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Modos de disputa na nova lei de licitações

Os modos de disputa são procedimentos adotados durante a apresentação das propostas dos licitantes para selecionar aquela mais vantajosa para a administração. Sobre o tema, o artigo analisa o que prevê a nova lei de licitações, comparando-a com as demais normas existentes a respeito.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Atualizado em 21 de julho de 2021 11:03

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A lei 14.133/2021, nova Lei de Licitações e Contatos Administrativos, prevê, para a fase de apresentação de propostas e lances, os modos de disputa aberto e fechado. Neste artigo, faremos uma análise do que estabelece a nova lei quanto ao tema, comparando suas disposições com as regras existentes a respeito em outras normas de licitação.

Os modos de disputa são procedimentos adotados na fase de apresentação das propostas e lances para selecionar a proposta mais vantajosa para a administração, podendo consistir em disputa fechada ou disputa aberta, que podem ser adotadas isolada ou conjuntamente.

A lei 8.666/1993 e a lei 10.520/2002 (Lei do Pregão) não preveem textualmente os modos de disputa, embora, na prática, de modo geral, a apresentação de envelopes fechados nas licitações tradicionais corresponda ao modo de disputa fechado e os lances do conhecido pregão, ao modo aberto. A previsão legal expressa dos modos de disputa, com essa denominação, surgiu com o art. 17 da lei 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações - RDC), regulamentado pelos arts. 15 a 24 do decreto 7.581/2011 (Regulamento do RDC), e, posteriormente, com arts. 52 e 53 da lei 13.303/2016 (Lei das Estatais). Também os arts. 31 a 33 do decreto 10.024/2019 (Novo Regulamento do Pregão Eletrônico), dispõem hoje sobre os modos de disputa aberto e fechado para o pregão eletrônico.

Na nova Lei de Licitações, os modos de disputa para as licitações em geral estão previstos nos arts. 56 e 57. Sendo a lei bastante recente, publicada em 1º/4/2021, tais procedimentos ainda serão, provavelmente, objeto do devido detalhamento na regulamentação. Neste trabalho, além de comentar as disposições legais, abordaremos as prováveis soluções que o decreto regulamentar ou, na sua ausência, o próprio edital da licitação, poderá adotar a respeito do tema.

Segundo o art. 56 da lei 14.133/2021, a disputa aberta consiste na apresentação de propostas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, os quais serão de conhecimento dos participantes em tempo real, durante a disputa, inclusive para que eles possam apresentar lances melhores no tempo disponível da sessão pública. Já a disputa fechada, conforme o mesmo artigo, não envolve lances, pois refere-se à apresentação de proposta única para cada licitante, que permanecerá sigilosa até a data e hora designadas para a divulgação de todas as propostas.

Na disputa aberta, o caráter crescente ou decrescente dos lances dependerá do critério de julgamento adotado. Se for adotado o de maior lance, utilizado nos leilões, os lances serão crescentes; já para os demais critérios, notadamente o de menor preço e o de maior desconto, os lances serão decrescentes (note-se que um maior desconto representa um menor preço de contratação). A ideia, em qualquer caso, é que os licitantes possam apresentar lances cada vez mais vantajosos para a Administração, até que a disputa aberta se encerre.

Os dois modos podem ser utilizados de forma isolada ou conjunta (combinada)1. Havendo a utilização conjunta dos modos aberto e fechado, o edital deverá definir qual deles será primeiramente utilizado. Se a sequência for primeiro o modo fechado e depois o aberto, o edital deverá definir quantas propostas, dentre as melhores classificadas na disputa fechada2, seguirão para a fase de lances sucessivos (disputa aberta). Já se for adotada antes a disputa aberta e depois a fechada, deverá o edital, do mesmo modo, estabelecer quantas propostas, dentre as melhores classificadas na fase de lances, poderão evoluir para uma proposta final, fechada3.

Na disputa aberta, a data e o horário de início e o tempo durante o qual os lances poderão ser oferecidos deverão ser definidos no edital. Poderá ser adotado o tempo randômico (aleatório), em que o sistema eletrônico, em determinado momento, encaminhará um aviso de fechamento iminente dos lances, após o que transcorrerá um período de tempo aleatoriamente determinado, cuja duração máxima estará também prevista no edital (ex.: trinta minutos), findo o qual será automaticamente encerrada a recepção de lances4.

