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O financiamento de projetos de investimentos de desenvolvimento sustentável (green bonds) no Brasil

A necessária ampliação dos benefícios fiscais às empresas emitentes de debêntures incentivadas.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Atualizado às 12:36

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No ano de 2020, enquanto monitor da disciplina Estruturação de Operações Financeiras, ministrada pelo Prof. Dr. Mario Engler Pinto Junior¹ na graduação do Curso de Direito da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV Direito SP, o tema financiamentos de projetos (project finance) foi objeto de estudo em sala de aula, inclusive envolvendo casos práticos.

Esse assunto é matéria de grande envergadura no ambiente corporativo e, naturalmente, encontra reflexos na seara tributária. O presente texto pretende - de forma muito direta - trabalhar dois Projetos de lei que buscam conceder ainda mais atrativos fiscais para viabilização dos financiamentos de projetos por meio de debêntures - sobretudo àquelas denominadas de debêntures de infraestrutura ou debêntures incentivadas.

De início, é importante compreender que project finance é uma espécie de estruturação de operações financeiras que, na maioria das vezes, contemplam os projetos de grande porte, como construção e operação de infraestrutura pública em regime de concessão, sobretudo nos setores rodoviário, aeroportuário, ferroviário e metroviário.

Essas operações implicam em contratos de longo prazo, cujo atrativo remuneratório (retorno) está no fluxo de caixa projetado, isto é, sobrevém no futuro. Em contrapartida, o investimento assumido (ou a ser assumido) pelo concessionário e/ou acionistas, com a realização de obras e aquisição de equipamentos, é de elevada cifra e, ordinariamente, está concentrado na fase pré-operacional.

Ou seja, o desembolso ocorre em um momento em que o projeto ainda não possui aptidão de gerar receitas, dependendo da capacidade econômica dos acionistas e/ou do próprio concessionário, até que se torne um projeto operacional, ativo e - como é esperado em toda atividade empresarial - lucrativo.

O financiamento por reserva própria (disponibilidade de recursos dos acionistas e/ou do próprio concessionário), por mais intuitivo que seja, não é o único caminho permitido pela legislação brasileira. É possível a obtenção de empréstimos e financiamentos bancários (especialmente por meio do BNDES) ou ainda a emissão de debêntures, destinadas a distribuição pública ou restrita no mercado de capitais.

Em 2011, diante da necessidade de fomentar a captação de recursos via debêntures, sobretudo as chamadas debêntures de infraestrutura ou debêntures incentivadas, o Poder Legislativo estabeleceu um tratamento tributário favorecido. Conforme previsto na lei 12.431/11, alterada posteriormente pela lei 12.844/13, o debenturista poderia ser contemplado pela dispensa do pagamento do Imposto de Renda (se pessoa física ou estrangeiro) ou pela redução da respectiva carga tributária (se pessoa jurídica nacional).

No ano de 2020, como instrumental de combate aos efeitos da retração econômica ocasionada pela pandemia decorrente do covid-19, encontra-se no âmbito do Poder Legislativo duas proposituras legislativas que pretendem tornar a captação de recursos via debêntures incentivadas ainda mais atrativa, fomentando investimentos em infraestrutura.

A premissa estabelecida é aliviar a carga tributário "na outra ponta", isto é, não para o debenturista, mas favorecer a tributação das entidades emissoras de debêntures de infraestrutura, atraindo, assim, os investidores pessoas jurídicas, especialmente os investidores institucionais, em razão do pagamento de juros mais atrativos.

Essa pretensão é potencializada quando se coloca em destaque os incentivos tributários atribuídos às debêntures de infraestrutura para financiamento de projetos de investimentos sustentáveis, chamados green bonds ou títulos verdes, entendidos como aqueles que apresentam benefícios ao meio ambiente ou contribuam para amenizar os efeitos da mudança do clima.

No Senado Federal, foi apresentado o Projeto de lei 392, de 2020, de autoria do Senador Jaques Wagner (PT/BA)². Em sua redação original, nota-se a intenção de estender os benefícios concedidos às debêntures de infraestrutura e pesquisa, desenvolvimento e inovação, às debêntures incentivadas objeto de distribuição pública para financiamento de projetos de investimentos sustentáveis.

Na leitura do parlamentar autor da propositura, "o referido projeto não terá impacto fiscal negativo nenhum, uma vez que está se propondo a criação de um mercado para green bonds atualmente inexistente no país. Espera-se, ao contrário, que haja efeito positivo para arrecadação fiscal quando da execução dos projetos financiados por meio desses green bonds".³

Em linha à essa projeção de incremento ao mercado green bonds, na Câmara dos Deputados, poucos meses depois, foi protocolado o Projeto de lei 646, de 2020, de autoria dos Deputados João Maia (PL/RN), Hugo Leal (PSD/RJ), Rubens Bueno (CIDADANIA/PR) e outros.

De forma muito objetiva, essa proposição legislativa, prevê em seu artigo 6º que as pessoas jurídicas emissoras das debêntures de infraestrutura poderão, cumulativamente: (i) deduzir, para efeito de apuração do lucro líquido, o valor correspondente aos juros pagos ou incorridos, nos termos admitidos pela legislação do IRPJ e da CSLL; e (ii) excluir do lucro, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, valor equivalente a 30% da soma dos juros pagos no exercício, podendo esse percentual ser majorado para 50% caso as debêntures sejam destinadas ao financiamento projetos de desenvolvimento sustentável4.

