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Prova testemunhal nas audiências virtuais: (des)respeito aos princípios constitucionais da razoável duração do processo e do devido processo legal

As audiências virtuais que tenham como objetivo a colheita de depoimentos das partes e, principalmente, das testemunhas nem sempre se compatibilizam com o que preceitua o devido processo legal, considerando que o juízo não tem a oportunidade de averiguar que, de fato, a testemunha está em um local livre de informações exteriores.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Atualizado às 10:27

(Imagem: Arte Migalhas)

Em razão da pandemia do Covid-19, SARS-CoV2, diversas atividades no âmbito do Poder Judiciário foram paralisadas, estando os Tribunais, na sua maioria, atuando na forma de teletrabalho.

No início da pandemia as audiências se mantiveram suspensas por alguns meses, entretanto, em razão da indefinição de tempo para o fim do surto viral, surgiu a necessidade de reinventar a realização destes atos, de modo que passaram a ocorrer por meio de videoconferência.

Não obstante esta situação atípica, o Código de Processo Civil de 2015 já previa a possibilidade de atos processuais serem realizados por meio virtual. A exemplo disso, no art. 236, § 3º, está expressamente prevista a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real. Além de trazer elementos autorizadores para a oitiva por videoconferência, do sujeito processual que reside em comarca distinta da que está tramitando o processo (art. 385, § 3º, CPC/2015). Também foi possibilitado ao advogado, realizar sustentação oral virtual, nos casos em que o seu domicilio não está na sede do Tribunal que ocorrerá a sessão de julgamento. (art. 937, § 4º)1

Com o surto da Covid-19, as audiências virtuais deixaram de ser uma exceção à regra, tornando-se a principal forma de dar continuidade ao processo, mantendo razoável a sua duração, sem colocar em risco a saúde e segurança das partes.

Ocorre que por ser algo relativamente novo ao cotidiano da justiça, a única garantia de que as regras processuais estão sendo cumpridas, conforme devem ser, é a confiança de que a parte está atendendo ao que determina o princípio da boa-fé.

Logo, as audiências virtuais que tenham como objetivo a colheita de depoimentos das partes e, principalmente, das testemunhas nem sempre se compatibilizam com o que preceitua o devido processo legal, considerando que o juízo não tem a oportunidade de averiguar que, de fato, a testemunha está em um local livre de informações exteriores, não sendo induzidas a falar sob a orientação de um terceiro.

Para preservar o devido processo legal, os juizados especiais adotaram audiências hibridas, oportunidade em que as testemunhas prestam seus depoimentos na sede do juizado, enquanto as partes são ouvidas de suas residências ou escritório de seus advogados.

O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará emitiu um protocolo com orientações de como devem ser realizadas as audiências virtuais, de modo que a testemunha para ser ouvida, deve ser mantida em uma sala de espera virtual (lobby), enquanto não estiver prestando seu depoimento. Ocorre que a sala de espera on-line, não impede a comunicação da testemunha com terceiros que a mantenham informada dos acontecimentos da audiência. Não há uma garantia de que a testemunha esteja em sua residência, longe das partes ou até mesmo sendo orientada por um advogado.

Assim sendo, foi orientado aos magistrados, quando do primeiro contato com a parte depoente/testemunha/informante, deve ser reforçado o dever de incomunicabilidade, pedindo para esta procurar um lugar isolado para depor, não mantendo contato com quaisquer outras pessoas durante o depoimento, não utilizando qualquer aparelho eletrônico, dentre outras providências, de modo a garantir e preservar todos os ditames legais correspondentes à audiência, advertindo-se da possibilidade de anulação do ato e responsabilização legal, em ,caso de quebra da incomunicabilidade 2.

Não obstante estas considerações, cabe ao condutor da audiência a sensibilidade para a percepção da testemunha que mente, o que poderá ocorrer pela emissão de sinais de tensão, movimentos involuntários gestos e olhares. A existência de pequenas discrepâncias no confronto entre o depoimento de duas ou mais testemunhas não possuem o condão de afastar a validade da prova, mas, ao contrário, de validá-la, pois não é crível que várias testemunhas tenham exatamente a mesma percepção da realidade que as cerca.

Contudo, mesmo com toda insegurança em ouvir uma testemunha fora da sede do fórum, existe a necessidade de que o processo tenha uma duração razoável, não sendo célere à resolução das demandas, suspender as audiências até o fim da pandemia, pois não há uma data para isso, sendo o meio virtual a única forma de viabilizar a prestação jurisdicional.

Desta forma, surge a necessidade de o advogado realizar a contradita da testemunha, deixando-a ciente do risco de um falso testemunho. É viável que seja requerido antes de iniciar a oitiva, que a testemunha mostre o ambiente em que se encontra, de modo que seja constatado que está em um ambiente livre de informações externas.

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1 BRASIL. lei 13.105/15 de 16 de março de 2015, Código De Processo Civil. Acesso em: 03 de maio de 2021.

2 Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Protocolo Para Realização De Audiência Por Videoconferência Nas Unidades Judiciárias Do Tribunal De Justiça Do Estado Do Ceará. Acesso em: 01.05.2021.                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

 

Isadora Araújo

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