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Ilegalidade da audiência de instrução e julgamento em ação penal que envolve réu solto

No âmbito do Poder Judiciário, o CNJ suspendeu o expediente Forense, a fim de preservar a saúde pública dos cidadãos em geral (Resolução 313, de 19/03/2020).

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Atualizado às 13:42

(Imagem: Arte Migalhas)

O início da pandemia Covid-19 no Brasil foi marcado por lockdown em grande parte dos Estados.

No âmbito do Poder Judiciário, o CNJ suspendeu o expediente Forense, a fim de preservar a saúde pública dos cidadãos em geral (Resolução 313, de 19/03/2020).

Contudo, como a situação de calamidade não recuava, o anseio pela continuidade da prestação da tutela jurisdicional fez com que o Conselho Nacional de Justiça (Resolução 322 de 01/06/2020) - e consequentemente todos os Tribunais - buscassem ideias e soluções para viabilizar a continuidade do poder judiciário.

Além do trabalho em home office exercido pelos servidores públicos, o Poder Judiciário passou a realizar audiências por videoconferência, inclusive as de instrução e julgamento, até mesmo na esfera penal.

No entanto, como se sabe, o Direito Penal e o Processo Penal, dentre outros, são regidos pelo princípio da legalidade.

Isso significa dizer, grosso modo, que precisa existir lei Federal prevendo a possibilidade de realização de audiência de instrução e julgamento, na esfera penal, por meio integralmente remoto.

Contudo, apenas o interrogatório de réu preso, em caráter excepcional, é que possui previsão LEGAL para ocorrer por meio de videoconferência, conforme art. 185, § 2º, do CPP, que assim prevê:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. (Redação dada pela lei 10.792, de 1º.12.2003)

(...)

§ 2º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: (Redação dada pela lei 11.900, de 2009) (omissos)

Com efeito, a manutenção da audiência de instrução, exclusivamente virtual, em processo que versa sobre réu SOLTO, fere de morte o princípio da Legalidade (estrita), porquanto a matéria requer previsão legal, emanada da União, conforme art. 22, I, da CRFB/88, o que não existe até o momento.

Em linhas gerais, a audiência remota acarreta prejuízo, porque o denunciado-solto, longe do seu advogado, não poderá interagir simultaneamente com a defesa técnica durante a colheita da prova testemunhal, o que ofende o direito ao confronto no processo penal 1.

A par e passo, no momento do interrogatório, longe da defesa que confia, o denunciado-solto seria interrogado sem observância ao devido processo legal, direito constitucional inarredável, que não pode ser suprido por ato normativo, ainda que do Poder Judiciário.

O dano ao acusado é presumido e evidente, conforme já assentado pelo PLENO DO STF:

Quando se impede o regular exercício da autodefesa, por obra da adoção de procedimento sequer previsto em lei, tem-se agravada restrição à defesa penal, enquanto incompatível com o regramento contido no art. 5º, LV, da Constituição da República, O QUE CONDUZ À NULIDADE ABSOLUTA DO PROCESSO, COMO A TEM RECONHECIDO ESTE TRIBUNAL, À VISTA DE PREJUÍZO ÍNSITO AO DESCUMPRIMENTO DA FORMA PROCEDIMENTAL ADEQUADA (...) (HC 90900, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, j. em 30/10/2008)

Na mesma linha, destaca-se a interpretação conferida pelo c. STJ:

(...) 3. INDEPENDENTEMENTE DA COMPROVAÇÃO DE EVIDENTE PREJUÍZO, É ABSOLUTAMENTE NULO O INTERROGATÓRIO REALIZADO POR VIDEOCONFERÊNCIA, SE O MÉTODO TELEVISIVO OCORREU ANTES DA ALTERAÇÃO DO ORDENAMENTO PROCESSUAL, porquanto a nova legislação, apesar de admitir que o ato seja realizado virtualmente, ao mesmo tempo exige que se garanta ao agente todos os direitos constitucionais que lhes são inerentes. (...) 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para anular o interrogatório do paciente, devendo outro ser realizado dentro dos ditames legais, bem como o processo a partir das razões finais. (HC 256.834/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe 26/03/2013)

Assim, a fim de resguardar o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório (caros e indeléveis direitos constitucionais conquistados pelo cidadão brasileiro), e preservar o princípio da legalidade, imperioso registrar textualmente discordância à realização da instrução do processo penal de réu solto por meio virtual.

Nesse contexto, enquanto não promulgada lei Federal, oriunda da casa legislativa competente, no sentido de prever e disciplinar a realização de audiência de instrução no processo penal que envolva acusado solto, revela-se de toda ilegal a realização dos respectivos atos.

André Eduardo Campos

André Eduardo Campos

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Pós-Graduado "lato sensu" em Direito Tributário pela Instituição de Ensino Estácio. Associado do Escritório Dean Jaison Eccher.

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