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Mudanças legais podem destravar uso de fundo para telecomunicações

O FUST foi criado pela lei 9.998/2000 (lei do FUST), a partir de previsão da LGT (lei geral de telecomunicações, lei 9.472/97).

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Atualizado às 08:20

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) foi constituído há mais de 20 anos com o intuito de promover a universalização dos serviços de telecomunicações. Neste período, entretanto, o fundo foi caracterizado pela arrecadação, contingenciamento e utilização desvirtuada de seus recursos.

Apesar disso, recentes inovações legislativas sobre a utilização dos recursos do FUST podem ajudar para o que Fundo não entre para a história apenas como uma promessa governamental não cumprida.

O que é?

O FUST foi criado pela lei 9.998/2000 (lei do FUST), a partir de previsão da LGT (lei Geral de Telecomunicações, lei 9.472/97). O fundo tem o objetivo de prover recursos complementares para o cumprimento de obrigações de universalização de prestadoras de serviços de telecomunicações.

Para tal a finalidade, o FUST viabiliza a aplicação dos recursos arrecadados em programas, projetos e atividades voltados a setores da sociedade e a localidades que são economicamente desinteressantes ou inviáveis.

A redação original do art. 5º da lei do FUST previa que o fundo deveria ser utilizado em casos específicos: localidades com menos de cem habitantes; comunidades de baixo poder aquisitivo; estabelecimentos de ensino, bibliotecas e instituições de saúde; áreas remotas e de fronteira de interesse estratégico; órgãos de segurança pública; unidades de serviço público, civis ou militares em pontos remotos; instituições de assistência a deficientes; pessoas com deficiência; e na implementação de telefonia rural.

Subutilização dos recursos arrecadados

Desde o início de sua arrecadação em 2001, até abril de 2021, a Anatel estima que tenham sido arrecadados cerca de R$ 23,8 bilhões para o FUST, com a seguinte distribuição ao longo dos anos.

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Esse valor histórico, no entanto, diverge do valor contabilizado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e pela Secretaria do Orçamento e Finanças (SOF). No Acórdão 28/2016 - Plenário, do Tribunal de Contas da União (TCU), as Secretarias afirmaram que o valor arrecadado do FUST, entre 2001 e 2015, teria sido de R$ 16,04 bilhões, enquanto que, para a ANATEL, o valor teria sido de R$ 19,44 bilhões, uma diferença de R$ 3,4 bilhões.

Apesar de a ANATEL ter afirmado ao TCU que a totalidade das despesas executadas teria sido utilizada para as finalidades previstas no art. 5º da lei do FUST, o TCU, ao apurar os dados também apresentados pela STN e pela SOF, chegou à conclusão de que somente 1,2% dos valores arrecadados entre 2001 e 2015 teriam sido utilizados na universalização dos serviços de telecomunicações.

De acordo com o TCU, ademais, não seria possível identificar todas as ações em que teriam sido empregados recursos do FUST. No entanto, a aplicação para fins distintos da universalização dos serviços de telecomunicações teria sido de R$ 10,14 bilhões no período, cerca de 69,39% da arrecadação total.

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Em relação ao período entre 2016 e 2020, o Portal Siga Brasil, do Senado Federal, permite verificar situação semelhante àquela dos anos anteriores:

Ano

Autorizado

Empenhado

Executado

Pago

2016

1,8 bilhão

123,5 mil

122,6 mil

205,7 mil

2017

1,4 bilhão

118,7 mil

118,7 mil

118,7 mil

2018

343,3 milhões

69,2 mil

89,2 mil

89,2 mil

2019

1,3 bilhão

11,1 mil

11,1 mil

11,1 mil

2020

807,8 milhões

0 (até 04/2020)

0 (até 04/2020)

0 (até 04/2020)

Fonte: Portal Siga Brasil, dados de 01/06/2021

Utilização do FUST para fins diversos dos previstos em Lei

Como relatado no referido acórdão do TCU, a SOF observou que os recursos do FUST teriam sido utilizados para diversos fins não previstos no art. 5º da Lei do FUST, tais como: a modernização da estrutura de informática do Ministério das Comunicações, assistência médica e odontológica aos servidores, empregados e seus dependentes e assistência pré-escolar aos dependentes dos servidores e empregados do Ministério. Além disso, o TCU apurou que cerca de R$ 2,1 bilhões do FUST teriam sido desvinculados e destinados para o pagamento de dívida pública, no exercício de 2008.

