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Na prática: a indexação do crédito trabalhista após a decisão do STF

Os obstáculos processuais que vêm surgindo para aplicação dos efeitos de modulação definidos nas ADCs 58 e 59 em relação aos processos trabalhistas em fase recursal.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Atualizado às 15:28

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O presente artigo aborda as questões de ordem prática que vêm surgindo para que sejam aplicados os efeitos da modulação ordenada pelo STF nos autos das ADCs 58 e 59, na última sessão de 20201, especificamente aos processos em fase recursal no âmbito dos Regionais e do Superior Tribunal do Trabalho.

Antes de enfrentarmos o cerne da discussão, cabe-nos trazer os motivos pelos quais a questão alusiva ao índice aplicável à correção monetária e juros foi levada ao STF.

A questão vinha sendo objeto de muita polêmica, com decisões judiciais e posicionamentos doutrinários díspares, isso mesmo após a Reforma Trabalhista, que também tratou do índice aplicável à atualização monetária dos créditos trabalhistas. O que parecia colocar "pá de cal" sobre a contenda, em verdade serviu para tornar a questão ainda mais controvertida.

Nesse contexto, foram ajuizadas duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs nos 58 e 59), respectivamente pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro e pela Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação bem como duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs nos 5857 e 6021) pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - Anamatra. Por meio das ADCs, as Confederações pretendiam a aplicabilidade da Taxa Referencial - TR para a correção dos débitos trabalhistas, nos moldes elencados pelos arts. 879, § 7°, da CLT e 39 da lei 8.177/91, ao passo que, nas ADIs, a Anamatra sustentava-se que as normas tidas por inconstitucionais ofendiam o direito de propriedade e a proteção do trabalho e salário dos trabalhadores.

Em 27/6/20, foi deferida a liminar em Medida Cautelar na ADC 58/DF para determinar "a suspensão do julgamento de todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação dos arts. 879, § 7º, e 899, § 4º, da CLT, com a redação dada pela lei 13.467/17, e o art. 39, caput e § 1º, da lei 8.177/91 ".

E, na última sessão plenária do ano de 2020, mais exatamente no dia 18/12, no julgamento conjunto das ADCs e das ADIs supra mencionadas, o STF, por maioria que acompanhou o voto do relator, Ministro Gilmar Mendes, concluiu que é inconstitucional a aplicação da TR para a correção monetária dos débitos trabalhistas, definindo que, enquanto o Poder Legislativo não deliberar sobre a matéria, devem ser aplicados o IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a taxa Selic.

Importante ressaltar que, para concluir pela inconstitucionalidade da TR, a Suprema Corte pautou-se no fato de que a aplicação da Taxa Referencial não reflete o poder aquisitivo da moeda, de modo que se faz necessário utilizar na Justiça Especializada o mesmo critério de correção aplicado nas condenações cíveis em geral, mormente porque a Selic é reputada como taxa básica dos juros da economia, retratada pelo Comitê de Política Monetária como conjunto de variáveis segundo as quais se estabelece a expectativa de inflação e os riscos associados à atividade econômica.

Por conseguinte, o STF modulou os efeitos da referida decisão, que tem efeito vinculante e eficácia erga omnes, firmando as seguintes diretrizes:

  1. deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, o IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a taxa SELIC, para a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e a correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho;
  1. são reputados válidos e não ensejarão nenhuma rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), em tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais), e os juros de mora de 1% ao mês;
  1. devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (índice com a inclusão dos juros e correção monetária) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal);
  1. encontrando-se o processo em sede de execução de sentença, em que na fase de conhecimento tiver havido decisão com trânsito em julgado, e que expressamente adotou, na fundamentação ou no dispositivo, a TR ou o IPCA-E e  juros de mora de 1% ao mês, a referida decisão deve ser mantida e executada; e
  1. encontrando-se o processo em sede de execução de sentença, isto é, com trânsito em julgado da decisão proferida na fase de conhecimento, a atualização dos créditos e a correção dos depósitos recursais dar-se-ão nos termos do item 1 supra (incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, incidência da taxa SELIC), desde que, na decisão judicial transitada em julgado, não tenha nenhuma manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros, ou seja, desde que configurada a omissão quanto aos referidos índices ou quando haja simples consideração de que a correção deve seguir os critérios legais.

