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A teoria do desvio produtivo (direito consumerista) e anotação de extinção contratual na CTPS

O artigo analisa, à luz da CLT, a hipótese de aplicação da teoria do desvio produtivo no Direito do Trabalho, como também apresenta panorama jurisprudencial da temática na atualidade.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Atualizado às 15:30

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Houve ampla veiculação na mídia1 de que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) teria adotado a teoria do desvio produtivo2, condenando o empregador a pagamento indenizatório por não ter procedido a anotação de fim contratual (baixa) na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). A suposta posição do TST estaria contida no acórdão AIRR 1380-97.2018.5.17.0141 de relatoria da ministra Kátia Magalhães Arruda.

Em primeiro plano, cumpre informar que o acórdão proferido não adentra na análise da aplicabilidade ou não da teoria do desvio produtivo, pois o recorrente não logrou êxito em cumprir os requisitos legais para que o recurso de revista fosse analisado neste aspecto. Logo, a afirmação de que o TST fixou entendimento da aplicação da referida teoria, com base neste acórdão, não é verdadeira.

Ao realizar pesquisa restringindo a busca ao TST, no site jusbrasil, a única ocorrência é justamente este processo. O que nos leva a crer que o TST ainda não firmou entendimento e nem sequer há uma única decisão meritória neste assunto. A mesma pesquisa, nos mesmos moldes da anterior, realizada no Supremo Tribunal Federal (STF) restou infrutífera.

Ao buscar "teoria do desvio produtivo" com restrição de busca aos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) encontramos 19 (dezenove) ocorrências. A resposta da pesquisa não representa 19 (dezenove) condenações, mas, tão somente, que há dezenove ocasiões em que a teoria foi citada. Decerto há mais ocorrências, em buscas mais rebuscadas. Todavia, desmitifica-se a ideia de que esta teoria representa uma tendência ou mesmo seja aceita. Destas decisões, em apenas 4 (quatro) houve condenação em dano moral, mas nenhuma com fundamento exclusivo na teoria dos desvio produtivos. Diante do exposto, não há na jurisprudência trabalhista nenhuma uniformidade de entendimento da aplicação da teoria do desvio produtivo. Pelo reverso, há uma clara resistência pelas numerosas negativas constatadas.

A primeira ocorrência de aplicação da teoria do desvio produtivo na seara trabalhista pode ser encontrada no acórdão do TRT 17ª região RO 0000210-16.2018.5.17.01013, tendo-a aplicado, também, no acórdão do RO 0000649-68.2018.5.17.0152. No mesmo ano, o TRT 1ª região também aplicou a referida teoria no acórdão RO 0101051-13.2018.5.01.0053. Na busca realizada não foram encontradas mais ocorrências de aplicação da teoria, muitas decisões citam a existência, mas não fundamentam a decisão na aludida teoria.

Na seara consumerista4, a primeira decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que aborda a teoria do desvio produtivo ocorreu em 2017, no AResp 1.260.458/SP, com relatoria do ministro Marco Aurélio Belizze. Esta teoria, inclusive, foi fundamento para dano moral coletivo:

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. TEMPO DE ATENDIMENTO PRESENCIAL EM AGÊNCIAS BANCÁRIAS. DEVER DE QUALIDADE, SEGURANÇA, DURABILIDADE E DESEMPENHO. ART. 4º, II, D, DO CDC. FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PRODUTIVA. MÁXIMO APROVEITAMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL COLETIVO. OFENSA INJUSTA E INTOLERÁVEL. VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE. FUNÇÕES. PUNITIVA, REPRESSIVA E REDISTRIBUTIVA. 1. Cuida-se de coletiva de consumo, por meio da qual a recorrente requereu a condenação do recorrido ao cumprimento das regras de atendimento presencial em suas agências bancárias relacionadas ao tempo máximo de espera em filas, à disponibilização de sanitários e ao oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção, além da compensação dos danos morais coletivos causados pelo não cumprimento de referidas obrigações. 2. Recurso especial interposto em: 23/3/2016; conclusos ao gabinete em: 11/4/2017; julgamento: CPC/73. 3. O propósito recursal é determinar se o descumprimento de normas municipais e federais que estabelecem parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva. [...] 7. O dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art. 4º, II, d, do CDC, tem um conteúdo coletivo implícito, uma função social, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo. 8. O desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, revela ofensa aos deveres anexos ao princípio boa-fé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor. 9. Na hipótese concreta, a instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo. 10. Recurso especial provido5.