Em outro caso, conforme constatado na Nota Técnica 84/2020 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),  entre os anos de 2015 e 2020, R$ 8,7 bilhões arrecadados com o FUST foram destinados para constituição de Reserva de Contingência, possibilidade não prevista na lei.

Recentemente, cogitou-se até mesmo a aplicação dos recursos do FUST na compra de vacinas contra o coronavírus causador da covid-19. A questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 770, que ainda não foi julgada em definitivo.

Ainda que a medida possa se mostrar benéfica, não corresponde às finalidades inicialmente previstas para o Fundo e se junta a uma série de outras possibilidades cogitadas para a aplicação do fundo como o pagamento de despesas do Programa Antártico Brasileiro e a cobertura celular em rodovias federais e estaduais.

Lei 14.109/20

Em dezembro de 2020 foi publicada a lei 14.109/2020, que alterou a lei do FUST. Quanto às finalidades do Fundo, destaca-se a possibilidade de utilização dos recursos para banda larga. Além de ampliar as possibilidades de emprego dos recursos, a nova lei inovou no quesito da governança do Fundo com a criação de um Conselho Gestor, responsável por administrar a aplicação destes recursos e composto por representantes de diversos ministérios, da ANATEL, das prestadoras de serviços de telecomunicações, inclusive de pequeno porte, e da sociedade civil.

Não obstante a nova lei, que pretende destravar o uso do Fundo após mais de 20 anos da sua criação e a reconhecida essencialidade dos serviços de telecomunicações para os cidadãos brasileiros, sobretudo na banda larga móvel e não mais na telefonia fixa, o FUST não entrou na previsão orçamentária de 2021, o que impede a sua utilização em gastos públicos.

No momento, a lei aguarda regulamentação por meio de Decreto. O Ministério das Comunicações planeja que a norma regulamentadora tenha texto curto e principiológico (ou seja, de caráter mais amplo e diretivo) com o objetivo de permitir maior autonomia do Conselho Gestor.

MP 1.018/2020

A MP 1.018/20 foi remetida a sanção no final de maio de 2021.

A norma, além de modificar aspectos da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE) e da Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI), também trouxe mudanças ao FUST.
Foi retirada a previsão de que os serviços do FUST seriam destinados no todo ou em parte a regiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ademais, a modalidade de aplicação de recursos por meio de apoio não reembolsável deverá ser utilizada prioritariamente para reduzir desigualdades socioeconômicas e regionais.

Foi alterado, também, o limite de redução da contribuição incidente sobre a receita operacional bruta das prestadoras de serviços de telecomunicações que executarem, com recursos próprios, programas, projetos, planos, atividades, inciativas e ações aprovados pelo Conselho Gestor para o ano de 2021. O limite estabelecido pela lei 14.109/20, que era de 0%, passa a ser de 10%. Os valores para os demais anos foram mantidos.

Por fim, a norma aprovada aumentou o número de representantes do Ministério das Comunicações no Conselho Gestor do FUST.

Lei 14.172/2021

Em nova medida com o objetivo de utilizar efetivamente os recursos do FUST, foi recentemente aprovada pelo Congresso Nacional e publicada (11/06/2021) a lei 14.172/2021, que versa sobre o acesso à internet na educação básica. 

Ambas as Casas do Legislativo derrubaram veto da Presidência da República e aprovaram a destinação de mais de R$ 3,5 bilhões aos Estados e ao Distrito Federal para aplicação em ações para garantir o acesso à internet para alunos com famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ou matriculados em escolas das comunidades indígenas e quilombolas e professores da rede pública estadual, municipal e do distrito federal, em virtude da pandemia de covid-19.

Há a previsão do FUST como uma das possíveis fontes de recursos a serem utilizadas para cumprir com a finalidade da lei.

Milene Louise Renée Coscione

Milene Louise Renée Coscione

Advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados. Atuação especializada em telecomunicações, internet e tecnologia.

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