É exatamente sobre a situação descrita no item III que se volta o presente artigo, que não tem a pretensão de esgotar a matéria.

Por hipótese, imagina-se a seguinte situação jurídica-processual: a sentença de primeiro grau havia fixado a TR como índice de correção monetária e juros de 1% ao mês, no entanto a parte reclamada apresentou recurso contra outras matérias, mas não recorreu quanto ao índice, já que até então a Taxa Referencial era mais favorável que o IPCA-E à reclamada.

Sobreveio o acórdão após 18/12/20 (julgamento das ADCs 58 e 59), de modo que, oportunamente, a reclamada opôs embargos de declaração requerendo a aplicação dos efeitos de modulação - já que a hipótese se enquadra no item III da modulação - e, de forma sucessiva, requereu o prequestionamento da matéria.

Os Regionais, especialmente o Sodalício da 15ª Região, vêm rejeitando os embargos declaratórios ao argumento de a matéria sequer foi ventilada nas razões recursais (do recurso ordinário) e que a via não é adequada, daí por que necessária a interposição de Recurso de Revista.

Ao exame da revista, na grande maioria dos casos, os Tribunais Regionais têm denegado seguimento ao recurso sob o fundamento da ausência de prequestionamento e preclusão da matéria nos moldes da súmula 297 do C. TST. Novamente surge a necessidade de interposição de agravo de instrumento ao qual invariavelmente o C. Tribunal Superior nega seguimento.

Como se vê, na prática a modulação proferida pelo STF não está sendo aplicada aos processos em fase recursal pelos regionais e o próprio TST, através de obstáculos processuais, em total dissonância com os princípios da celeridade e economia processual, ceifa a possibilidade de ordenamento das decisões segundo os parâmetros modulados pela Corte Suprema.

Onde está a segurança jurídica?

Ora, se a controvérsia acerca de questão jurídica já foi pacificada por tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal em ação de controle de constitucionalidade, cabe a todas as instâncias do Poder Judiciário aplicá-la aos casos concretos, mormente diante do disposto no parágrafo 2° do art. 102 da CF, no sentido de que "as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal".

Daí a necessidade de interposição de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, nos termos dos arts. 102, I, l, e 103-A, § 3º, ambos da CF, com o objetivo de cassar a decisão reclamada e determinar que a autoridade reclamada observe os parâmetros fixados na ADC 58, ADC 59, ADI 6021 e ADI 58673

À vista da soberana decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos das ADCs 58 e 59, com efeito vinculante e eficácia erga omnes, espera-se que sejam prontamente aplicados pelos tribunais regionais, inclusive o TST, o comando cogente edificado, evitando-se, assim, o abarrotamento de reclamações no STF, já que é o único meio processual cabível contra decisão que recusa a aplicação dos efeitos de modulação proferido pelo Supremo.

_________

1-"O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, § 4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467 de 2017, no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Por fim, por maioria, modulou os efeitos da decisão, ao entendimento de que (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC) e (iii) igualmente, ao acórdão formalizado pelo Supremo sobre a questão dever-se-á aplicar eficácia erga omnes e efeito vinculante, no sentido de atingir aqueles feitos já transitados em julgado desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais), vencidos os Ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio, que não modulavam os efeitos da decisão. Impedido o Ministro Luiz Fux (Presidente). Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber (Vice-Presidente). Plenário, 18.12.2020 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF)."

