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O poder do convencimento

Imagine como seria nossa vida se cada um de nós tivesse de aprender a criar o fogo, por exemplo, ou descobrir sobre gases infamáveis, ou dominar a eletricidade, a cada vez que fôssemos realizar o simples ato de cozinhar?

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Atualizado às 07:45

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Atualmente tem se percebido cada vez mais a grande dificuldade dos profissionais de se expressarem corretamente utilizando a linguagem escrita. A qualidade dos textos - inclusive muitos de caráter científico - tem sido cada vez mais questionável, e muito vem se perdendo em relação ao princípio básico da escrita, que não é outro senão o de perpetuar as ideias.

Desde o princípio dos tempos, a Sociedade tem evoluído graças à imensa capacidade de processamento de informações e do poder de abstração do cérebro humano - até hoje, a mais complexa estrutura já conhecida pela humanidade. Cada um de nós se utiliza do conhecimento acumulado das gerações que nos precederam. E atividades ou comportamentos que hoje possam nos soar corriqueiros, nada mais são do que fruto de descobertas e invenções impressionantes que outros indivíduos realizaram, muito antes de nós.

Imagine como seria nossa vida se cada um de nós tivesse de aprender a criar o fogo, por exemplo, ou descobrir sobre gases infamáveis, ou dominar a eletricidade, a cada vez que fôssemos realizar o simples ato de cozinhar? Se hoje existem fogões a gás ou elétricos, se o fogo está a um passo de nós por meio de fósforos ou isqueiros, tudo isso é fruto de descobertas e criações do passado, que chegam até nós por conta da perpetuação das ideias.

Algumas espécies de primatas e cetáceos apresentam uma capacidade rudimentar de aprender certos comportamentos, como o uso de ferramentas ou estratégias de caça; passam adiante esse conhecimento, formando assim o que se chama de comportamento de grupo. Porém esse conhecimento é passado de boca em boca, de indivíduo para indivíduo, de forma lenta e por aprendizado, onde os mais novos aprendem ao observar o comportamento dos mais velhos.

Nós humanos somos a única espécie conhecida, capaz de perpetuar não apenas comportamentos transmitidos, ou ensinamentos aprendidos, mas de fixar nossos pensamentos e nossas ideias, ao exprimi-los de forma gráfica, utilizando símbolos, que hoje chamamos de escrita.

E por causa da escrita, esses registros de conhecimento acumulado ao longo das gerações se tornou o motor que nos impulsiona aos avanços evolutivos e tecnológicos que nos trouxeram à nossa realidade. Graças ela, o conhecimento pode fluir entre muito mais pessoas do que apenas os indivíduos com quem você se relaciona, e permanecer gravado, para que seja conhecido até mesmo após a sua morte. E mais que isso: a escrita garante que a ideia que você quis transmitir, permanecerá fiel ao original, desde que não ocorram adulterações ou modificações em seu conteúdo.

Se Einstein, por exemplo, não tivesse produzido por escrito seus artigos sobre a relatividade, e esses mesmos artigos não tivessem sido publicados; se ele tivesse de ter contado apenas com a palavra para a divulgação de suas descobertas, não teria sido possível que tivesse sido exaustivamente estudado por outros cientistas, e aproveitado devidamente da forma como foi, em sua utilidade para toda a humanidade, já que até hoje novos conhecimentos e aplicações continuam a surgir, mesmo passados mais de 100 anos de sua divulgação. Sem a escrita, muito provavelmente suas ideias não teriam passado de uma novidade um tanto excêntrica, em um círculo muito pequeno de pessoas, que teria desvanecido com o tempo, e sido esquecida com o passar dos anos.

E nós, como advogados e operadores do direito, usamos a escrita como uma ferramenta diária. Nossas petições nada mais são do que requerimentos que dirigimos a uma autoridade investida com poderes para interferir diretamente em nossas relações sociais.

O grande debate, porém, advém do fato de que, ao atuarmos em um processo, salvo exceções, não agimos em causa própria, mas em nome de um mandante, que nos concede poderes de representação. Assim, nossa dificuldade é dupla, pois temos de nos manifestar no sentido de não só pugnar corretamente o direito aplicável ao caso concreto, representado naquele determinado processo, como ainda convencer o Juiz de que os atos e posturas tomados por nossos representados são legítimos, mais acertados ou menos errados, que os de nossa contraparte.

É aí que entra o nosso poder de convencimento.

E uma vez que nosso processo é, por princípio, eminentemente escrito, nosso poder de convencimento deverá ser expresso em palavras que possam ser entendidas e ao mesmo tempo causem na psique do Juiz, o poder de alterar ou induzir seu próprio raciocínio, suas próprias ideias pessoais acerca do tema que discutimos, a fim de que ele próprio, ao final, possa ele mesmo reduzir por escrito essas ideias, por meio de sua decisão: a Sentença.

E é por isso que nossos pedidos devem sempre ser muito bem fundamentados e a argumentação, bem dirigida, de forma que surta esses efeitos.

Fundamentar e argumentar. Artes cada vez menos compreendidas, infelizmente, em nossa profissão!

Fundamentar uma petição, é dar a ela uma base probatória, legal, doutrinária e jurisprudencial. Ou seja, é conferir ao pedido, uma identidade jurídica - adequando os fatos ao direito que se busca.