O STJ em várias oportunidades, em decorrência de perda de tempo útil do consumidor, por receber um serviço deficiente ou por ter recebido produto inútil ao fim ao qual se destina, aplica a teoria do desvio produtivo. Todavia, é importante ressaltar que não há, na legislação civil/consumerista, nenhuma penalidade voltada a ressarcir o consumidor pela perda de tempo em solucionar o problema injustamente recebido.

No Direito do Consumidor quando há prestação de serviço deficiente exsurge o direito de rescisão por culpa do prestador, ressarcimento dos custos eventualmente dispendidos. O retorno ao status quo ante da contratação do produto ou serviço é a consequência imposta pela legislação consumerista, sem a existência de qualquer ressarcimento pelas condutas indicadas. A multa advinda dos órgãos protetivos, se houver, não é revertida ao consumidor.

Diante do corolário da reparação integral, o Direito do Consumidor tem amplo espaço para que sejam criadas teorias que alarguem a indenização por dano moral (gênero) do qual é espécie o dano estético. Diante da falta de punição e ressarcimento pela conduta, sem dúvida, a aplicação da teoria do desvio produtivo conduz à reparação integral que torna a relação jurídica indene.

Entretanto, mesmo a teoria do desvio produtivo não é aplicada em todos os casos, nem indistintamente. Nas decisões analisadas, por amostragem, constatamos que ao lado da infração ao direito do consumidor há aspectos da conduta infringente adicionais, cuja gravidade representa séria interferência no cotidiano. Há que se considerar que o simples debate judicial não deve ser fonte, isoladamente, de fundamento para se indenizar. Caso pensemos assim, não haverá uma única demanda sem a condenação em danos morais.

A observância, também, de que na seara consumerista não há penalidade vertida em favor do consumidor quando da infração cometida. O que representa que há uma lacuna ressarcitória, na seara consumerista, que justifica a aplicação da teoria do desvio produtivo.

O Direito do Trabalho, como ramo autônomo, possui princípios e regramentos específicos. E, como tal, apenas em lacunas e antinomias há busca por instrumentos saneadores externos. Assim sendo, para que apliquemos analogicamente a teoria do desvio produtivo do consumidor há que se observar as regras existentes no Direito do Trabalho para que se possa lançar mão da analogia pretendida.

O suprimento de lacunas é denominado integração e a analogia ocorre quando uma lei semelhante é utilizada para regular o caso em que não há lei específica6. A Consolidação das Leis do Trabalho prevê analogia no artigo 8º, in verbis:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Consoante se vê para que se aplique a analogia é preciso: "falta de disposições legais ou contratuais". Quando há disposição legal ou contratual, por via de raciocínio lógico, não há aplicação analógica, mas subsunção do fato à norma posta ou a clausula contratual.

A CLT não é omissão no que tange à anotação de CTPS. O art. 29, § 3º assim dispõe: 

Art. 29.  O empregador terá o prazo de 5 (cinco) dias úteis para anotar na CTPS, em relação aos trabalhadores que admitir, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério da Economia.  

[...]

§ 3º - A falta de cumprimento pelo empregador do disposto neste artigo acarretará a lavratura do auto de infração, pelo Fiscal do Trabalho, que deverá, de ofício, comunicar a falta de anotação ao órgão competente, para o fim de instaurar o processo de anotação.     

O art. 29, § 3º da CLT informa que o empregador que não proceder a anotação de extinção contratual será autuado pela fiscalização laboral. Todavia, a disciplina sobre o assunto não finaliza neste dispositivo. O art. 477, § 6 e 8ª da CLT trata, especificamente, da obrigação de dar baixa na CTPS (anotando o término contratual) e suas consequências:

Art. 477.  Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo.

[...]

§ 6o A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato.     

[...]

§ 8º A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.  

O empregado quando da não realização de baixa na CTPS está amparado pela legislação trabalhista. Esta prevê, de modo específico, que o empregado receberá um salário a título de multa por não ter sido procedida a anotação na extinção contratual. Para a obrigação de fazer (efetuar anotação de rescisão contratual) há uma penalidade específica fixada na norma, qual seja, multa de um salário do obreiro prejudicado.

A analogia, no caso concreto, não poderia ser aplicada, pois há uma penalidade estabelecida pela lei para a infringência ao dever de anotar a rescisão contratual. Por evidente que esta penalidade foi fixada para as situações corriqueiras e não anotação. Para as situações esdrúxulas, anormais, muito mais gravosas, decerto poder-se-ia advogar em prol de uma analogia à teoria do desvio produtivo. Porém, na imensa maioria das ausências de anotação não há reflexos mais graves que os contemplados pela aplicação da multa do art. 477 da CLT.