2- Decisão Trata-se de Reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada contra decisão proferida pelo Juízo da 22ª Vara do Trabalho de Porto Alegre - Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (ATSum 0021058-93.2019.5.04.0022), que teria desrespeitado o que decidido por esta CORTE no julgamento da ADC 58 (Rel. Min. GILMAR MENDES). Na inicial, a parte autora expõe as seguintes alegações de fato e de direito (doc. 1, fls. 2/4): A parte autora - beneficiária do ato reclamado - ajuizou ação trabalhista contra a ora Reclamante visando o pagamento: de reajuste normativo, das diferenças de adicional por aprimoramento acadêmico, diferenças de repouso remunerado, multa normativa, diferença de FGTS e multa rescisória (40%), multas dos arts. 467 e 477 da CLT e honorários sucumbenciais. Em sede de sentença, o r. Juízo concedeu parcial procedência aos pedidos da autora para condenar, a ora Reclamante, ao pagamento das seguintes verbas: diferenças de repousos remunerados, multa normativa por descumprimento da obrigação de pagar, FGTS incidente sobre as parcelas salariais deferidas, à razão de 8%, acrescido da multa de 40%, juros e correção monetária. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região ao analisar o recurso ordinário interposto, apenas concedeu parcial provimento ao recurso da parte autora para deferir o benefício da justiça gratuita, à fim de isentá-la ao pagamento dos honorários de sucumbências. Com o trânsito em julgado do referido acórdão proferido pelo TRT-4, houve a remessa dos autos ao Juízo de origem. Em inobservância a medida cautelar deferida na ADC nº 58 pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes, o Juízo de origem, em 19.10.2020, deu seguimento à execução de sentença, proferindo despacho determinando o início da fase de liquidação de sentença. Esta parte Reclamante, posteriormente, em 03.02.2021, se manifestou nos autos do processo trabalhista, postulando a aplicação do entendimento firmado por esta Corte Suprema. Em ato contínuo, o Juízo de piso, em decisão proferida no dia 12/02/2021, confirmou o entendimento anteriormente adotado à liquidação de sentença, qual seja, aplicando à correção monetária, fator de atualização o IPCA-E e, a incidência a partir de 26 de março de 2015, de correção monetária pelo índice da TR e incidência de juros moratórios. Desse modo, em 10/03/2021, foi apresentado laudo pelo perito judicial, com cálculos de liquidação de sentença aos débitos trabalhistas nos termos da decisão proferida pelo r. Juízo da Vara do Trabalha, que havia determinado o entendimento acima referido, conforme disposição literal do Art. 879, § 7º, da CLT e Art. 39, § 1º, da Lei nº 8.177/1991 (documentos anexos). Em face dos cálculos apresentados, em 25.03.2021, a ora Reclamante apresentou manifestação ao r. Juízo, pugnando pela invalidade dos cálculos elaborados pelo perito judicial, haja vista a adoção equivocada dos índices da Taxa Referencial (TR) e aplicação de juros de mora, e, assim, fossem utilizados os critérios de correção monetária pelo IPCA-E, fase pré-judicial, e Taxa Selic na fase judicial, com exclusão da incidência de juros. Contudo, em decisão proferida no último dia 27.04.2021 - ato reclamado, o r. Juízo homologou os cálculos de liquidação apresentados pelo perito judicial (com incidência do índice de TR e juros de mora), determinando o prosseguimento da execução e o pagamento do débito inconstitucional constituído contra a Escola ré, em afronta à autoridade da decisão prolatada na ADC nº 58. Ao final, requer a concessão de medida liminar para suspender o ato reclamado e, no mérito, seja cassado o ato reclamado nos autos do processo trabalhista referido, determinando ao Juízo de origem à autoridade da decisão proferida na ADC nº 58, para fins de observar a incidência do indíce do IPCA-E na fase pré-judicial e Taxa Selic na fase judicial ao débito trabalhista objeto, com a exclusão dos juros de mora, em confomidade à interpretação firmada pelo STF sobre o tema (doc. 1, fl. 17). É o relatório. Decido. A respeito do cabimento de Reclamação para o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a Constituição da República dispõe o seguinte: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei; § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. Com a publicação do novo Código de Processo Civil, ampliou-se as hipóteses de cabimento da Reclamação, passando a ser possível a utilização do instituto nas seguintes hipóteses: Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I - preservar a competência do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do