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Honorários por equidade na extinção da execução?

Longe dos holofotes, o STJ vem entendendo que os honorários devem ser fixados por equidade se a decisão extintiva da execução não gerar efeitos sobre a dívida.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Atualizado às 14:05

(Imagem: Arte Migalhas)

A apreciação equitativa dos honorários fora das hipóteses expressas do art. 85 §8º é questão polêmica. No STJ, dois Temas sob o rito dos repetitivos endereçam a temática. 1 E, no STF, a ADC 71 visa à declaração de validade dos dispositivos sobre honorários de sucumbência do novo código. 2

Mas, deixando de lado essa discussão sobre a abrangência da regra do §8º do art. 85, quase que sem alarde o Superior Tribunal de Justiça [algumas de suas Turmas] vem decidindo sobre situações fáticas que se amoldam ao suporte normativo do arbitramento equitativo. Uma delas, ilustrada pelos RESp 1.776.512/SP e RESp 1.875.161/RS, é a extinção da execução.

No primeiro caso, depois de citada em execução fiscal (valor de R$ 32.449.607,93), a empresa devedora alegou que o débito era objeto de outras ações, nas quais havia obtido liminar sustando as autuações fazendárias. O Município exequente, então, pleiteou a desistência da demanda executiva. Em sentença, o juízo homologou o pedido e fixou honorários no patamar mínimo previsto no §3º do art. 85. A municipalidade apelou.

O TJSP deu provimento ao recurso, fixando honorários em R$ 15.000,00, com fundamento na inexistência de condenação ou proveito econômico, já que a extinção da execução não havia ocorrido pela extinção da dívida, que seguiria em discussão nos feitos conexos. Houve interposição de recurso especial.

A 1ª Turma do STJ, ao julgar o RESp 1.776.512/SP, ratificou o entendimento: decidiu que, extinta a execução fiscal, mas sem repercussão sobre a dívida, o proveito econômico é inestimável. No máximo, a discussão seria postergada, ganho de tempo que não seria passível de estimação econômica.

Já no segundo caso, um banco ajuizou execução de título extrajudicial no valor de R$ 34.579.423,49. O devedor, citado, apresentou embargos, suscitando a inexequibilidade do título. As alegações foram acolhidas pelo juízo, que extinguiu a execução e fixou os honorários em R$ 20.000,00. As partes recorreram.

No TJRS, apenas a apelação do devedor foi provida, especificamente para fixar honorários em 10% sobre o proveito econômico obtido, com base no §2º art. 85. O banco interpôs recurso especial.

No julgamento do RESp 1.875.161/RS, a 3ª Turma do STJ reformou a decisão do Tribunal Gaúcho e fixou honorários por equidade em R$ 50.000,00.

Com menção ao RESp 1.776.512/SP, a 3ª Turma entendeu que se a extinção não impacta a questão de fundo (existência ou valor da dívida), o proveito econômico é inestimável, pois o credor ainda poderá realizar a cobrança na via adequada.

A ratio das decisões leva a crer que, ocorrendo a extinção da execução, sem que haja declaração sobre a existência, validade ou valor da dívida, não haveria proveito econômico estimável, o que atrairia a apreciação equitativa dos honorários (§8º). Sem entrar no mérito do acerto [ou não] da premissa, que foge do objeto do ensaio, essa ratio pode - em tese - ser estendida às hipóteses de extinção sem mérito previstas no art. 485, do CPC.

Por exemplo, na extinção por abandono de causa ou indeferimento da inicial 3, a decisão não produz nenhum efeito sobre o direito de crédito em si.

O mesmo ocorre na extinção por preempção, litispendência ou coisa julgada. A preempção apenas impede o exercício do direito de ação em razão da ocorrência de três pretéritas extinções por abandono, mas sem repercussão sobre a existência, validade ou demais eficácias do direito subjetivo.

Na litispendência, o juiz não decide acerca da dívida: apenas declara que aquela execução não tem condições de procedibilidade porque há outra ação em curso com pretensão idêntica. Esse entendimento, inclusive, foi expresso no RESp 1.848.890/RS, relatado pelo Min. Benedito Gonçalves (1ª Turma).

De igual modo, a decisão que extingue (total ou parcialmente) a execução com fundamento em coisa julgada não decide sobre o crédito. Outra decisão, em outra ação, é que decidiu sobre a questão de fundo. Nesta outra ação, sim, pode ter havido proveito econômico estimável, mas não na execução extinta por coisa julgada.

Quanto à extinção pela homologação de desistência, a decisão não repercute sobre a dívida, apenas extingue a ação a pedido do credor. 4 No ARESp 1864337/SP o entendimento foi aplicado, também, para justificar a apreciação equitativa dos honorários após extinção dos embargos pelo devedor.

