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Os reflexos da pandemia nos procedimentos da Justiça do Trabalho

Mesmo após um ano do início da pandemia e prática de atos processuais por meio eletrônico, a ausência de uniformização dos procedimentos nos Tribunais Regionais do Trabalho ainda provocam insegurança jurídica às partes e advogados.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Atualizado às 12:41

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A pandemia do coronavírus nos impôs, com certeza, à vivência do maior desafio de nossas vidas. Os impactos trazidos por ela atingiram, diretamente, as relações de trabalho no País e a própria Justiça do Trabalho, que precisou se adequar ao momento atual para garantir a continuidade da prestação jurisdicional e, ao mesmo tempo, preservar pela saúde e segurança dos magistrados, serventuários e colaboradores das unidades judiciárias e jurisdicionados.

Sem dúvidas, a realização de audiências e sessões telepresenciais foi uma das principais medidas adotadas pelos Tribunais Regionais do Trabalho como forma de contenção da propagação do coronavírus e, ao que tudo indica, continuarão a acontecer mesmo após o término da pandemia no chamado "novo normal".

E mesmo após mais de um ano do início pandemia da covid-19, da regulamentação da realização das audiências e sessões telepresenciais pelo CNJ, através da resolução 3541 do CNJ, editada em 19/11/20, e cabendo aos Tribunais Regionais do Trabalho regulamentar os procedimentos de retomada das audiências (ato conjunto 6 do CSJT), ainda persiste grande resistência quanto à realização virtual de audiências unas e de instrução e julgamento, quer seja pela insegurança jurídica quanto à produção de provas, que seja pela inexistência de uniformização de procedimento.

Sabemos que no Processo do Trabalho, a contestação deve ser apresentada pela parte reclamada até o início da realização da audiência inicial, via PJe ou, oralmente em 20 minutos, à ocasião da referida audiência, conforme disposto no artigo 847 da CLT. Entretanto, em razão da impossibilidade de realização de audiências presenciais por força da pandemia da covid-19, alguns Tribunais Regionais do Trabalho tem adotado procedimentos distintos com o intuito de garantir a continuidade da prestação jurisdicional e conferir às partes a razoabilidade na duração do processo, garantia constitucional prevista no artigo 5º, LXXVIII, da CF.

O TRT da 18ª Região (Goiás), por exemplo, têm notificado as partes para audiência de tentativa de conciliação sem impor às mesmas as penalidades previstas no artigo 844 da CLT pelo não comparecimento. E não sendo possível o acordo entre ambas, a parte reclamada fica, naquele ato, notificada para apresentação de contestação e documentos em 15 (quinze) dias, bem como a parte reclamante para dela se manifestar em igual prazo. Tão somente após este procedimento é que as partes informarão nos autos se pretendem produzir prova oral em audiência, bem como se possuem condições técnicas para a sua realização por meio telepresencial.

Neste particular, é bom esclarecer que após a resolução 354 do CNJ de 19/11/20, alguns Juízes têm exigido que a parte que se opuser à realização de audiência telepresencial comprove a impossibilidade de realizá-la, sob pena de indeferimento e prosseguimento do feito, conforme artigo V, parágrafo único, da mencionada resolução.

Destacamos que a resolução 3142 do CNJ, de 20/4/20, já previa, em seu artigo 3º, § 2º, que eventual impossibilidade de realização de determinado ato processual por meio eletrônico ou virtual, deveria ser devidamente justificada nos autos e, consequentemente, adiada a sua realização "após decisão fundamentada do magistrado". 

Contudo, como a resolução 314 foi editada pelo CNJ há um ano e logo no início da pandemia, é indiscutível que a exigência prevista no artigo 3º, § 2º da Resolução, acerca da justificativa da impossibilidade de realização de audiências telepresenciais foi flexibilizada pelo Juízes, uma vez que a realização de audiências virtuais era, de fato, algo inédito àquela ocasião na Justiça do Trabalho, e alguns advogados realmente não possuíam estrutura pronta para a prática segura de tais procedimentos, assim como as partes e testemunhas poderiam não ter intimidade com o manuseio de sites e aplicativos.