Outra opção é haver uma duração predeterminada no edital para a fase de lances (ex.: uma hora), após sua abertura na data e horário predefinidos, com possibilidade de prorrogação (por ex., por mais dez minutos), caso haja novos lances ao final da duração inicial (por exemplo, nos últimos dez minutos). Surgindo novos lances na prorrogação, podem ser feitas ainda sucessivas prorrogações, até que os lances finalmente se esgotem5 ou seja atingido um prazo máximo total.

O sistema eletrônico pode realizar o controle dos lances em tempo real, inadmitindo aqueles que não se enquadrem nas regras do edital. No caso de disputa aberta presencial, que, atualmente, tende a se tornar mais rara, a oferta de lances verbais poderá ocorrer de forma sequencial, a partir do autor da proposta menos vantajosa, considerando-se desistente de novo lance o participante que não o apresentar na sua vez, com a manutenção do último valor por ele ofertado, salvo se detentor da melhor proposta, quando poderá apresentar novo lance se o seu for coberto6. Por outro lado, sendo a disputa presencial fechada, as propostas deverão ser apresentadas em envelopes lacrados, abertos em sessão pública, na forma tradicionalmente conhecida.

O art. 56, § 1º, da nova Lei de Licitações veda a utilização isolada do modo de disputa fechado quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto. Nesses casos, ou se adota a disputa exclusivamente aberta, ou a combinação dos modos fechado e aberto. A ideia é aumentar a oportunidade de os licitantes melhorarem suas propostas, por meio dos lances, permitindo à Administração conseguir um menor preço ou maior desconto do que conseguiria com o uso apenas da disputa fechada.

Além disso, a lei não autoriza o emprego do modo de disputa aberto quando utilizado o critério de julgamento de técnica e preço (art. 56, § 2º). Tal critério considera a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos do edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta, devendo ser avaliadas e ponderadas, inicialmente, as propostas técnicas e, em seguida, as propostas de preço, na proporção máxima de 70% de valoração para a proposta técnica (art. 36).

Como o critério de técnica e preço envolve o emprego de fórmula predeterminada, com valoração da proposta técnica e conversão das propostas de preços em notas, o legislador achou por bem, neste caso, não permitir a oferta de lances sobre as propostas de preços, o que poderia gerar dúvidas na aplicação final da fórmula. Por isso, embora não esteja claro na lei, parece-nos que a disputa aberta está vedada para esse critério de julgamento tanto de forma isolada, como de forma combinada com a disputa fechada, restando apenas a possibilidade do modo de disputa exclusivamente fechado.

A propósito, pela mesma razão, embora não proibido expressamente pela lei, visualizamos como de difícil aplicação o emprego da disputa aberta com o critério de melhor técnica ou conteúdo artístico, o qual considera exclusivamente as propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes (art. 35), cuja natureza não parece se coadunar com o oferecimento de lances.

O edital poderá estabelecer, durante a disputa aberta, a possibilidade de apresentação de lances intermediários pelos licitantes. São considerados intermediários: 1) quando adotado o critério de julgamento de maior lance, os lances iguais ou inferiores ao maior já ofertado, mas superiores ao último lance dado pelo próprio licitante; ou 2) quando adotados os demais critérios de julgamento (notadamente, o de menor preço ou o de maior desconto), os lances iguais ou superiores ao menor já ofertado, mas inferiores ao último lance dado pelo próprio licitante7. A característica dos lances intermediários, portanto, é que eles não cobrem (não superam) o melhor lance até o momento, podendo somente aproximarem-se dele ou, no máximo, igualá-lo.

Na hipótese de um lance intermediário igualar o melhor lance anteriormente ofertado, o edital poderá admitir que este seja melhorado pelo respectivo participante, evitando o empate. Permanecendo a igualdade entre os lances, lançar-se-á mão dos critérios de desempate legalmente previstos, inicialmente, se for o caso, os que favorecem as microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos dos arts. 44 e 45 da LC 123/20068, seguidos dos critérios gerais de desempate previstos no art. 60 da lei 14.133/2021.

A possibilidade de lances intermediários permite que a administração obtenha propostas mais vantajosas dos licitantes que, em princípio, não vencerão a disputa, mas que poderão vir a serem convocados para contratação, caso o vencedor seja, por exemplo, inabilitado na fase de habilitação, a qual, com a nova Lei, passa a ocorrer, em regra, após as fases de apresentação e de julgamento das propostas (art. 17), como já ocorre com o RDC (art. 12 da lei 12.462/2011).