A analogia também pode ser compreendida como inviável porque não há norma cujo conteúdo indique a teoria do desvio produtivo. Desta sorte, a analogia estaria sendo feita a partir de um entendimento jurisprudencial que não foi sequer alvo de súmula. Isto, decerto, fragiliza ainda mais a argumentação dos entusiastas da teoria. Com a devida vênia, o que seria menos forçado seria a aplicação subsidiária do direito comum, sem, contudo, afastar o mesmo problema da inexistência de previsão normativa.

Como a própria CLT contém penalidade para a ausência de anotação rescisória, não há espaço para aplicação da teoria do desvio produtivo. O art. 8º da CLT limita a atuação do julgador em aplicar analogia - exclusivamente - quando não houver previsão legal ou contratual. Entender de modo diverso, data máxima vênia, é conferir o poder de criação obrigacional, legiferante, ao Judiciário Trabalhista, o que é vedado pela separação dos poderes e pela garantia constitucional da legalidade (Art. 5º, II da Constituição Federal).

A ideia cotejada nestas linhas perpassa a larga distância da inaplicabilidade da teoria do desvio produtivo no Direito do Trabalho. Em não havendo penalidade ressarcitória direcionada ao trabalhador estabelecida em lei ou no contrato, a teoria do desvio produtivo pode ser aplicada por analogia. Contudo, em havendo penalidade voltada ao ressarcimento do obreiro, prevista na CLT, há que se aplicar tal penalidade e não se buscar analogia, sob pena de infringência ao art. 8º da CLT e se buscar completar lacuna inexistente.

Por derradeiro, importa o recorde de que as obrigações de fazer, descumpridas, comportam astreintes ou multa diária, com função ressarcitória da mora havida. E, a legislação prevê que poderá a CTPS receber anotação por procedimento administrativo ou por ordem judicial de efetuação na secretaria da vara.

A mera discordância da previsão legal ou entendimento de insuficiência da penalidade estabelecida em lei não autorizam o julgador a pinçar teorias de outros ramos jurídicos com fito de criar uma obrigação nova, majorada e/ou não prevista em lei. O citado expediente representa uma afronta à segurança jurídica, à separação dos poderes e ao princípio da legalidade.

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1 SALIBA, Ana Luisa. Teoria do desvio produtivo pode ser aplicada em casos trabalhistas, decide TST. Portal Conjur. Acesso em 22 de Jun. 2021.
2 DESSAUNE, Marcos. Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor: um panorama. Revista de Direito do Consumidor. vol. 119, ano 27, p. 89-103. São Paulo: Ed. RT, set.-out. 2018.
3 ROVER, Tadeu. TRT 17 aplica teoria do desvio produtivo para condenar empresa. 25/06/2019. Portal Conjur. Acesso em 22 de jun. 2021.
4 HERMANN, Gustavo de Camargo; MASCHKE, Maurício Mocelin. A Teoria do desvio produtivo do consumidor à luz do entendimento do STJPortal Migalhas. Acesso em 22 de jun. 2021.
5 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp: 1737412 SE 2017/0067071-8, Relatora Ministra Nancy Andrigui, Data de Julgamento: 05/02/2019, 3ª Turma, Data de Publicação: DJe 8/2/2019.
6 CORREIA, Henrique. Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed. Salvador: JusPodium, 2021, p. 111.

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BRASIL, Constituição Federal (1988). Acesso em 22 de jun. 2021.
BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Acesso em 22 de jun. 2021.
CORREIA, Henrique. Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed. Salvador: JusPodium, 2021.
DESSAUNE, Marcos. Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor: um panorama. Revista de Direito do Consumidor. vol. 119, ano 27, p. 89-103. São Paulo: Ed. RT, set.-out. 2018.
HERMANN, Gustavo de Camargo; MASCHKE, Maurício Mocelin. A Teoria do desvio produtivo do consumidor à luz do entendimento do STJ. Portal Migalhas. Acesso em 22 de jun. 2021.
ROVER, Tadeu. TRT 17 aplica teoria do desvio produtivo para condenar empresa. 25/06/2019. Portal Conjur. Acesso em 22 de jun. 2021.
SALIBA, Ana Luisa. Teoria do desvio produtivo pode ser aplicada em casos trabalhistas, decide TST. Portal Conjur. Acesso em 22 de Jun. 2021.

Dayse Coelho de Almeida

Dayse Coelho de Almeida

Advogada e consultora. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Autora do livro Direito do Trabalho e Coronavírus. São Paulo: Letras Jurídicas, 2020 e outras obras e artigos publicados.

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