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Vitimologia

No campo das ciências relacionadas com o Direito Penal, mais especificamente no quadro da Criminologia, muitas investigações surgem acerca da Vitimologia, que analisa a contribuição do ofendido como causa ou condição do evento delituoso. São exemplos rotineiros os crimes contra a pessoa (homicídio, lesões corporais, ameaça), contra o patrimônio (furto, estelionato, roubo) contra os costumes (estupro), e muitas outras situações típicas. Também na legislação especial surgem muitos casos nos quais o comportamento da vítima pode provocar ou estimular a ação criminosa, ainda que a mesma não tenha tal propósito. Assim ocorre nos ilícitos contra o consumidor e no trânsito de veículos automotores. A grande maioria desses crimes de circulação ocorre na forma culposa.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Atualizado em 25 de janeiro de 2007 15:34


Vitimologia

Thais Precoma Guimarães*

No campo das ciências relacionadas com o Direito Penal, mais especificamente no quadro da Criminologia, muitas investigações surgem acerca da Vitimologia, que analisa a contribuição do ofendido como causa ou condição do evento delituoso. São exemplos rotineiros os crimes contra a pessoa (homicídio, lesões corporais, ameaça), contra o patrimônio (furto, estelionato, roubo) contra os costumes (estupro), e muitas outras situações típicas. Também na legislação especial surgem muitos casos nos quais o comportamento da vítima pode provocar ou estimular a ação criminosa, ainda que a mesma não tenha tal propósito. Assim ocorre nos ilícitos contra o consumidor e no trânsito de veículos automotores. A grande maioria desses crimes de circulação ocorre na forma culposa.

Não se confundem as expressões Vitimologia e vitimização. A primeira é a disciplina científica auxiliar do Direito Penal; a segunda é o processo de ofensa física ou moral tendo por objeto uma pessoa ou um animal.

O termo Vitimologia surgiu em 1947, quando um advogado de Jerusalém, BENJAMIM MENDELSOHN, realizou uma palestra com o título: "Um horizonte novo na ciência biopsicosocial: a Vitimologia". Seu primeiro livro foi publicado em 1956, sustentando a autonomia científica da Vitimologia em relação à Criminologia. E acentuou ser impossível fazer justiça deixando a vítima de lado. Estabeleceu, ainda, uma importante classificação: a) vítima totalmente inocente, que não tem "culpa" na infração penal, ou seja, não concorre de forma alguma para o evento (p.ex. o infanticídio); b) vítima por ignorância, que é menos culpada que o delinqüente (p.ex. andar em um lugar perigoso sendo imprudente); c) vítima tão culpada quanto o delinqüente, sendo que elas dão causa ao resultado (como a rixa, ou estelionato); d) vítima mais culpada que o delinqüente, que o provoca (p.ex. os homicídios privilegiados praticados após injusta provocação); e) vítima como única culpada (p.ex. suicídio).

Outras hipóteses do cotidiano forense podem ainda ser lembradas: a) a mulher que ostenta jóias e roupas caras em lugar freqüentado por indivíduos desempregados e de má formação moral; b) o motorista que provoca outros condutores no trânsito, dando "fechadas"; c) a jovem que desfila com trajes menores à noite em lugar deserto.

Além de MENDELSOHN também merece destaque HANS VON HENTIG, com a sua obra "The criminal and his victim", publicada em 1948, tratando das atitudes do sujeito passivo para colaborar com a ação do delinqüente.

Na Espanha, em 1970, com o VI Congresso Internacional de Criminologia, surgiu a idéia de um Simpósio Internacional de Vitimologia, que passou a ser realizado em várias partes do mundo, a partir de 1973.

Em nosso país as discussões sobre o tema ainda são reduzidas, embora estimuladas a partir dos anos 70. No Paraná realizou-se um Congresso Brasileiro de Vitimologia, em 1984, e neste mesmo ano a Sociedade Brasileira de Vitimologia foi fundada no Rio de Janeiro, onde posteriormente ocorreu o VII Simpósio Internacional de Vitimologia, em 1991, com discussões acerca de drogas, minorias e direitos das vítimas.

