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Advocacia preventiva no mundo corporativo

Inobstante a procura tardia pelo profissional do Direito ainda ser uma prática comum no Brasil, é inegável que essa cultura vem mudando sensivelmente a cada ano.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Atualizado às 07:43

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Ao contrário do que muitos imaginam, o exercício da advocacia não se limita ao ajuizamento de ações, elaboração de extensas e quase incompreensíveis teses de defesas, ou a embates com advogados em salas de audiências com procedimentos e vestimentas formais. Não! A bem da verdade, no Direito moderno tais providências devem ser praticadas, via de regra, como sendo o último recurso do profissional do Direito, especialmente no que se refere ao mundo corporativo, de modo que o papel do advogado deve ser justamente o de evitar o litígio e não o de incentivá-lo, conforme inclusive prevê o inciso VI do § único do artigo 2º do Código de Ética da OAB, quando dispõe ser dever do advogado "estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios."

Neste sentido, temos que o cotidiano do ambiente empresarial proporciona ao advogado uma ebulição de possibilidades de ações jurídicas preventivas, as quais podem ser aplicadas em absolutamente todas as áreas de atuação da empresa e para todas as relações jurídicas daí advindas, visando precaver prejuízos de toda sorte e subsidiar as decisões estratégicas dos gestores por intermédio de pareceres jurídicos.

Aliás, a orientação jurídica preventiva deve ter início ainda antes do nascimento da empresa, no sentido de que todos os procedimentos burocráticos necessários para tanto tenham passado pelo crivo do olhar técnico de um advogado, o que fatalmente irá diminuir sensivelmente a possibilidade daquela empresa vir a fechar as portas prematuramente, como infelizmente ocorre atualmente com grande parte das novas empresas no Brasil. Ademais, "[...] agir sem a consulta de um advogado é o mesmo que tomar remédio sem a devida prescrição médica: pode levar até mesmo à morte de sua empresa se administrado de forma errada e os danos podem ser irreparáveis." (LOPES, 2012, s./p.)

É certo que, ainda hoje, muitos empresários buscam pelo advogado somente quando o problema já está posto ao Judiciário, ou seja, procuram auxílio jurídico apenas no momento em que recebem um mandado de citação, ou mesmo quando já não enxergam a possibilidade de resolução de certa pendência pela via administrativa (a qual, inclusive, poderia ter sido evitada caso tivesse contado previamente com uma atuação jurídico-preventiva), o que fatalmente acarreta em aumento de custos.

Inobstante a procura tardia pelo profissional do Direito ainda ser uma prática comum no Brasil, é inegável que essa cultura vem mudando sensivelmente a cada ano, em especial no mundo corporativo, que vem buscando cada vez mais por assessoria e consultoria jurídicas com a finalidade precípua de controle e mitigação de riscos.

Com base na experiência internacional de países já avançados na adoção da advocacia preventiva, tais como no Direito Norte Americano e Europeu em geral, nota-se uma evolução cultural no sentido que, para que a sua empresa tenha melhores chances de sucesso, o empresário entende que a contratação de uma assessoria jurídica com atuação em tempo integral é tão importante quanto a  contratação de outros profissionais especializados, tais como Recursos Humanos, Tecnologia da Informação, Financeiro, Contabilidade, entre outros.

Certamente, o alto custo de litigar judicialmente em países mais desenvolvidos, tais como os mencionados acima, também influencia na decisão do empresário em adotar a máxima de que é melhor prevenir do que remediar, evitando-se, com tais medidas, problemas jurídicos e despesas com processos judiciais que, de tão custosos, podem acarretar até mesmo o encerramento das atividades de uma empresa.

No Brasil, apesar de o litígio não chegar a ser tão caro quanto em países como os mais acima mencionados, é sim dispendioso, além de moroso, haja vista a realidade fática do ordenamento processual jurídico brasileiro, que permite a utilização de inúmeros recursos protelatórios e com pouca (ou nenhuma) consequência financeira decorrente de tal conduta.

