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Breves notas sobre o processo de impeachment do presidente da República

Conforme se infere das denúncias contra ele oferecidas, a grande maioria, se não todas, versam sobre crimes contra a vida e contra a saúde pública levados a efeito por ações e omissões do presidente da República na gestão da pandemia, todas impregnadas de um caráter negacionista da ciência;

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Atualizado às 14:22

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A origem do impeachment remonta ao sistema político - jurídico inglês, sendo, posteriormente, introduzido nos EUA.

No Brasil, o instituto teve, primeiramente, agasalho na Constituição de 1824, não alcançando, todavia, o monarca. Em nosso ordenamento jurídico, o impeachment permaneceu, à luz da Constituição 88, como um processo político-jurídico.

Para os fins didáticos a que se propõe o presente artigo, podemos dizer que, atualmente, a disciplina do impeachment resulta da interpretação conjugada e sistemática dos artigos 51, I, 52, II, combinado com os artigos 85 e 86, todos da Constituição de 88. Ademais, no plano infraconstitucional, é a lei 1079/50, recepcionada pela Constituição Federal, que rege o processo de impeachment. Esse diploma Legal estabelece, com base no artigo 85, p. único, da CF, os tipos penais descritos no caput e incisos desse preceito constitucional.

Por outro lado, também para os fins colimados no presente estudo, nos cingiremos ao processo de impeachment do presidente da República, sendo certo que dito instituto abarca, também, outras autoridades, tais como os Ministros de Estado, o Vice-presidente da República, os Comandantes do Exército, Marinha etc.

Cumpre advertir, de logo, que o presidente da República, no processo de impeachment, responde por crimes de responsabilidade consistentes em atos seus que afrontem a Constituição Federal, de forma especial e exemplificativamente aqueles arrolados nos incisos do artigo 85 da CF, dentre eles os concernentes à violação de direitos políticos, individuais e sociais (inciso III do artigo 85 da CF)

Oferecida a denúncia popular por qualquer cidadão (artigo 14 da lei 1079/50), compete ao Presidente da Câmara dos Deputados rejeitar-lhe ou dar-lhe seguimento. Lamentavelmente, consiste numa faculdade dessa autoridade, que, dita faculdade, pode ensejar, como sói acontecer com o atual Presidente da República, o acúmulo, por tempo indeterminado, de inúmeros pedidos de impeachment, sem a manifestação prévia do Presidente da Câmara dos Deputados.

Melhor seria, e já existe discussão derredor do tema de lege ferenda, que a denúncia popular fosse recebida e apreciada por um órgão colegiado da Câmara, com recurso para o plenário se fosse deferida ou indeferida. Com efeito, deixar ao alvedrio de uma só pessoa dita decisão tão séria e relevante se afigura temerário e absurdo, na medida em que essa autoridade, e somente ela, fica, seguramente, suscetível de injunções políticas e da conjuntura social. De outro lado, o STF já tem decisão instando o atual Presidente da Câmara a se manifestar sobre determinada denúncia popular.

Recebida a denúncia popular, será instituída uma comissão especial processante e, ao depois, a Câmara dos Deputados exercerá o juízo de admissibilidade por dois terços dos seus membros, em voto aberto e nominal. Nessa fase, poderá ser exercido pelo denunciado o direito à ampla defesa e ao contraditório, conforma já decidiu o STF. Da decisão de mérito quanto à admissibilidade ou não do processo não caberá recurso, ressalvada a hipótese da discussão no STF sobre o devido processo legal ademais, não cabe ao Senado, na fase de julgamento, rediscutir o juízo de admissibilidade ocorrido na Câmara.

No Senado Federal, recebido o processo, o presidente da República ficará suspenso de suas funções (art. 86, &, 1º, da CF), o mesmo ocorrendo se decorrido o prazo de 180 dias o julgamento não for concluído (art. 86, &, 2º, da CF).

O Senado, assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório do denunciado, julgará o processo por votos de dois terços de seus membros, em votação aberta e nominal. Essa decisão, no mérito, será irrecorrível, sem prejuízo de discussão no STF sobre o devido processo legal.

Com o julgamento do impeachment pelo Senado Federal, se procedente, será decretada a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de funções públicas pelo prazo de 8 anos.

No Brasil, só ocorreram dois casos de impeachment, vale dizer, do Presidente Collor, por indícios de crimes de corrução, e da Presidente Dilma por crime de pedaladas fiscais, expediente, conforme ressai do processo respectivo, que já foi praticado por outros presidentes. Vale lembrar que no caso de Collor havia indícios da prática dos crimes de corrupção. Falamos em indícios, porque ele, o Presidente Collor, foi absolvido em processo por crime comum pelo STF, à mingua de provas.

Na quadra atual, não podemos olvidar que as denuncias oferecidas contra o Presidente Bolsonaro (mais de 100) são revestidas de muito maior gravidade que os impeachment anteriores, vez que dizem respeito à vida e à saúde pública da população, já tendo sido contabilizado um número de quase meio milhão de pessoas mortas.

Conforme se infere das denúncias contra ele oferecidas, a grande maioria, se não todas, versam sobre crimes contra a vida e contra a saúde pública levados a efeito por ações e omissões do presidente da República na gestão da pandemia, todas impregnadas de um caráter negacionista da ciência. Com efeito, por declarações, exemplos e políticas públicas desastrosas (negação do uso de máscara, do distanciamento social, uso indevido de cloroquina etc.) ele incita a população no sentido de favorecer a disseminação do coronavírus, com as deletérias consequências disso advindas. 

Fica a indagação: diante desse cenário terrível, por que não houve ainda a instauração efetiva do processo de impeachment contra o presidente da República?

Como já mencionado, a instauração do processo de impeachment pelo presidente da Câmara está envolta em aspectos e injunções políticas e sociais, que refogem de sua vontade própria, a exemplo do apoio dos parlamentares, pressão popular, manifestação em redes sociais, aquiescência das elites econômicas dominantes etc. Pode - se dizer que, nesse sentido,  já estão ecoando  no País e no mundo as manifestações de rua recentes, objetivando o afastamento do Presidente Bolsonaro, bem assim os trabalhos da CPI no Senado, até agora levadas a cabo.

Por fim, não é demais lembrar o enquadramento em crime de responsabilidade que pode sofrer o atual presidente da República, na forma da Constituição Federal. Efetivamente, os delitos por ele praticados até agora saltam aos olhos e podem ser enquadrados no artigo 5º, caput, da CF (atentado contra o direito à vida), bem assim no artigo 85, III, que ao definir o crime de responsabilidade, especifica a violação contra os direitos individuais e sociais, dentre estes últimos o direito à saúde, inscrito no artigo 7º da CF.

Gustavo Hasselmann

VIP Gustavo Hasselmann

Procurador do município de Salvador/BA. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Processo Civil e Direito Administrativo. Membro do IAB e do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.

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