NUVOLONE1 , apud DOTTI, demonstra que "o estudo da vítima sob uma perspectiva sistemática do direito penal se efetiva nos seguintes quadros: a) na qualidade ou condição do sujeito passivo; b) na natureza do interesse juridicamente protegido; c) nas várias formas de relação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo da infração; d) no sujeito passivo e elemento subjetivo do crime; e) na conduta do sujeito passivo para a prática da infração (investigação, consentimento, concorrência de culpas etc.); f) no sujeito passivo quanto às condições do crime (relativamente às causas de exclusão do ilícito - legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal - isenção de pena e circunstâncias; g) no comportamento do sujeito passivo após a consumação do delito, no que se refere aos aspectos processuais (perdão, renúncia, retratação etc.)".2

Neste sentido, tem-se que essa nova disciplina científica se encarrega não apenas dos diagnósticos e prognósticos do fato delituoso, mas também na busca de proteção das vítimas potenciais, através da ajuda, orientação e advertência.

Um conceito de EDUARDO MAYR auxilia no entendimento deste campo do conhecimento: "é o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, quer do ponto de vista biológico, psicológico e social, quer o de sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos".3

Daí porque o uso da expressão "Iter Victimae", que segundo OLIVEIRA, "é o caminho, interno e externo, que segue um indivíduo para se converter em vítima, o conjunto de etapas que se operam cronologicamente no desenvolvimento de Vitimização".4

Na atualidade, a mídia procura demonstrar a necessidade de exacerbação de penas, achando que o sistema de penas é insuficiente para prevenir e reprimir adequadamente os crimes mais graves, a exemplo dos atentados sexuais e de violência familiar, confundindo os fins e os limites do Direito Penal e assim propondo a maior intervenção penal em problemas que devem ser atendidos por outras ciências e medidas estatais. Mas é preciso reconhecer que muitas reações eram insuficientes como demonstraram as estatísticas dos Juizados Especiais Criminais em relação às infrações praticadas contra as mulheres. Daí a origem da chamada Lei Maria da Penha (nº 11.340/06) (clique aqui), que tem o objetivo de punir mais gravemente os delitos contra as vítimas da violência doméstica e familiar.

No ordenamento jurídico pátrio, não obstante a consagração dos estudos da Criminologia na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) (clique aqui) - através da classificação do condenado pelo exame criminológico (art. 8º) - pouco espaço normativo é reservado à Vitimologia. No entanto, deve-se destacar a hipótese do homicídio privilegiado pela violenta emoção, decorrente da provocação injusta da vítima (art. 121, § 1º do Código Penal) (clique aqui), ou pela sua atenuante genérica do art. 65, III, a e c do CP. Ademais, em muitos crimes a participação da vítima é condição necessária para a realização do tipo, como ocorre no estelionato, quando pela ganância de obter dinheiro fácil ela cai em erro, mediante um ardil ou artifício do agente. Na legislação especial existe a Lei nº 9.099/95 (clique aqui), que cita a reparação de danos sofridos pela vítima, orientando o Juizado Especial criminal a atuar de acordo com os princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade.

Porém o maior destaque para essa nova disciplina se contém no art. 59 do Código Penal que exige do juiz, ao individualizar a pena, o exame da conduta da vítima como causa ou condição do evento. A propósito, declara o item 50 da Exposição de Motivos do mesmo diploma: "fez-se referência expressa ao comportamento da vítima, erigida, muitas vezes, em fator criminógeno, por constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa, como, entre outras modalidades, o pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes". Além destes existe uma presença marcante nos crimes sexuais, onde a mulher ocupa uma posição majoritária de proteção. Fala-se ainda no assunto quando da existência do consentimento do ofendido.

Nota-se, assim, que existe um vasto campo de pesquisa acerca da Vitimologia, devendo os operadores jurídicos e estudiosos das ciências criminais dedicar maiores atenções ao fenômeno. E assim deve ser feito para se conhecer melhor a realidade criminal e por imperativo de justiça para os casos concretos.

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1NUVOLONE, La vittima nella genesi del delitto, comunicação apresentada no I Simpósio de Vitimologia, Jerusalém, 02 a 06.09.1973, em L'Indice Penale 3/644, de 1973.

2DOTTI, René Ariel. Casos Criminais Célebres. 3. ed.rev.e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 375/376.

3MAYR, Eduardo; PIEDADE, Heitor et al. Vitimologia em debate. São Paulo: RT, 1990, p.18.

4OLIVEIRA, Edmundo. Vitimologia e Direito Penal: O crime precipado pela vítima. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 103/104.

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* Acadêmica do 7º período de Direito das Faculdades Integradas Curitiba e estagiária do Escritório Professor René Dotti.









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