Outra possibilidade interessante para evitar o litígio judicial, é o de promover alternativas de conciliação extrajudicial, tais como a Arbitragem, regulada pela lei 9.307/96, que consiste no prévio ajuste entre as partes envolvidas de que eventual dúvida, ou desacordo, oriundos daquela negociação específica, deverá ser dirimida por um terceiro imparcial, escolhido de comum acordo, e cujos trâmites são mais simplificados e menos formais do que o processo judicial.

Segundo dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tendo como ano base 2019, o tempo médio de duração de um processo nas Justiças Estadual e Federal é de 5 anos e 4 meses. Já no que se refere à Justiça do Trabalho, a média aumentou no último ano e pela primeira vez na série histórica foi superior a 3 anos.

Ademais, ainda que eventual litígio judicial tenha resultado positivo em favor da empresa, considerando para tanto a procedência do direito que se almeja, não é incomum que se frustre a efetividade do gozo do direito reconhecido pelo Poder Judiciário, em especial quando se trata de ações que visam a recuperação de créditos, em razão da ausência de valores ou bens em nome do devedor que possam satisfazer a dívida.

Diante dessa desanimadora realidade, a advocacia preventiva ganha força e valor por se caracterizar como um mecanismo bastante efetivo de se evitarem os percalços de uma longa, dispendiosa e desgastante lide jurídica, trazendo consigo ainda a efetiva mitigação dos inúmeros riscos jurídicos aos quais o empresário está exposto no exercício da atividade da sua empresa.

A prática da advocacia preventiva pode se definir como sendo "[...] uma forma de prestação de serviço jurídico, que tem por objetivo maximizar lucros, evitando que o cliente venha a sofrer prejuízos ou danos em razão de decisões tomadas ou atos praticados sem a devida cautela." (MENDES, 2016, s./p.)

Além dos benefícios que a atuação jurídica preventiva pode trazer ao empresário, o sucesso da sua aplicação ainda tem consequências positivas para a classe advocatícia, uma vez que retira a pecha de que advogado significa meramente custo para a empresa. Ao contrário, o exercício da advocacia passa a ser visto como um eficaz e relevante investimento.

Fato é que uma boa orientação jurídica preventiva pode ser a chave para o sucesso de uma empresa, assim como a sua falta pode ser a principal causa para o seu fracasso. Vejamos adiante alguns exemplos básicos de como a prevenção jurídica aplicada em algumas áreas pode ser extremamente benéfica para a empresa e sua longevidade.

No campo de Direito Societário, tomemos como exemplo a constituição de uma sociedade limitada, a qual deve ser precedida da averbação do seu Contrato Social perante a respectiva Junta Comercial competente. O referido documento é essencial e extremamente relevante para que se definam, entre outros pontos, o ramo do negócio, o objetivo da empresa e o capital social.

Todavia, para além dessas previsões, a elaboração do Contrato Social proporciona ao advogado a oportunidade de que ali se possa antever e precaver inúmeras situações que podem vir a ocorrer quando da execução do objeto social da empresa.

Não é incomum, por exemplo, a necessidade de que se proceda com uma dissolução parcial da sociedade quando um dos sócios decide se retirar, o que, por muitas vezes, por ausência de orientação jurídica prévia, acaba por ter sua resolução pela via judicial. Porém, tal situação pode ser evitada mediante a inclusão de uma cláusula dispondo que eventual dissolução deve ser realizada por intermédio de uma assembleia com tal finalidade, discriminando-se ali as condições aplicáveis e procedendo-se posteriormente apenas com a averbação do documento perante a Junta Comercial competente.