Como exemplo de extinção por falta de interesse processual, podemos citar a extinção por falta de exigibilidade do título (ex. ajuizamento da ação antes do vencimento) e a extinção da execução por constituir meio inadequado à cobrança do crédito (medida inadequada). No primeiro caso, o credor ainda poderia cobrar o título após o vencimento, em havendo inadimplência. No segundo, poderia realizar a cobrança na via adequada, não-executiva. Em ambos, a dívida não deixaria de existir e, por isso, a ratio do STJ seria aplicável.

A extinção por ilegitimidade passiva desperta maiores controvérsias. Até recentemente, em sede de execução fiscal, a 1ª Turma do STJ entendia que o proveito econômico corresponderia ao valor da dívida tributária - e seria estimável, atraindo o §3º do art. 85 (AgInt no REsp 1.818.118/RS).

Contudo, no ARESp 1.423.290/PE, a Turma decidiu que, apesar da exclusão por ilegitimidade, o crédito tributário continuaria exigível em sua totalidade do devedor principal e/ou corresponsáveis, razão pela qual a declaração de ilegitimidade não afetaria a dívida em si. Como resultado, os honorários deveriam ser fixados por equidade (§8º).

Numa primeira análise, parece que se a parte é incluída no polo passivo da execução, isso significa que o credor imputa a ela responsabilidade patrimonial pela dívida. Por isso, sua eventual exclusão aparenta gerar proveito econômico estimável do tipo poupança de despesas (sujeito ao §2º do art. 85), pelo menos sob um ponto de vista relacional (subjetivo), pois a decisão define que aquela parte não tem responsabilidade por aquela dívida perante aquele credor.

Essa lógica, todavia, não parece extensível aos casos em que há devedores/coobrigados plúrimos. É a situação, por exemplo, do responsável tributário, fiador ou avalista.

Isso porque, mesmo que a parte fosse mantida no polo passivo da execução (e pagasse a dívida ou parte dela), ainda poderia - em tese - reaver o desembolso, ou parte dele, frente ao devedor principal ou devedores solidários, exercendo o direito de regresso ou sub-rogando-se na posição do antigo credor. Em outras palavras: apesar da despesa, ainda teria crédito, de recuperabilidade inestimável.

Então, parece-nos que a existência ou não de direito de regresso ou de sub-rogação - em abstrato - é o critério que deveria nortear a aplicação da fixação equitativa em caso de exclusão por ilegitimidade, e não o fato de a dívida continuar existente, válida e exigível perante os demais devedores - diferentemente do que foi decidido no ARESp 1.423.290/PE.

Há espaço para uma última provocação. Embora o reconhecimento da prescrição não configure extinção sem mérito, a ratio pode ser estendida à execução extinta com fundamento em prescrição, quando o credor ainda puder cobrar a dívida em outra via.

Exemplificando: as Cédulas de Crédito (ex. cédula de Crédito Bancário, Cédula de Crédito Rural, etc.) são títulos dotados de eficácia executiva. O prazo para ajuizar execução com base em Cédulas é trienal, contado do vencimento final (art. 206, §3º, inc. VIII, do CC). Contudo, o credor pode ajuizar ação monitória ou ação de cobrança, sendo aplicável, neste caso, o prazo prescricional quinquenal (art. 206, §5º, inc. I, do CC).

Então, apesar de eventual extinção da demanda executiva pela prescrição trienal (art. 487, inc. II, do CPC/15), o credor ainda poderia realizar a cobrança do título pela via da ação monitória ou ação de cobrança, cujo prazo é de cinco anos.

Nesses casos, em que o juízo declara a extinção da pretensão executiva, mas remanescem outras pretensões exercíveis, a ratio se aplicaria, e os honorários deveriam ser fixados por equidade. Essa é a solução extraível do RESp 1.875.161/RS. Diversamente, se a decisão fulminar in totum a exigibilidade do direito, a ratio parece não incidir.

Feitas essas digressões, que extraem consequências da ratio, o ensaio comporta duas observações [não-conclusivas] para problematiza o acerto do que foi decidido pelas Turmas do STJPrimeiro: a apreciação por equidade em caso extinção da execução seria conciliável com o §6, do art. 85, que prevê a aplicabilidade do §§ 2º e 3º "independentemente de qual seja o conteúdo da decisão", mesmo nas sentenças sem resolução de mérito? Segundo: nas hipóteses mencionadas ao longo do ensaio, efetivamente estaríamos diante de proveito econômico inestimável? É dizer, estaria correto o enquadramento normativo do fato? Possíveis respostas ficam para um próximo ensaio.

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1 O tema 1046 tem por controvérsia "a possibilidade de fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil de 2015." O tema 1076 trata do "do alcance da norma inserta no § 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados."

2 ADC 71. Disponível em: clique aqui.

3 Neste caso, estando o executado já representado por advogado.

4 Se houver embargos tratando do mérito da dívida, a desistência depende da anuência do embargante (art. 775, inc. II).

João Pedro Kostin Felipe

João Pedro Kostin Felipe

Advogado. Mestre em direito das relações sociais pela UFPR.

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