direito do Mar "Vicente Marrota Rangel" da USP. No momento realiza Pós-graduação em Direito Marítimo/Portuário na Maritime Law Academy em Santos/SP e no MBA em Agronegócio da ESALQ/USP em Piracicaba/SP.

Maykon Fagundes Machado

VIP Maykon Fagundes Machado

Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI - SC. Bolsista FAPESC-UNIVALI. Pós-Graduando em Jurisdição Federal pela Escola da Magistratura Federal do Estado de Santa Catarina - ESMAFESC. Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, com o título Mérito Estudantil. Advogado. E-mail: [email protected].

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