Outro aspecto relevante que deve ser observado e que traz resultados consideráveis, é a adequação da empresa à legislação trabalhista. Muitas empresas (até mesmo de forma involuntária, por mero desconhecimento) deixam de observar pormenorizadamente a legislação trabalhista nos mais variados aspectos na relação com seus colaboradores, o que acaba por criar um passivo trabalhista de proporções temerárias. Conforme as considerações de Lopes (2012, [s./p.]), "[...] quantos já não sofreram com consequências de demissões trabalhistas mal conduzidas [sic]?"

Assim, com a orientação jurídica a tempo e horas, a empresa tem condições de adotar, por exemplo, a melhor forma de contratação e dispensa de seus colaboradores, além de saber como lidar com a aplicação das medidas disciplinares possíveis, de modo a mitigar riscos trabalhistas.

Outro ponto relevante e que pode definir o sucesso da empresa, é a necessidade de um apropriado planejamento tributário, de forma a racionalizar estrategicamente o regime tributário mais adequado, o que fatalmente ocasionará a redução da carga tributária.

Neste caso, o advogado irá trabalhar para proceder com a adequação da empresa às extensas e complexas leis que compõem o sistema tributário brasileiro nos âmbitos municipal, estadual e federal, visando possibilitar que a sociedade usufrua da melhor forma de todos os benefícios fiscais possíveis e desfrute de todas as isenções fiscais permitidas em lei.

É possível ainda uma revisão, junto à contabilidade, de todas as taxas e impostos pagos nos últimos 5 (cinco) anos, para que se avalie a ocorrência de eventuais pagamentos que tenham ocorrido de forma indevida, o que possibilita o ajuizamento de uma ação de indébito em face do órgão arrecadador competente, para que a empresa possa recuperar tais valores, se for o caso, dentre outras diversas ações.

Um último exemplo das medidas possíveis advindas da advocacia preventiva, e que propicia maior segurança jurídica à empresa, refere-se à revisão dos contratos utilizados com clientes e fornecedores. A formalização de um instrumento específico para os inúmeros negócios e transações que fazem parte do cotidiano de uma empresa, é uma rica oportunidade do ponto de vista jurídico em que a empresa pode se favorecer dos benefícios da prevenção, uma vez que ali restarão definidos os direitos e obrigações das partes envolvidas, tais como: prazo de vigência, formas de rescisão e pagamento, índice de correção, obrigação de confidencialidade das informações, foro de eleição, dentre vários outros.

Enfim, temos que a atuação jurídica preventiva se traduz em um investimento do empresário, não para que o advogado resolva ou amenize problemas já postos e em estágio avançado, mas sim, para que se evite que eles sequer surjam, de modo a  evitar contendas judiciais, que, invariavelmente, independente do seu resultado, acabam por se traduzirem em prejuízo para ambas as partes envolvidas, inclusive à parte vencedora, haja vista que esta deverá contabilizar as despesas daí decorrentes, tais como, no mínimo, honorários advocatícios.

Assim, é certo que os benefícios da aplicação da advocacia preventiva no mundo corporativo são inúmeros e os resultados positivos daí advindos são certos e inevitáveis.

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BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2020: ano-base 2019. Brasília, 2020. Disponível aqui. Acesso em: 01 de nov. 2020.

LOPES, Filipe Charone Tavares. Vantagens da advocacia preventiva para as empresas. Administradores.com, João Pessoa, 02 mar. 2012. Disponível aqui. Acesso em 01 de nov. 2020.

MENDES, Marcela Castro. A importância da advocacia preventiva para uma empresa saudável. Portal Jus Brasil, São Paulo, 20 jun. 2016. Disponível aqui. Acesso em 01 de nov. 2020.

ÓRDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Código de Ética e Disciplina. OAB Nacional, Brasília, Normas, 04 nov. 2015. Disponível aqui. Acesso em: 25 maio 2021.

Henry Benevides

Henry Benevides

Advogado. Sócio do escritório Jacó Coelho Advogados, com sede em Goiânia-GO. Tem especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela ATAME/GO; cursa LL.M em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas; e tem larga experiência em gestão de Departamentos jurídicos de empresas de médio e grande porte.

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