tribunal; III - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; IV - garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; Inicialmente, registro que a presente Reclamação foi protocolada nesta CORTE em 3/5/2021. Desse modo, é inaplicável, ao caso sob exame, o art. 988, § 5º, inciso I, do CPC, assimilação, pelo novo código processual, de antigo entendimento do STF, enunciado na Súmula 734 (Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal), uma vez que, segundo informações obtidas no sítio eletrônico do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, os autos nos quais foi proferido o ato ora impugnado encontram-se em tramitação, tendo sido recentemente certificado o início da execução (28/4/2021). O parâmetro de confronto invocado é o decidido no julgamento da ADC 58, na qual foi prolatado acórdão assim ementado: EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE. ÍNDICES DE CORREÇÃO DOS DEPÓSITOS RECURSAIS E DOS DÉBITOS JUDICIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 879, § 7º, E ART. 899, § 4º, DA CLT, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 13. 467, DE 2017. ART. 39, CAPUT E § 1º, DA LEI 8.177 DE 1991. POLÍTICA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E TABELAMENTO DE JUROS. INSTITUCIONALIZAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) COMO POLÍTICA DE DESINDEXAÇÃO DA ECONOMIA. TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES DO STF. APELO AO LEGISLADOR. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES, PARA CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AO ART. 879, § 7º, E AO ART. 899, § 4º, DA CLT, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.467, DE 2017. MODULAÇÃO DE EFEITOS. 1. A exigência quanto à configuração de controvérsia judicial ou de controvérsia jurídica para conhecimento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) associa-se não só à ameaça ao princípio da presunção de constitucionalidade - esta independe de um número quantitativamente relevante de decisões de um e de outro lado -, mas também, e sobretudo, à invalidação prévia de uma decisão tomada por segmentos expressivos do modelo representativo. 2. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, decidindo que a TR seria insuficiente para a atualização monetária das dívidas do Poder Público, pois sua utilização violaria o direito de propriedade. Em relação aos débitos de natureza tributária, a quantificação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança foi reputada ofensiva à isonomia, pela discriminação em detrimento da parte processual privada (ADI 4.357, ADI 4.425, ADI 5.348 e RE 870.947-RG - tema 810). 3. A indevida utilização do IPCA-E pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tornou-se confusa ao ponto de se imaginar que, diante da inaplicabilidade da TR, o uso daquele índice seria a única consequência possível. A solução da Corte Superior Trabalhista, todavia, lastreia-se em uma indevida equiparação da natureza do crédito trabalhista com o crédito assumido em face da Fazenda Pública, o qual está submetido a regime jurídico próprio da Lei 9.494/1997, com as alterações promovidas pela Lei 11.960/2009. 4. A aplicação da TR na Justiça do Trabalho demanda análise específica, a partir das normas em vigor para a relação trabalhista. A partir da análise das repercussões econômicas da aplicação da lei, verifica-se que a TR se mostra inadequada, pelo menos no contexto da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), como índice de atualização dos débitos trabalhistas. 5. Confere-se interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, § 4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467, de 2017, definindo-se que, até que sobrevenha solução legislativa, deverão ser aplicados à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral (art. 406 do Código Civil), à exceção das dívidas da Fazenda Pública que possui regramento específico (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009), com a exegese conferida por esta Corte na ADI 4.357, ADI 4.425, ADI 5.348 e no RE 870.947-RG (tema 810). 6. Em relação à fase extrajudicial, ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, deverá ser utilizado como indexador o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15/IBGE), em razão da extinção da UFIR como indexador, nos termos do art. 29, § 3º, da MP 1.973-67/2000. Além da indexação, serão aplicados os juros legais (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991). 