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A teoria das janelas quebradas no âmbito da Polícia Judiciária Catarinense

Os reflexos e reflexões sobre esta indigesta constatação fruto de décadas de erros gerenciais, concessões de prerrogativas e flexibilização das próprias atribuições.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Atualizado às 13:53

(Imagem: Arte Migalhas)

O tão reverberado estudo norte-americano intitulado "Broken Windows Theory" ou Teoria das Janelas Quebradas, realizado por Philip Zimbardo (psicólogo da Universidade de Stanford) em 1969 e publicado na revista "The Atlantic Monthly" por James Wilson e George Kelling (cientistas sociais da Universidade de Harvard) em 1982, contextualizava um fenômeno interessante ao qual devemos explanar inicialmente.

Ao deixarem dois automóveis idênticos abandonados em bairros distintos (um rico e outro pobre), os pesquisadores constataram que - na periferia - o carro foi rapidamente depredado e teve inúmeras peças furtadas, enquanto no outro bairro o veículo permaneceu intacto. Eis que ao adentrar na segunda fase do experimento, os psicólogos quebraram propositadamente as janelas do automóvel que se encontrava íntegro nas ruas do bairro nobre. O resultado: o mesmo vivenciado na periferia! O carro passou a ser destruído e ter suas peças furtadas.

Assim, conclui-se que "a desordem gera desordem" e que, um comportamento "anti-social" pode vir a acarretar em delitos (muitos deles graves). Pois bem, mas o que tudo isso tem a ver com a Polícia Judiciária Catarinense?

Se trouxermos como exemplo um interessante episódio ocorrido em 14/3/2019, onde indivíduos fortemente armados roubaram quase 10 Milhões de reais de uma transportadora de valores em um aeródromo na cidade de Blumenau (SC), conseguiremos vislumbrar um paralelo entre a citada teoria e a realidade aportada em solo Catarinense.

Notadamente, a ação delitiva promoveu, à época, uma grande comoção estadual e conseguinte repercussão midiática face à violência e ousadia empregadas no crime; bem como do resultado mortis de uma mulher que trabalhava no local.

Sem adentrar na seara que discute a tipificação de um crime de Latrocínio ou de Roubo e Homicídio (que por sinal seria outro tema interessantíssimo), o que traça certa simetria entre o fato e o objeto deste artigo foi o protagonismo da Polícia Militar em detrimento das atribuições constitucionais da Polícia Civil.

Sem suscitar polêmicas e à luz do artigo 144, §4º e §5 da Carta Magna, tem-se que:

"Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares".

"Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública."

Entretanto, não se vislumbrou a vontade do Constituinte no transcorrer da busca pela autoria e materialidade do crime fruto da ocorrência em tela e, sim, uma ação coordenada e avocada pela Polícia Militar, que se valeu de técnicas e procedimentos investigativos atinentes às polícias judiciárias (inclusive com enorme difusão de métodos e ações policiais na imprensa, mesmo quando o momento não era oportuno, mormente à investigação estar em curso).

Enquanto isso, a atuação da Polícia Civil restou secundária e, de certa forma, preterida diante do empenho (ou usurpação como alguns vão dizer) da Polícia Militar nesse caso concreto; culminando - inclusive - em uma coletiva de imprensa onde estavam presentes, "somente", representantes da Polícia Militar e do Instituto Geral de Perícias.

Dessa feita, chega-se à essência do presente artigo ao analisar a tríade nociva à Polícia Judiciária de Santa Catarina: o efetivo insuficiente; o baixo salário; e as exonerações na instituição. Tais pilares fazem com que a Polícia Civil Catarinense encontre dificuldades para exercer (com maior eficiência) seu papel de Polícia Judiciária perante a sociedade; dando margem à atuação da melhor estruturada e motivada Polícia Militar (haja vista o já citado caso concreto vivenciado em Blumenau).

Dessa feita, tais elementos nocivos refletem e coadunam para o terceiro ponto dessa análise: o número de exonerações nos quadros da Polícia Civil de Santa Catarina.

Conforme o setor de gestão de pessoas da instituição, de 2013 a 2019, duzentos e setenta e um (271) Policiais Civis pediram exoneração e deixaram a instituição (cerca de 45 por ano). São investimentos em formação e capacitação profissional destes policiais e o resultado: não há interesse em permanecer na instituição; ora, algo precisa mudar!

Assim, por analogia, vislumbram-se as "janelas se quebrando" na Polícia Civil de Santa Catarina. Diante disso, a menos que haja recomposição de efetivo, reestruturação de carreira, melhoria salarial e condições de trabalho, casos como o ocorrido em Blumenau serão rotineiros e com efeitos ainda mais contundentes na temática de poderes e atribuições de Polícia Judiciária.

Nesta esteira, constata-se que no artigo "Teoria das Janelas Quebradas: E se a pedra vem de dentro?" 1, o eminente Processualista, Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e o ilustre Advogado Edwar Rocha de Carvalho, asseveram que:

"não querem perceber que quando alguém de dentro quebra as janelas, pouco resta a fazer com os que estão lá fora (aliás, a pedra cai na cabeça deles!)".

Notadamente, por fim, tem-se a exposição de uma Polícia Judiciária que definha e se atrofia aos olhos de uma sociedade cada vez mais carente de políticas públicas eficientes no tocante à segurança pública. E, felizmente, a realidade só não é ainda pior por conta do insistente desejo de prestar um bom trabalho dos valorosos policiais civis catarinenses.

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1 Disponível aqui.

Thiago de Miranda Coutinho

VIP Thiago de Miranda Coutinho

Graduado em Jornalismo e pós-graduado em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina e Acadêmico de Direito (UNIVALI). Instagram do Autor: thiago_dm_coutinho

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