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As audiências públicas no Supremo Tribunal Federal podem conferir maior legitimidade democrática para as decisões?

Em estudo de 22 audiências públicas ocorridas em uma década, foi constatado que em nove audiências apenas um dos onze Ministro esteve presente.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Atualizado às 14:04

(Imagem: Arte Migalhas)

As audiências públicas, tais quais temos hoje, remontam as public hearings do direito anglo-saxão, especialmente no século XVIII. No Brasil, de longa data já existe a audiência pública no Legislativo, mas no Judiciário é recente, sendo estipulado em lei apenas em 1999, nas leis números 9.868/99 e 9.822/99. O primeiro caso brasileiro se deu em 2007, com a ADIn 3.510, que tratava da lei de biossegurança.

Consiste, a audiência pública, como a oportunidade de participação do cidadão no processo de tomada de decisão de um processo judicial. Trata-se de uma sessão aberta ao público pré-selecionado para manifestação direta a respeito do tema que será julgado.

Quais seriam seus benefícios? São apontados dois principais ganhos:

i) A matriz democrática de seu funcionamento, que permite ampla participação popular;

ii) A possibilidade de melhor embasamento técnico para a decisão, com apresentação de diversos argumentos/dados que só experts na área poderiam trazer.

O cidadão tem a chance de participar, de opinar a respeito de temas que terão grande impacto, o que poderia trazer maior legitimidade democrática à decisão. De fato, a decisão será tomada, no âmbito do STF, por 11 ministros não eleitos. Se houver oportunidade de fala por membros da sociedade, resulta aparente ganho democrático, até de "voz da rua".

Ademais, há a chance de peritos da área contribuírem com dados e informações para enriquecer a decisão, tentando torna-la a mais abrangente possível.

Se se caracterizar esses benefícios, inegavelmente será um grande ganho para as decisões, mas é preciso auferir se ele se realiza na prática.

Para tanto, interessante observar alguns dados: Em estudo de 22 audiências públicas ocorridas em uma década, foi constatado que em nove audiências apenas um dos onze Ministro esteve presente (LEAL; HERDY; MASSADAS, 2018, p 354). Nesses 10 anos o ministro que mais referencia fez aos dados apresentados nas audiências foi Marco Aurélio, com 33 referencias, enquanto 3 ministros não fizeram sequer uma referencia em seus votos. Em 73 votos publicados, ao total desses 22 casos em 10 anos, existem apenas 118 referencias (LEAL; HERDY; MASSADAS, 2018, p 360).

Constata-se, assim, baixa utilização prática do instituto, principalmente se compararmos com outros países, como os Estados Unidos. LYNCH (2004, p. 23) em interessante pesquisa, aponta que em 70% dos casos de apresentação de memoriais do amicus curie solicitor general (que seria próximo do que temos por procurador) são lidas e aproveitadas.

Portanto, em rápida análise, o instituto ainda é utilizado de maneira aquém de suas possibilidades, tendo em vista, principalmente, a baixa assiduidade dos Ministros e poucas referencias feitas em seus votos, como pudemos concluir em outro trabalho (LOCATELLI, LULIA, 2021, p. 443), de modo que não é possível falar que hoje uma audiência pública no Supremo seja apta a conferir maior legitimidade democrática a decisão (se comparada com uma decisão daquela corte sem a audiência pública).

Logo, ainda há um longo caminho para melhor prática e utilização da audiência pública.

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LEAL, Fernando; HERDY, Rachel; MASSADAS, Júlia. Uma década de audiências públicas no Supremo Tribunal Federal. Revista de investigações constitucionais, Curitiba, vol 5, n.1, , p. 331-372, 2018.

LOCATELLI, Alexandre Lagoa; LULIA, Luciana de Toledo Temer. Análise das audiências públicas como ferramenta de legitimação democrática das decisões do Supremo Tribunal Federal. Revista Húmus, v.11, n.31, 2021.

LYNCH, Kelly J. Best Friends? Supreme court law clerks on effective amicus curiae briefs.Jornaul of Law & Politics, vol 20, 2004

Alexandre Lagoa Locatelli

Alexandre Lagoa Locatelli

Mestre em direito, pós graduado em Civil e consumidor. Pós graduando em processo civil. Graduado pelo Mackenzie. Instrutor no Tribunal de Ética. Sócio do CLLA Advogados.

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