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Os endowments no Direito Comparado - Perspectivas para o Brasil

Em uma linguagem mais simples, pode-se dizer que os endowments são fundos que visam a concretização de uma finalidade social especifica.

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Atualizado às 07:27

(Imagem: Arte Migalhas)

Os endowments funds são fundos de caráter permanente formados por recursos advindos de doações de pessoas físicas ou pessoas jurídicas, os quais são investidos no mercado financeiro por gestor profissional, e que visam a concretização da missão finalística a que se propõe. Em uma linguagem mais simples, pode-se dizer que os endowments são fundos que visam a concretização de uma finalidade social especifica, atuando como uma ferramenta alternativa para a manutenção perene sustentável das atividades de uma determinada entidade.

Dentro desse tipo de fundo patrimonial, é necessário que as partes criem diversos mecanismos de governança, garantindo a sustentabilidade da entidade e o planejamento das ações ao longo prazo. Dessarte, é importante que um endowment fund tenha sua estruturação bem definida, contando com os repasses necessários para consecução da finalidade desejada.

A origem desse instituto é antiga, sendo que se tem conhecimento de sua utilização desde 176 a.C., quando o imperador romano Marco Aurélio criou endowments buscando o sustento dos centros de ensino das quatro maiores escolas filosóficas de Atenas: Platônica, Aristotélica, Estoica e Epicurista.

Devido a sua importância, esse tipo de fundo passou a ser difundido também dentro do Brasil, de modo que a relevância dos Endowments vem sendo cada vez mais discutida. Boa parte disso decorre do fato que esse tipo de fundo pode funcionar como uma alternativa à manutenção de diversas entidades que sofrem diariamente com a falta de verbas ou de repasses pelos órgãos públicos.

Contudo, antes de traçar o cenário dos endowments funds no território brasileiro, é importante realizar uma análise do direito comparado para se entender como esse instituto é entendido em outros Estados.

Um exemplo de grande sucesso desse instituto é nos Estados Unidos, onde existem diversas experiências bem-sucedidas de endowments, principalmente em relação às universidades e faculdades. A título de exemplo, no ano de 2019 a Universidade de Harvard recebeu a quantia de US$ 40 bilhões como rendimentos de endowments, sendo que, essa quantia corresponde com aproximadamente 35% da fonte de receita da universidade 1.

Além da Universidade de Harvard, destacam-se outras universidades que receberam voluptuosos rendimento por Endowments no final do ano de 2019: a) Universidade do Texas (US$ 31 bilhões); b) Universidade de Yale (US$ 30,3 bilhões); c) Universidade de Stanford (US$ 27,7 bilhões); e d) Universidade de Princeton (US$ 26,1 bilhões) 2.

Outro caso que se tem conhecimento, é em relação ao MIT (Massachusetts Institute of Technology), que é a líder global em pesquisa e desenvolvimento. O endowment do MIT é destinado para o financiamento de pesquisas, bolsas de estudos, departamentos, laboratórios e atividades da vida estudantil. Em 2019, esse Endowment atingiu a quantia de US$ 17,4 bilhões 3.

No sistema estadunidense existem diversas políticas de incentivo fiscal para os doadores que contribuem com esse instituto dos endowments, como isenção de parte do Imposto de Renda (Income Tax) para quem realiza esses investimentos, o que fomenta diversos doadores a contribuírem com a filantropia e com os endowments funds.

Além do sistema estadunidense, verifica-se a utilização dos Endowments também na França, onde, em 2008, a nova lei de modernização da economia francesa criou um tipo jurídico próprio para o endowment. Desde então, foram criados centenas de novos endowments, somando a quantia de 1.3 a 1.6 bilhões de euros.

Como por exemplo, o endowment do Museu do Louvre possui cerca de US$ 290 milhões, atuando como uma importante ferramenta para manutenção do museu e para garantia do acervo artístico existente 4.

