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Reforma tributária ou "cavalo de tróia tributário"?

O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo que não tributa os dividendos, mas, em contrapartida, está entre os cinco países com maior carga tributária.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Atualizado às 13:52

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente, a segunda fase do Projeto de Reforma Tributária foi apresentada como "um presente" ao povo brasileiro. A divulgação foi no sentido de "tirar dos ricos para dar aos pobres", no bom e velho estilo "Robin Hood".

Sem adentrar a quaisquer discussões políticas, na prática, o Projeto de lei 2337/21 nada mais é do que mais uma proposta de majoração de tributos.

Certamente, o renomado investidor/professor Bruno Perini, se fosse expert tributário nomearia o Projeto de "Cavalo de Troia Tributário" - mencionando o famoso episódio em que os soldados gregos se esconderam dentro de um grande cavalo de madeira que foi dado aos troianos como "presente".   

O projeto trouxe inúmeras mudanças relativas a tributação dos rendimentos isentos e tributáveis na pessoa física (incluindo trabalho assalariado e investimentos), bem como regras de apurações da pessoa jurídica.

A seguir, demonstrarei, de forma breve e didática, os reais impactos tributários econômicos dos principais pontos do Projeto (com exceção dos relativos a investimentos).

 IMPACTO DIRETO NA TRIBUTAÇÃO DAS PESSOAS FÍSICAS QUE POSSUEM RENDIMENTOS TRIBUTÁVEIS

Mais de 95% dos obrigados a transmitir declarações de imposto de renda são contribuintes assalariados/contratados pelo regime celetista, com rendimentos tributados na fonte e sujeitos a ajustes anuais - na entrega da DIRPF.

No Projeto de lei, enfim, consta a tão esperada nova tabela progressiva, a ser aplicada a partir de 2021 (frise-se, muito menor do que a devida considerando a inflação dos últimos anos).

Entretanto, neste mesmo projeto, há uma alteração significativa na forma de cálculo do ajuste anual que não foi divulgada e que majorará a carga tributária da grande maioria que ganha mais de R$ 4.500,00 (valor bruto). Explicamos!

Atualmente, há dois tipos de declaração: i) a completa, onde é permitido deduzir despesas médicas, dependentes, instruções, etc... e a ii) a simplificada, onde a dedução permitida corresponde a 20% dos rendimentos tributáveis limitado a R$ 16.754,34 1.

A maioria esmagadora dos contribuintes opta pelo regime ii), pois é a sistemática que lhe é mais vantajosa. E é exatamente sobre essa sistemática a alteração significativa que foi trazida no projeto: Apenas quem ganha até R$ 40.000,00 brutos no ano poderá optar pelo regime ii) - simplificado, os demais, estarão obrigados ao regime i) - declaração completa.

Em outras palavras, podemos dizer que o contribuinte que possui salário bruto mensal acima da dízima periódica R$ 3.333,33 estará obrigado a entregar a declaração pelo regime completo.

Na prática, considerando uma pessoa sem despesas dedutíveis (muitos dos contribuintes que se enquadrarão nessa regra possuem apenas pequenos valores pagos de convênio, uma vez que a maior parcela é incorrida pela empresa contratante), mesmo com a atualização tabela, teríamos uma redução efetiva de IR de aproximadamente R$ 270 (ano) para que ganha até R$ 3.500,00 e uma majoração efetiva de mais de R$ 1.050,00 (ano) para quem ganha R$ 4.500,00.

Para aqueles que ganham abaixo de R$ 3.500,00 bruto houve, de fato, uma pequena redução. Todavia, você, que ganha mais de R$ 4.500,00 não deve "comemorar" a atualização da tabela e torcer pela aprovação do Projeto de lei, pois, claramente, pagará mais Imposto de Renda 2.

 IMPACTO INDIRETO NAS PESSOAS FÍSICAS - AUMENTO EFETIVO NA TRIBUTAÇÃO NAS GRANDES EMPRESAS E TRIBUTAÇÃO DOS DIVIDENDOS

O mesmo projeto trouxe redução progressiva da alíquota do IRPJ (atual 15%, em 2022 para 12,5% e em 2023 para 10%) 3, porém, em contrapartida, trouxe a extinção do Juros sobre Capital Próprio (JCP) e a tributação dos dividendos.

Em poucas palavras, podemos dizer que o JCP é uma ferramenta contábil/tributária que permite, para as empresas do lucro real, uma economia efetiva de 19% s/ o total apurado (com base na aplicação da TJLP s/ o PL ajustado da empresa). Vale ressaltar que grande parte das empresas optantes pelo lucro real (em geral, empresas de médio/grande porte) e que tem IRPJ/CSLL a pagar utilizam essa benesse.

Além disso, o Projeto de lei, traz outros itens que irão majorar o IRPJ/CSLL de grupos de empresas, tais como: a obrigatoriedade das "holdings imobiliárias"/detentoras de marcas serem optantes pelo lucro real, mudanças sobre o ágio, stock options e SCPS.

Ademais, como pá de cal, "foi instituída" uma alíquota de 20% sobre os dividendos que excederem a R$ 20.000,00 por mês, por pessoa física.

É bem verdade que o Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo que não tributa os dividendos, mas, em contrapartida, está entre os cinco países com maior carga tributária. Ora, se a mudança for aprovada, iremos ao majoritário rol que tributa os dividendos e teremos a carga tributária efetiva maior ainda.

E quem você acha que pagará por isso? O grande empresário? As multinacionais?

Escutei muitos contribuintes elogiando essa parte do Projeto, no sentido de "quem ganha mais, será mais tributado", porém, basta ter uma noção básica de administração, economia e formação de preço, para afirmar que quem pagará a conta é você, consumidor. 

Com a majoração da carga tributária efetiva (já considerando os dividendos que serão repassados aos sócios), as planilhas de formação de preço dos "grandes" serão revistas e, certamente, os preços serão ajustados. E preço subindo é sinal de que? Inflação maior, juros maiores, menor poder de compras....

Reforma tributária para incentivar o empreendedorismo e simplificar as apurações sem aumento efetivo de tributos? Acho que verei a Bélgica ser campeã da Copa Mundo antes disso acontecer no Brasil!

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1 Valor utilizado para desconto simplificado na Declaração de Ajuste Anual transmitida em 2021.
2 Salvo raríssimas exceções - onde a pessoa tem despesas significativas a deduzir.
3 Desconsiderando o Adicional Federal de Imposto de Renda que incide sobre a parcela da base de cálculo que exceder a R$ 240.000,00 ano.

 

Elias Cohen Júnior

Elias Cohen Júnior

Advogado.

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