7. Em relação à fase judicial, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95; 84 da Lei 8.981/95; 39, § 4º, da Lei 9.250/95; 61, § 3º, da Lei 9.430/96; e 30 da Lei 10.522/02). A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem. 8. A fim de garantir segurança jurídica e isonomia na aplicação do novo entendimento, fixam-se os seguintes marcos para modulação dos efeitos da decisão: (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão, em ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória, todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento, independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal, devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC. 9. Os parâmetros fixados neste julgamento aplicam-se aos processos, ainda que transitados em julgado, em que a sentença não tenha consignado manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais). 10. Ação Declaratória de Constitucionalidade e Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas parcialmente procedentes.(ADC 58, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2020, DJe de 7/4/2021) No caso, o Juízo reclamado, após condenar o ora reclamante em ação trabalhista e determinar a realização de laudo contendo cálculo de liquidação de sentença, estabeleceu as seguintes premissas a serem observadas quanto à incidência de juros e correção monetária (doc. 7, fl. 1): 3. Por economia processual, fixam-se os seguintes critérios a serem observados por ocasião da elaboração da conta, ressalvada determinação diversa contida no título executivo: - no respeitante à correção monetária, adote-se como fator de atualização o IPCA-E e, para efeitos modulatórios, a incidência a partir de 26 de março de 2015; não obstante entendimento do Juízo em sentido diverso, diante da decisão liminar proferida na ADC nº 58 no dia 1º/7/2020, determino que também seja apresentado cálculo de liquidação adotando como único critério para correção monetária a taxa referencial, de modo a permitir a imediata execução pelo critério ressalvado pelo E. STF na liminar antes referida; Por oportuno, registro que o trânsito em julgado do processo na origem se deu em 13/10/2020, antes, portanto, da data da sessão de julgamento da ADC 58, que se deu em 18/12/2020. Considerado o teor da modulação de efeitos da decisão tomada no referido precedente, verifica-se que esta CORTE determinou que os parâmetros fixados naquele julgamento aplicam-se aos processos, ainda que transitados em julgado, em que a sentença não tenha consignado manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais). Na espécie, como visto acima, houve expressa manifestação quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros, mas não na sentença condenatória - pressuposto expressamente fixado na modulação de efeitos da decisão tomada na ADC 58 -, mas, sim, em decisão interlocutória datada de 19/10/2020, após, portanto, a data do trânsito em julgado da sentença condenatória, a qual possui, em síntese, o seguinte teor (doc. 4, fl. 6): Juros e correção monetária. Os valores correspondentes às parcelas deferidas na presente decisão deverão ser atualizados, com a incidência de juros e correção monetária, devendo ser observados os critérios e percentuais vigentes à época da liquidação de sentença. Nessas circunstâncias, verifica-se que o ato reclamado, proferido após a data da sentença, ao fixar como critérios a serem observados por ocasião da liquidação desta (a) o IPCA-E como fator de atualização e, para efeitos modulatórios, a incidência a partir de 26 de março de 2015; e (b) como único critério para correção monetária a taxa referencial, acabou por violar a determinação exarada no julgamento da ADC 58 no sentido de que: (a) em relação à fase extrajudicial, ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, deverá ser utilizado como indexador o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15/IBGE); e (b) em relação à fase judicial, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC. Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO PROCEDENTE o pedido para cassar a decisão impugnada e, em consequência, DETERMINO que a autoridade reclamada observe os parâmetros fixados na ADC 58, Rel. Min. GILMAR MENDES. Por fim, nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispenso a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República Publique-se. Brasília, 6 de maio de 2021. Ministro Alexandre de Moraes Relator Documento assinado digitalmente

(STF - Rcl: 47166 RS 0053257-16.2021.1.00.0000, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 06/05/2021, Data de Publicação: 10/05/2021)

Carine Bellini

Carine Bellini

Advogada.

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