O funcionamento dos endowments no Reino Unido é bastante semelhante ao modelo dos Estados Unidos. Isso pois o Reino Unido sempre foi referência no tema, a exemplo da instituição de diversos endowments em seu território nos séculos XVIII e XIX. O bem-sucedido conceito foi exportado para os Estados Unidos onde a "English Trust Law" foi aplicada determinando onde os recursos deveriam ser investidos. Desta forma, ao colonizar os Estados Unidos, as leis e tradições inglesas foram implementadas no território norte-americano, fazendo com que eles se tornassem comuns ali também.

No Reino Unido são destaques os Fundos endowments de Oxford e Cambridge superando cada um deles ativos totais acima de um bilhão de libras. A LSE-London School of Economics, por sua vez, possui um endowment de 110 milhões de libras. O que chama atenção do regime jurídico do Reino Unido, especialmente no que tange os endowments, é a existência de uma norma que regula toda a filantropia - incluindo os endowments -, tanto na Inglaterra quanto no País de Gales. Trata-se da chamada Charities Act 2016, que alterou a mesma lei de 2011.

Algumas características desse Act são, por exemplo, a exigência de que as instituições de caridade registradas que tenham suas contas auditadas (em que a receita bruta seja superior a £ 1 milhão), incluam informações extras sobre a arrecadação de fundos no relatório anual de seus curadores. Ainda, uma das principais razões apontadas pela Sutton Trust que justifica a menor escala dos endowents do Reino Unido quando comparados aos norte-americanos é o fato de que nos Estados Unidos, as doações são qualificadas como uma dedução direta da receita bruta.

Isso não é só mais simples, mas significa que os doadores reivindicam todos os benefícios fiscais sozinhos, os quais fornecem incentivos significativos para dar. Existem também vários mecanismos que permitem aos indivíduos doar ativos (como propriedades ou ações) para uma instituição de caridade enquanto fornece aos doadores uma renda regular e redução de impostos durante sua vida. No Reino Unido não existe tal sistema, o que poderia fornecer alguma certeza para doadores e instituições de caridade.

Quanto aos endowments na República Checa, percebe-se que há uma peculiaridade que favoreceu o desenvolvimento destes: na década de 1990, 1% dos valores obtidos com as privatizações da República Checa foram destinados para um Fundo de Investimento em Fundações. Esse Fundo distribuiu os recursos para compor os fundos patrimoniais de mais de 70 fundações.

Para tanto, foi realizado um complexo procedimento para escolher as fundações que receberiam recursos do Estado. A escolha das fundações envolveu esse longo processo, o qual estabeleceu requisitos de elegibilidade para assegurar a transparência e a confiabilidade das instituições, obrigadas a publicar os critérios de doações, relatórios anuais e membros do conselho, por exemplo.

Infere-se do modelo checo a viabilidade e as vantagens de utilizar de privatizações para alavancar a filantropia e o investimento social privado. Esse "empurrão" inicial é de suma importância às entidades beneficiadas, eis que com a gerência desses recursos, possibilita-se a estas que expandam suas atuações de maneira expressiva, resultando em impactos sociais notáveis.

Na Alemanha, os fundos endowments possuem menor relevância e aplicação em razão da maior presença de "fundações" que apoiam o modelo de capitalismo social, reunindo governo, corporações e sindicatos, tendo como exemplos a Fundação Roberto Bosch e Fundação Wolkswagen. Um ponto fora da curva, porém, foi verificado em 2016: a Universidade de Hamburgo assinou um Convênio com a Universidade do Texas para a criação de um endowment.

Tratando dos endowments na realidade brasileira, a lei 13.800, de 4 de janeiro de 2019, trouxe o marco regulatório para tais fundos no território nacional. Essa lei estabelece que os fundos patrimoniais poderão apoiar instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos e seus órgãos vinculados, atuantes nas áreas da educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, cultura, saúde, meio ambiente, assistência social, desporto, segurança pública, direitos humanos e demais finalidades de interesse público.

Assim, por meio desta lei, acompanhando o que já era tendência em outros países, o instituto dos Endowments passou a ter regulação própria no Brasil. Desta forma, os fundos patrimoniais devem seguir e respeitar a lei 13.800/2019 quando apoiarem entidades públicas, ou seja, nas situações em que são injetados recursos privados em instituições públicas ou privadas dedicadas à consecução de finalidades de interesse público.