Essas movimentações no ambiente legislativo devem ser interpretadas como medidas pertinentes e favoráveis ao mercado de capitais, buscando contribuir para o novo ambiente de equilíbrio entre sustentabilidade e retorno financeiro. Afinal, o mercado brasileiro de green bonds pode se tornar uma relevante tendência, semelhante ao ambiente estrangeiro, considerando os anseios da sociedade moderna em valorizar empreendimentos sustentáveis e alinhados às práticas ambientais, sociais e de governança corporativa (padrão ESG, isto é, environmental, social and governance)

Porém, as mencionadas proposições legislativas, sob o aspecto tributário, comportam espaços para fortificação do mercado de capitais de títulos verdes, sem que seja necessária a adoção de institutos pitorescos.

Primeiro, a "trava" (limitação) da exclusão dos juros pagos do lucro real e da base de cálculo da CSLL aos percentuais de 30% ou 50%, tal como expressamente proposta no Projeto de lei 2.646, de 2020, deve ser incorporada ao Projeto de lei 392, de 2020. É necessário equalizar esse incentivo fiscal em ambas as proposições legislativas, isto é, em ambas as casas legislativas. Com isso, a princípio, estar-se-á neutralizado o risco de se arquivar o Projeto de lei 2.646, de 2020 e prosseguir apenas com o outro, onde não consta esse tratamento tributário.

Superado esse ponto, o ajuste redacional mais importante a ser implementado é uniformizar a previsão contida nas proposições legislativas com outros incentivos fiscais de igual formatação.

É necessária a majoração do aproveitamento da despesa incorrida com os juros pagos ou incorridos na operação que envolve debêntures de infraestrutura, o que se traduz na possibilidade de exclusão na apuração do IRPJ e CSLL do valor equivalente aos juros pagos ou incorridos, ao invés de 30%, tal como previsto na redação original do artigo 6º do Projeto de lei 2.646, de 2020.

Até porque, na essência, a intenção das propostas legislativas é privilegiar os projetos de investimento em infraestrutura relacionados ao desenvolvimento sustentável (green bonds). É fundamental, portanto, que a legislação estabeleça um incentivo tributário adicional que efetivamente resulte no fomento da utilização das debêntures de infraestrutura, no crescimento do mercado de capitais e, consequentemente, no desenvolvimento nacional, que é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (cf. art. 3º, inciso II, da Constituição de 1988).

Nesse sentido, propõe-se que que as entidades emitentes de debêntures de infraestrutura destinadas ao financiamento projetos de desenvolvimento sustentável tenham o direito de (i) deduzir, para efeito de apuração do lucro líquido, o valor correspondente aos juros pagos ou incorridos, nos termos admitidos pela legislação do IRPJ e da CSLL; e, cumulativamente, o de (ii) excluir do lucro, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, valor equivalente a 100% (cem por cento) da soma dos juros pagos no exercício.

Esse "duplo efeito" não é uma novidade na sistemática tributária brasileira, portanto não pode ser tido como incentivo tributário incomum. Existem outros casos em que a lei tributária expressamente autoriza o duplo efeito no IRPJ e na CSLL, isto é, a exclusão integral e dedução integral da despesa "incentivada".

Dois são os exemplos que merecem destaque. Primeiro, os artigos 17, inciso I, e 19, caput, §§ 1 e 3º, da lei 11.196/05, que versam sobre incentivo fiscal à inovação tecnológica, onde há expressa previsão legal de exclusão de até 100% da despesa (dedutível) gerada com os projetos de inovação tecnológica. Segundo o artigo 641 do Regulamento do Imposto de Renda de 2018, que prevê que a despesa com o Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT, além de dedutível como despesa operacional, pode ser excluída da apuração do lucro líquido para efeito de determinação da base de cálculo dos tributos. Ao assim proceder, admite-se que a exclusão seja equivalente a 100% da despesa deduzida, isto é, não há uma limitação.

Sendo assim, diante da pretensão de se fomentar a emissão de debêntures de infraestrutura e, sobretudo, privilegiar os projetos green bonds, é salutar que o racional proposto nas duas casas legislativas seja acompanhado de excepcional tratamento fiscal, sendo salutar alterações acima mencionadas no referidos Projetos de lei para garantir o aproveitamento amplo da despesa incorrida com os juros pagos ou incorridos na operação que envolve debêntures de infraestrutura, sob a ótica da dedutibilidade e da exclusão para fins de apuração do IRPJ e CSLL.

___________

1. Doutor em Direito Comercial pela USP. Professor e Coordenador do Mestrado Profissional da FGV Direito SP. Procurador do Estado de São Paulo (aposentado). Consultor jurídico. Membro da Câmara de Arbitragem do Mercado do BM&FBOVESPA.

2. Disponível aqui, acessado em 12/05/21.

3. Disponível aqui, pág. 04 da Justificação, acessado em 12/05/21.

4. O art. 6º, § 3º do referido Projeto de Lei elenca quais seriam os projetos relacionados ao desenvolvimento sustentável.

Phelipe Moreira Souza Frota

Phelipe Moreira Souza Frota

Mestre em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP). Professor Universitário (Graduação e Pós-graduação). Membro do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito SP. Membro do Corpo Permanente de Revisores da Revista Forense (GEN | Grupo Editorial Nacional). Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e de Portugal.

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