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Confiança: Como a tecnologia de biometria facial pode ser benéfica ao cidadão quando associada a proteções adequadas de privacidade

Assim tem sido com diversos negócios que surgiram apostando na autogestão de conflitos e soluções, a partir de um sistema de reputação com os incentivos certos, cuja principal moeda é a confiança.

terça-feira, 8 de junho de 2021

Atualizado às 08:36

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 2010, Rachel Botsman definiu a então emergente economia compartilhada a partir de quatro princípios fundamentais: massa crítica, capacidade ociosa, crença nos bens comuns e confiança entre desconhecidos. Este último, o mais relevante para sustentabilidade do modelo de negócios de plataformas de intermediação de interesses. Não somente pelo valor em si, mas por sua eficácia entre pessoas: quanto mais sólida a confiança do cidadão, melhores as relações econômicas e sociais.

Assim tem sido com diversos negócios que surgiram apostando na autogestão de conflitos e soluções, a partir de um sistema de reputação com os incentivos certos, cuja principal moeda é a confiança. Foi seguindo nessa direção que plataformas digitais tornaram-se os principais agentes de mercado em pouco tempo. Dessa maneira, soluções de interação peer-to-peer começaram a aparecer, com base em um sistema altamente eficaz de controle, que, a um só tempo, é capaz de eliminar rapidamente pessoas com mau comportamento e de encorajar e recompensar a abertura, a confiança e a reciprocidade.

No entanto, sistemas baseados em confiança e reputação não são novidade no mundo, haja vista o conceito de certificações e títulos, o que torna cada vez mais evidente que a humanidade historicamente sempre dependeu de sistemas representativos de confiabilidade social. Quanto maior a credibilidade do mecanismo, maior a confiança no detentor daquela outorga.

Mas essa questão não se limita a isso: a confiança está presente em outro sistema social em que nela é fortemente, o sistema monetário. A moeda é um instrumento de gestão centralizada de valor que se realiza em três elementos: confiança, reputação e garantia. Uma nova revolução tecnológica, porém, desafiou esse tradicional sistema fiduciário, revelando a desnecessidade de autoridade central para sustentar o sistema de confiabilidade monetária: o blockchain e as criptomoedas.

A confiança, portanto, tem sido a mola propulsora e o fator legítimo de impulsionamento das atividades sociais nos mais diversos ambientes. No campo da privacidade e proteção de dados pessoais, a confiança possui um valor ainda mais robusto. A Comissão Europeia, inclusive, já reconheceu, de forma expressa, sua importância para o desenvolvimento da economia digital, quando aprovou o seu Regulamento Geral de Proteção de Dados.

Essa é uma visão, no entanto, que difere um pouco daquela que define a economia compartilhada. Na verdade, complementando-a: em matéria de privacidade, a questão central é, sim, a confiança; mas como fator de construção de pontes sólidas de relacionamento entre aquele que trata o dado pessoal e o seu titular.

Uma vez que o cidadão passa a ter maior controle sobre o uso de seus dados pessoais, surge a necessidade de assegurar a implementação de medidas aptas a evidenciar a aplicação de regras de conformidade. Assim, constroem-se relações de confiança com o titular dos dados, para muito além da mera gestão de riscos.

Ganhar a confiança do titular de dados passou a ser o foco das organizações mais bem posicionadas no mercado. Seus esforços aprimorados de garantir ao titular não somente segurança informacional, mas, especialmente, participação ativa na sua plataforma de exploração de dados pessoais muitas vezes ultrapassam os requisitos regulatórios criados por leis como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Ponto comum entre esses modelos de exploração da confiança está na capacidade que esse valor tem de servir à realização de atividades, negócios e interesses. Confiança, portanto, é a nova moeda do século XXI.

Nesse sentido, como ampliar a confiança do cidadão em um ambiente já tão desgastado como o brasileiro, em que notícias sobre fraudes e vazamentos tem se tornado tão frequentes a ponto de tomar espaço na mídia mainstream? Se confiança é moeda para a viabilidade de negócios com base em dados, como criar mecanismos que a revalorizem? Por certo, construindo soluções mais eficazes de combate às fraudes, por exemplo.

O primeiro passo está, portanto, na implementação de transparência ativa, conceito que se encaixa perfeitamente ao cenário de confiança na economia digital: através dessa proposta, a organização oferece informações e implementa instrumentos de publicidade por padrão, independentemente de solicitação ou provocação do cidadão. Se o propósito é ampliar ou mesmo recuperar a confiança, quanto maior a efetividade da publicidade, maiores as chances de (re)construção de uma relação sólida e real com o titular.

Partindo dessa premissa, o segundo passo seria a definição de uma estratégia de identificação para combater a fraude e alcançar alto desempenho, que perpasse mecanismos seguros e legítimos de tratamento de dados pessoais a partir de tecnologias biométricas. O potencial da biometria para fortalecer a correspondência de identidade e permitir novos modelos de negócios é indiscutível.

Mas, para combater essas fraudes, é necessário adotar sistemas e contramedidas antifraude sofisticados. Algo já disponível no mercado e com resultados positivos. É preciso que se diga: o uso de sistemas de identidade digital e biometria para autenticar indivíduos não precisa ser oneroso, desde que haja proteções adequadas.

Por isso, um terceiro e necessário passo: sistemas de identidade digital e biométrica precisam ser projetados de tal forma que não possam falhar, independente do sistema legislativo que os sustenta. Este conceito central de Privacy by Design é particularmente importante no caso de sistemas de identificação digital biométricos.

A criptografia biométrica e não rastreabilidade são, sem dúvida, um ponto de partida para o tipo de privacidade por desenho que pode garantir que uma identificação digital ou outro uso biométrico não seja utilizado indevidamente por um governo ou uma empresa.  

Dessa maneira, através da adoção de, pelo menos, esses três passos para o uso de sofisticadas tecnologias de combate às fraudes - com base no tratamento de dados biométricos - é possível resgatar a confiança do cidadão. E, sem prejudicar o desempenho de atividades caras e úteis à sociedade, inclusive o tratamento de dados pessoais.

Fabricio da Mota Alves

Fabricio da Mota Alves

Especialista em Direito Digital, é sócio do escritório Serur Advogados, representante do Senado Federal no Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade e consultor da unico.

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