Nosso conjunto de leis e regramentos sociais são um fenômeno abstrato. Assim, fundamentar uma petição, é "baixar" o Direito das altas esferas do mundo teórico, para a realidade do mundo cotidiano, ou seja, para o caso concreto. "Fundamentar" é descrito como "o ato ou efeito de apoiar, documentar." Porém, em Direito, fundamentar também significa "comprovar" aquilo que se fala e pede.

É na fundamentação o lugar ideal de apontar jurisprudências, por exemplo, que são uma forma de ordenar o que vem diretamente do universo das leis e ordenamento, para o mundo real, em casos semelhantes aos nossos, já julgados por aquele mesmo tribunal. É aqui também onde devemos explicitar as provas que apresentaremos junto com as petições, explicando para o Julgador, os pormenores que trazem a lume, a ideia principal a se transmitir, literalmente induzindo o raciocínio de quem lê, para que siga a mesma linha do seu.

E se fundamentar é dar apoio - a base jurídico-legal e doutrinária, ao nosso pedido, a argumentação pode ser conceituada como o ato de discutir, de debater, de apresentar propostas, de expor pontos de vista. E é aí que se observa a maior dificuldade dos advogados, no que tange à correta utilização desses dois mecanismos, gerando dificuldade na argumentação, que é fundamental para o sucesso de qualquer petição.

É pela qualidade de nossa argumentação, muitas vezes, que ao conduzir o texto de forma organizada, atingimos nosso objetivo de persuadir ou influenciar a ideia que o Julgador há de formar acerca do caso, o que irá servir de base à sua futura decisão ou sentença.

Segundo a modelação clássica da oratória, os elementos que compõem a estrutura de um argumento são os a) os dados; b) a conclusão; c) a justificativa; d) os qualificadores; e) a refutação; e f) o conhecimento básico. Mas isso, não sendo o caso de artigos para publicação científica ou para defesa de teses, não passa de mera discussão acadêmica.

Na sua petição, o que vale é seu poder de argumentação, de convencimento, o que um bom advogado só vai conseguir exercer plenamente se conseguir reunir os seguintes predicados em cada caso em que postule:

  1. Autoridade - é a detenção segura e sólida do conhecimento de causa: portanto, estude bem o tema a ser debatido antes de começar a escrever - domine o assunto;
  2. Comprovação - o que nos remete à fundamentação - a prova do que estamos dizendo (o que faz com que ambos os elementos, fundamentação e argumentação, convirjam, e possuam traços em comum, embora distintos - um complementando o outro);
  3. Comparação - o que se exerce ao se demonstrar o resultado (favorável) da sua tese em casos semelhantes, e daí a importância da doutrina moderna e da jurisprudência atual, como complemento;
  4. Causa e Consequência - que em direito é demonstrar o prejuízo ao nosso representado, na remota hipótese de não obtenção da tutela jurisdicional almejada, em contraponto aos benefícios, no caso inverso, ou seja, na hipótese de sua concessão, que devem ser devidamente realçados; e
  5. A Exemplificação - que pode ou não ser utilizada, a depender do tipo de questionamento, com o devido cuidado para que não seja mera repetição da "comparação" acima.

Dessa forma, no geral, o objetivo da argumentação é levar o leitor a seguir a mesma linha de raciocínio que a sua, a fim de concordar com ela.

Na escrita, portanto, argumentar é a maneira de se conduzir o texto, de forma a convencer àquele que o lê - no caso o Juiz - de que sua tese é a mais correta, ainda que outras possam surgir para contrapô-la, em função do exercício do contraditório no processo.

Não podemos deixar de considerar em nosso texto, em nossa argumentação, o fato de que tudo aquilo que falamos, será quase que com certeza contraposto pela parte adversa, em obediência aos princípios do contraditório, e da impugnação específica. Devemos agir como o enxadrista e traçar nossas metas. Por isso ao elaborarmos nosso texto, temos que imaginar o que diria a parte contrária a respeito, antecipando sua estratégia, de forma a que seu texto possa cumprir o mais fielmente o seu propósito.

É o poder de convencimento que torna a fundamentação essencial, já que o Direito, por excelência, é o berço dos debates, outra característica humana de distinção, tornando-se ferramenta indispensável ao bom uso da linguagem escrita, notadamente quando aplicada ao Direito Processual e suas nuances.

Argumentar é o ato de discutir, de debater, de apresentar propostas, de expor pontos de vista. É a arte de conduzir o texto de forma organizada com o objetivo de persuadir ou influenciar o julgador a respeito da ideia que queremos passar. Quando falamos de argumentação, falamos de parlamentação, de proposição de ideias.

Mas pra isso, precisa-se estar sempre muito bem ciente e convencido daquilo que está abordando. Se não conseguimos convencer nem mesmo a nós próprios, como pretenderemos convencer o Juiz?

Falar sobre um assunto, discorrer sobre ele, deve ser empolgante! Ainda que falemos em termos técnicos, nosso texto deve ter carisma, atrair os olhos do leitor. Por isso organize seus pensamentos e traga para o texto, uma sequência lógica de ideias e raciocínios que conduzam à mesma conclusão.

Convença o Juiz não só que seu direito é bom, mas o faça antes pensar como você! 

Ricardo Colasuonno Manso

Ricardo Colasuonno Manso

Advogado, atualmente residente na cidade de Sorocaba/SP, ex-membro do corpo de funcionários do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com mais de 26 anos de atuação na área jurídica. Atualmente é Content Writer na empresa Facilita Jurídico e colabora em análises e revisões de casos.

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