Diferente da realidade estadunidense, os endowments não geram incentivos fiscais no Brasil, possuindo menor capacidade para atrair eventuais doadores.

Um exemplo de endowment em do Brasil é o caso da Fundação Fundo Patrimonial Faculdade de Economia e Administração da USP, que mantém um fundo patrimonial. Esse fundo é composto por parte de seu patrimônio, que é segregado do patrimônio operacional e das demais reservas, com o objetivo de ser mantida a perpetuidade do fundo.

Esse fundo foi criado em meados de 2020 por um grupo de ex-alunos da USP, sendo que, ele já conta com mais de R$ 60.000.000,00 de patrimônio, mediante a doação de mais de 60 colaboradores. Por enquanto, o Brasil tem apenas sete Endowments de universidades, ainda que existam outros tipos de endowments não vinculados com a educação.

O Brasil, como a maioria dos países de formação Ibérica, vai na contramão da cultura Anglo Saxônica ao incorporar a cultura do "Estado Patrão". Nessa cultura, pensa-se que o cidadão deve receber a educação superior como um direito desta cidadania, sendo o Estado, o provedor com a arrecadação de impostos.

Esta visão ainda está enraizada na comunidade acadêmica, reforçada pelo dogma de que a autonomia universitária poderia ser enfraquecida com recursos privados. Com a crise da figura do Estado, instituições internacionalizadas estão revendo este mantra, buscando caminhos que convergem para adequadas parcerias com o setor privado iniciadas com o financiamento da inovação, em prol de maiores ganhos à comunidade acadêmica e à sociedade como um todo.

Em resumo, é bastante interessante verificar o diferente funcionamento dos endowments em diversos países distintos. No contexto brasileiro, ou seja, em um momento ainda incipiente dos endowments, sem uma regulamentação específica e especializada sobre essa figura, o ideal seria analisar as experiências estrangeiras e importar pontos específicos de diferentes modelos, pontos esses que sejam vantajosos.

Incentivos fiscais, destinação de recursos provenientes de programas de privatizações de empresas estatais e conscientização social, por exemplo, podem e devem ser medidas adotadas pelo Estado e pelos privados a fim de fomentar a criação e a atividade dos endowments no Brasil. Considerando-se o cenário de instabilidade no Brasil, em especial atualmente e em relação às universidades públicas, a figura dos endowments se mostra uma ótima solução para manter o alto nível de formação de alunos nessas entidades.

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SPALDING, Erika. Os Fundos Patrimoniais Endowment no Brasil. (Dissertação de Mestrado). Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. 2016.

PAES, José E. S. Paes. QUEIROZ FILHO, Adair S. A Importância dos Endowments ou Fundos Patrimoniais na Captação de Recursos para as Entidades Integrantes do Terceiro Setor e o Princípio da Livre Concorrê

Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral. Os Endowments E A Sua Importância Para As Universidades Americanas. Disponível aqui.

Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 851/2018 - EMInº 00041/2018 MECMPMinC, Brasília, 10/09/2018.Acesso em: 21.02.2019

Nova lei não reduz desafios para os endowment funds no Brasil. Original123, São Paulo, 03 de abril de 2020. Disponível aqui.

ARBEX, Pedro. Pouco a pouco, os endowments estão brotando no Brasil. Brazil Journal, São Paulo, 02 de dezembro de 2020. Disponível aqui.

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1 Fontes: NACUBO e Harvard University.

2 Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral. Os Endowments E A Sua Importância Para As Universidades Americanas.

3 Fonte: MIT.

4 Fontes: GIFE/FGV, Fondation de France e Bloomberg.

André Luiz Padilha

André Luiz Padilha

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Estudos de Mediação e Negociação da UFPR. Membro do Grupo de Pesquisa de Direito Societário Aplicado da UFPR.

Leonardo Dalla Costa

Leonardo Dalla Costa

Trainee no escritório Braz Campos. Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Mediação e Negociação da Universidade Federal do Paraná.

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