Um exemplo pode aclarar a importância dos lances intermediários. Seja uma licitação para compra de equipamentos pela Administração, pelo critério do menor preço. O licitante A cobra o valor de R$ 120.000,00, o licitante B faz uma proposta de R$ 140.000,00 e o licitante C, de R$ 150.000,00. Mediante lances intermediários, B consegue chegar a R$ 125.000,00 e C, a R$ 120.000,00. A, então, para evitar o empate com C, faz um novo lance, de R$ 110.000,00, sendo declarado vencedor. Se não tivesse havido os lances intermediários, a administração teria pago o valor de R$ 120.000,00. Note-se ainda que as classificações de B e C se inverteram após os lances intermediários.

Após estabelecida a vencedora, outro mecanismo para a administração melhorar as outras propostas ofertadas é o reinício da disputa aberta, para a definição das demais colocações, as quais, como visto acima, podem ser alteradas pelos lances intermediários. O reinício da disputa é autorizado pelo art. 56, § 4º, da nova lei quando, nos termos do edital, após a definição da melhor proposta, a diferença em relação à proposta classificada em segundo lugar é de pelo menos 5% (cinco por cento)9.

Vale citar que o art. 21, § 3º, do decreto 7.581/2011 (regulamento do RDC) prevê, para o RDC, que, havendo o reinício da disputa aberta, os eventuais lances iguais, ao final dessa disputa, serão classificados conforme a ordem de apresentação. Embora lógico, esse critério de desempate não é previsto no art. 25 da lei 12.462/2011 (lei do RDC), sendo uma inovação do regulamento. Tampouco consta do art. 60 da nova Lei de Licitações. Não obstante, pode-se admitir - não sem certa polêmica - que o regulamento da lei 14.133/2021 venha também a prever tal critério de desempate, interpretando o citado art. 60 restritivamente, considerando que ele fala de empate entre duas ou mais propostas, não entre os lances intermediários da disputa aberta reiniciada.

A nova Lei de Licitações estabelece também, no art. 57, que o edital de licitação poderá estabelecer intervalo mínimo de diferença de valores entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação à proposta que cobrir (ultrapassar) a melhor oferta. A ideia é evitar lances muito próximos uns dos outros (às vezes com diferença de poucos reais ou mesmo de centavos), com a consequente eternização da disputa.

Parece-nos possível interpretar que o edital poderá, se a administração entender conveniente, estabelecer o intervalo mínimo apenas para as propostas que cobrirem a melhor oferta ou apenas para os lances intermediários, bem como definir intervalos diferentes para aquelas e para estes. Note-se também que o edital, ao adotar o intervalo mínimo para os lances intermediários, acabará, na prática, vedando a possibilidade de que tais lances sejam apenas iguais (não melhores) ao melhor ofertado.

Para o RDC, essa regra de intervalo mínimo entre as propostas é prevista apenas no seu regulamento (art. 18, par. ún.). No decreto 10.024/2019 (Novo Regulamento do Pregão Eletrônico), há também regra similar (art. 30, § 3º; art. 31, par. ún.), prevendo a definição do intervalo mínimo entre os lances não apenas em valores (reais), mas também em percentuais. Entendemos que o art. 57 da nova Lei de Licitações pode ser interpretado de forma ampliativa, para autorizar que também se aplique a sistemática dos intervalos mínimos em percentuais para as licitações em geral.

Vejamos um exemplo. Numa licitação de menor preço, seja o valor proposto mais baixo até o momento de R$ 100.000,00. Se o edital trouxer um intervalo mínimo entre as propostas, por exemplo, de 3% em relação ao último preço apresentado, o próximo valor a ser ofertado deverá ser, no máximo, de R$ 97.000,00. Oferecido este, o próximo lance terá que ser, pelo menos, R$ 2.910,00 (R$ 97.000,00 x 3%) menor do que o anterior, ou seja, R$ 94.090,00, e assim por diante.

Para o pregão eletrônico, seu regulamento10 (decreto 10.024/2019) prevê (art. 31) a utilização apenas ou do modo de disputa aberto, ou da combinação dos modos aberto e fechado, sendo, neste caso, aquele realizado antes deste.

