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A inserção dos precedentes judiciais no sistema processual penal com a sanção da lei 13.694/19 (pacote anticrime)

Com a sanção da lei 13.694/19, ocorreu uma alteração substancial no sistema penal brasileiro, resultando num acirrado debate na doutrina sobre os avanços e retrocessos implementados pelo legislador.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Atualizado às 13:01

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O legislador penal inseriu, com a lei 13.694/19, notadamente, através dos artigos 315, § 2º e 638, do CPP, a sistemática dos precedentes judiciais, desenvolvida pelo legislador do CPC de 2015, que acabou se espraiando para todo sistema jurídico, com toda problemática para seu efetivo desenvolvimento que a doutrina e a prática judiciária vêm mostrando, tornando-se muito mais complexa a sua aplicabilidade em matéria penal, conforme será tratado brevemente no presente artigo.

Vejamos os artigos:

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada. (Redação dada pela lei 13.964, de 2019)

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (Incluído pela lei 13.964, de 2019)

- Limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; (Incluído pela lei 13.964, de 2019)

II - Empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (Incluído pela lei 13.964, de 2019)

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (Incluído pela lei 13.964, de 2019)

IV - Não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; (Incluído pela lei 13.964, de 2019)

- Limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (Incluído pela lei 13.964, de 2019)

VI - Deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Incluído pela lei 13.964, de 2019)

Art. 638. O recurso extraordinário e o recurso especial serão processados e julgados no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça na forma estabelecida por leis especiais, pela lei processual civil e pelos respectivos regimentos internos. (Redação dada pela lei 13.964, de 2019)

Os incisos V e VI, do § 2º do art. 315 do CPP, juntamente com o art.638 do mesmo diploma processual, trouxeram, juntamente com os precedentes, toda sistemática recursal pertinente aos recursos especial e extraordinário, da lei 13.245/16, que impediu o desenvolvimento do sistema de precedentes após a alteração feita pelo legislador.

O Código de Processo Civil de 2015 buscou inaugurar um novo modelo de processo, na medida em que os direitos fundamentais processuais passaram a ocupar o centro do sistema processual, assim, juntamente com a necessidade de fundamentação das decisões judiciais (art. 489, § 1º e 2º), o espírito do código foi a tentativa de dar coerência, estabilidade e integridade ao sistema jurídico (art. 926 e 927), inserindo um sistema de precedentes judiciais (GARCIA MEDINA, José Miguel. Direito processual Civil Moderno. 2ª Edição, Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2016, p. 77)

O Código foi sancionado com falhas, mas, o legislador avançou, e, de certa forma, havia alcançado sua finalidade - pelo menos no plano teórico - ao estabelecer um sistema de precedentes que, com o tempo, traria estabilidade, coerência e integridade ao sistema jurídico, que foi tangenciado com sua alteração, antes mesmo de sua entrada em vigor, com a lei 13.256/16, alterando o juízo de admissibilidade para os recursos extremos, retornando aos tribunais de segundo grau, e, por trás dessa alteração, restou clara a intenção do legislador de impedir que o jurisdicionado realizasse a superação dos precedentes formados pelas Cortes Superiores.

Dessa forma, o legislador do CPC de 2015, construiu um sistema de precedentes judiciais, densificados pelos artigos 926, § 1º e § 2º, 927, incisos I, II, III, IV, V, e §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, 928, incisos, I e II, 489, § 1º, incisos V e VI, e 988, que foram fortemente tangenciados pela alteração da lei 13.256/16, impedindo o desenvolvimento dos precedentes, mas, mesmo assim foi inserido pelo legislador penal, no pacote anticrime.

O artigo 926 estabelece que os tribunais deverão manter suas jurisprudências estáveis, coerentes e íntegras, sendo necessário enfatizar, nesse primeiro momento, que a palavra correta não seria jurisprudência, mas sim, precedentes, devendo essa confusão conceitual ser esclarecida de início, já que a intenção do legislador é a busca da racionalidade e não a continuidade de um sistema jurisprudencial tendo força meramente persuasiva, como sempre ocorreu com o sistema do CPC de 1973. (ZANETI JR, Hermes. O Valor Vinculante dos Precedentes. Teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2ª Edição, Revista e atualizada, Editora JusPodium, Salvador- BA, 2016, 362-366)

O precedente judicial se encontra na fundamentação da decisão (ratio decidendi) e, portanto, é ela que possui vinculatividade, mas, para que tenha coerência e integridade, torna-se imprescindível que os mesmos princípios que foram utilizados nas decisões paradigmas (ou decisão paradigma) sejam utilizados nos casos presentes e futuros.

Para que seja alcançada a coerência, conforme propugnado pelo texto do código (art. 926), os precedentes só podem fazer parte da teoria da decisão, não podendo ser considerados uma mera preocupação para dar uniformidade ao sistema como já ocorria no sistema processual do CPC de 1973, com jurisprudências persuasivas que sempre fizeram parte da tradição do sistema do civil law.

O Novo CPC inaugurou um sistema de precedentes judiciais que busca trazer uma unidade nas decisões judiciais, transformando determinados casos concretos em precedentes normativos formalmente vinculantes, impondo tanto aos juízes quanto aos Tribunais, bem como às Cortes que os criaram, uma observância obrigatória, emitindo uma mensagem de segurança, estabilidade e coerência para a sociedade, rompendo com o paradigma da filosofia da consciência que vigora há décadas no sistema jurídico, que autorizava os juízes a decidirem da maneira que bem entendessem, sem que precisassem analisar todos os argumentos apresentados pelas partes, e, pior ainda, não precisavam seguir as jurisprudências das Cortes Superiores, gerando uma verdadeira loteria das decisões judiciais.

Confira o artigo na íntegra.

Gustavo Gottardi

Gustavo Gottardi

Mestre e Doutor (ITE - Bauru), Advogado, com experiência na área de Direito processual penal, civil e constitucional. Conselheiro Federal da OAB/MS (2016/2018), Membro da Comissão Nacional de Acesso à Justiça do Conselho Federal da OAB (2016/2018), Presidente da OAB/Subseção Três Lagoas-MS (gestão 2019/2021), Membro da Academia de Direito Processual de Mato Grosso do Sul (ADPMS), autor de livros e artigos jurídicos.

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