Atualmente a realidade é outra, e possivelmente as partes e seus advogados já se adaptaram às audiências e sessões telepresenciais, o que certamente motivou alguns Juízes a serem menos inflexíveis quanto à efetiva comprovação de impossibilidade da realização de audiência telepresencial, não acatando a mera oposição como justificativa para que a audiência não ocorra por meio eletrônico.

De toda sorte, o fato é que se a parte informar nos autos que não possui condições técnicas para a realização de audiência de instrução e julgamento de forma telepresencial e resistir à sua realização nesta modalidade sem qualquer prova efetiva, poderá o Juiz no caso concreto, acatar ou não tal requerimento. E ainda que as partes e advogados tenham compreendido que as audiências telepresenciais façam parte do cenário atual da Justiça do trabalho, e tenham tido tempo hábil para se adaptarem a esta realidade, ainda persiste resistência de advogados quanto à realização das audiências de instrução e julgamento por meio virtual em razão da confiabilidade e segurança jurídica na produção das provas orais.

As audiências de instrução e julgamento na Justiça do Trabalho por vezes são complexas, envolvendo muitos capítulos e, consequentemente, um tanto demoradas, de forma que a ausência de condições técnicas para a sua realização por uma das partes (assim como de suas testemunhas) pode, de fato, ofender os princípios constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa.

E se a audiência de instrução e julgamento telepresencial restar mantida mesmo após a oposição à sua realização virtualmente, poderá a parte que se opôs à sua realização nesta modalidade, impetrar Mandado de Segurança com o intuito de cancelar a audiência telepresencial designada por literal ofensa aos princípios do Contraditório e Ampla Defesa (artigo 5º, LV, CF), bem como do Acesso à Justiça (artigo 5º, XXXV, CF).

Outros Tribunais do Trabalho, como o da 6ª Região (Pernambuco), têm adotado o rito processual previsto no artigo 335 do CPC, notificando a parte reclamada para apresentação de defesa e documentos via PJe em 15 (quinze) dias. No que se refere ao início da contagem do prazo para contestação, alguns Juízes têm determinado, na notificação, que o termo inicial para defesa é a data do recebimento da notificação, contudo, tal determinação contraria o inciso III do artigo 335 do CPC, que disciplina que nas hipóteses em que a notificação da parte se der por correspondência enviada pelos correios, o dia do começo do prazo será a "data de juntada aos autos do aviso de recebimento" (artigo 231, I, CPC).

Em outras palavras, a determinação contida na notificação de que o prazo para apresentação de defesa pela parte reclamada contará do recebimento da notificação não possui qualquer amparo legal, e afronta diretamente o princípio da legalidade, disposto no artigo 5º, II, da CF, que dispõe que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Também no TRT 6ª Região, alguns Juízes designam audiência una, a realizar-se de forma telepresencial, e o não comparecimento de uma das partes, independentemente oposição à sua realização por videoconferência, implica apenas na suspensão do feito até que se aguarde o retorno das atividades presenciais naquele Tribunal ou, for o caso, conclusão para prolação de Sentença, nos casos aptos para tanto.

Já no TRT 5ª Região (Bahia), alguns Juízes têm adotado a audiência telepresencial para saneamento do feito. A referida audiência que, nos termos do CPC, tem por intuito fixar pontos controvertidos, na Justiça do Trabalho apareceu com uma finalidade bem mais ampla - a de alertar as partes acerca da demora no retorno das atividades presenciais naquele Tribunal, bem como demonstrar as vantagens da realização da audiência por videoconferência ou, for o caso, utilização de provas emprestadas.

Ainda que o CNJ tenha regulamentado as audiências e sessões telepresenciais, é certo que os Tribunais Regionais do Trabalho têm adotado procedimentos diversos. E mais, ainda que as audiências telepresenciais tenham sido um avanço para a Justiça do Trabalho e, ao que parece, permanecerão no mundo jurídico pós-covid, e que as partes e advogados tenham tido um ano para se adaptarem ao "novo normal", a verdade é que o princípio da duração razoável do processo não pode se sobrepor aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como ao princípio do livre acesso à justiça, de forma que ao menor indício de ofensa a estes princípios, a prática audiência telepresencial deve ser ponderada, para que não traga qualquer prejuízo às partes.

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Láiza Ribeiro Gonçalves

Láiza Ribeiro Gonçalves

Advogada Trabalhista. Sócia do Escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia. Coordenadora Trabalhista da Unidade Goiânia/GO.

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