Segundo o art. 32 desse decreto, no pregão eletrônico com disputa exclusivamente aberta, a etapa de envio de lances durará dez minutos e, após isso, será prorrogada automaticamente pelo sistema quando houver lance ofertado nos últimos dois minutos da sessão pública. Essa prorrogação será de dois minutos e ocorrerá sucessivamente se houver lances nesse período de prorrogação, inclusive lances intermediários. Não havendo novos lances, a sessão será encerrada automaticamente. Encerrada a sessão sem prorrogação automática, o pregoeiro poderá ainda admitir o reinício do envio de lances, para obtenção de melhor preço.

Já o art. 33 prevê que, no pregão eletrônico com disputas aberta e fechada combinadas, o envio de lances durará quinze minutos, após o que o sistema encaminhará aviso de fechamento iminente dos lances e, transcorrido o prazo de até dez minutos, aleatoriamente determinado, a recepção de lances será encerrada. O sistema então permitirá que o autor da menor oferta e os daquelas até 10% maiores ofereçam um lance final e fechado em até cinco minutos. Não havendo pelo menos três ofertas nessas condições, poderão participar da disputa fechada os autores dos melhores lances subsequentes, até o máximo de três. Se todos os lances fechados forem desclassificados, haverá o reinício da etapa fechada para que os demais licitantes, até três, ofertem lances finais e fechados. Finalmente, se todos os classificados na etapa fechada forem inabilitados, o pregoeiro poderá reiniciar essa etapa.

Essas são, em resumo, as regras atualmente vigentes para os modos de disputa aberto e fechado nas licitações. Certamente o regulamento da nova Lei de Licitações, a doutrina e a jurisprudência, inclusive a do Tribunal de Contas da União, ainda se debruçarão e aperfeiçoarão os entendimentos a respeito desses procedimentos, que, como visto, são bastante úteis à Administração para a obtenção da proposta mais vantajosa para contratação.

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1 Na lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), só se admite a combinação dos dois modos de disputa quando o objeto da licitação puder ser parcelado para ampliar a participação de licitantes, sem perda de economia de escala (art. 32, III; art. 52, caput).

2 Ex.: as cinco melhores propostas; ou então a melhor e aquelas com diferença de até 10% daquela.

3 Ver, a propósito, o art. 24 do decreto 7.581/2011 (Regulamento do RDC), bem como o art. 33 do decreto 10.024/2019 (Novo Regulamento do Pregão Eletrônico).

4 A exemplo do que era previsto no art. 24, § 7º, do decreto 5.450/2005 (Antigo Regulamento do Pregão Eletrônico), hoje revogado pelo decreto 10.024/2019.

5 De forma semelhante à adotada no art. 32 do Novo Regulamento do Pregão Eletrônico.

6 Ver, por exemplo, o art. 19, II e III, do Regulamento do RDC.

7 Note-se que, no critério de maior desconto, o lance intermediário apresentará um desconto igual ou inferior ao maior desconto ofertado, mas superior ao último desconto dado pelo próprio licitante, pois, quanto maior o desconto, menor o preço final da contratação.

8 Conforme, inclusive, previsão expressa na Nova Lei de Licitações (art. 60, § 2º). Embora a Lei mencione apenas o art. 44 da Lei Complementar nº 123/2006, o art. 45 desta Lei Complementar apresenta os procedimentos para a aplicação do art. 44, devendo ser considerado igualmente aplicável para o desempate.

9 A Lei do RDC (art. 17, § 1º, II) e a Lei das Estatais (art. 53, II) também preveem a possibilidade de reabertura da disputa aberta, mas com percentual de diferença entre as propostas mais rigoroso para tanto, de pelo menos 10% (dez por cento).

10 O qual poderá, inclusive, continuar a regulamentar a nova Lei de Licitações, salvo um ou outro dispositivo que seja com ela incompatível.

Luciano Henrique da Silva Oliveira

Luciano Henrique da Silva Oliveira

Advogado e consultor jurídico nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Regulatório, Civil, Urbanístico, Imobiliário e Empresarial. Professor em cursos de extensão e pós-graduação. Mestre em Poder Legislativo. Especialista em Regulação de Serviços Públicos, em Direito Legislativo e em Direito Notarial e Registral. Bacharel em Direito pela UnB. Sócio fundador do escritório Luciano Henrique Oliveira Advocacia e Consultoria Jurídica.

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