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A inconstitucionalidade de quebra de sigilos de congressistas por CPI

Quanto a investigações a cargo de comissões parlamentares, há a necessidade de uma construção coordenada junto ao Supremo Tribunal Federal para se afastar sigilos de deputados federais e senadores

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Atualizado às 07:51

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Às comissões parlamentares de inquérito são dados os poderes de investigação próprios do Judiciário. Quando se trata de perquirir provas que demandam afastar direitos fundamentais, como os previstos constitucionalmente no art 5º X (intimidade) e XII (correspondência, comunicação em geral e dados), bem como a incidência de requisições baseadas na Lei Complementar 105/2001 (sigilo bancário), devem as CPI se comportar como se fossem autoridades judiciais, isso é, devem deliberar colegiadamente suas decisões e revesti-las de fundamentação, de acordo com o art. 93, IX, da Constituição (nesse sentido: MS24817, Celso de Mello, DJE 6.11.2009).

São várias as comissões que entraram para a história. São formas políticas de investigação com roupagem jurídica. Surgidas na Inglaterra, são adotadas em vários países. Talvez um dos registros mais antigos no Brasil é de 1926, quando um grupo de parlamentares investigou o Banco do Brasil. Formalmente, apareceram positivadas pela 1ª vez na Constituição de 1934 e com o regime de exceção de 1937 ficaram absolutamente suspensas, até o ressurgimento em 1946, quando na câmara foi criada uma CPI para investigar a "era Vargas", sem conclusão pela disputa política em torno da comissão, o que aconteceu com 52 das 80 comissões criadas nos 10 primeiros anos de CPI. É a partir de 1988 que se valorizou as investigações parlamentares. Essa valorização decorre justamente pelo poder conferido de autoridade judicial às comissões. Eis o texto vigente:

§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Há tempos assentou-se que cabe ao Supremo Tribunal Federal o controle jurisdicional sobre atos de CPI, uma vez que essa procede como se fora a própria Câmara dos Deputados, Senado Federal ou Congresso Nacional (nesse sentido: MS 1959, Luiz Galloti, j. 23;1;1953). Dessa maneira, o Supremo vem construindo uma vasta jurisprudência sobre o tema, de maneira a preservar os direitos das minorias parlamentares (MS 24847, Celso de Mello, DJ 13.10.2006). o poder investigatório dos colegiados (HC 100341, Joaquim Barbosa, DJ 2.12.2010) e os direitos dos investigados (MS 25908, Eros Grau, DJ 31.3.2006).

A jurisprudência sobre CPI é mansa quanto a necessidade de observarem os ditames constitucionais. É poder geral de qualquer comissão parlamentar, permanente ou temporária, inclusas as de inquérito, convocar ministros de estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições (art. 58, § 2º, III, da Constituição). Podem, também, as Comissões solicitar depoimento de qualquer autoridade (art. 58, § 2º, VI). Da interpretação conjunta desses dois comandos temos que não cabe as comissões investigativas a convocação do Presidente da República. Podem, contudo, convocar ministros e toda a estrutura abaixo desses. Em outras palavras: pela Constituição podem convocar todos do Executivo, exceto o Presidente.  

Quanto a membros do Poder Judiciário, as Comissões devem observar o disposto no art. 96, III, da Constituição e o art. 33, parágrafo único, da LOMAN, bem como os limites da separação dos Poderes (nesse sentido: HC 80089, Nelson Jobim, DJ 29.9.2000).

Quanto a congressistas, há um silencio eloquente (beredtes schweigen) sobre poder de convocação e afastamento de direitos de parlamentares.

Não se trata, portanto, de uma lacuna legislativa nem de um hiato de lei, mas de uma opção constitucional de se excluir, dos poderes das CPI, o de quebrar sigilos de deputados federais e senadores da república.

De acordo com a interpretação sistemática da Constituição, congressistas só podem ter sigilos afastados, em CPI, por ordem do Supremo Tribunal Federal, ante o disposto no art. 102, I, b, da Constituição.

Os regimentos internos das Casas parlamentares podem elencar outros poderes investigatórios.

Na Casa baixa, os arts 33, II e 35-37, do Regimento Interno, dispõem sobre a comissão de inquérito. O art. 36, II, confere o poder de requerer audiências de Deputados (além de Ministros de Estado, autoridades federais, estaduais e municipais). Descabe, contudo, a convocação de Senadores.

No Senado, a CPI é prevista nos arts. 74, III e 145-153 do Regimento Interno. O art. 146 proíbe CPI sobre matérias pertinentes a Câmara dos Deputados, atribuições do Poder Judiciário e matérias referentes aos estados-membros.

É dado o poder, para as comissões de inquérito do Senado, de realização de diligências, tomar depoimentos de autoridades, inquirir testemunhas, ouvir indiciados, requisitar informações ou documentos de órgão público e requerer inspeções ao Tribunal de Contas da União (art. 148 do RISF), bem como os poderes inerentes a autoridade judicial (como afastamento de sigilos, desde que de acordo com os ditames constitucionais vigentes para as próprias autoridades judiciais).

Não poderia o RISF estabelecer o afastamento de sigilos de congressistas. Seria um típico caso de inconstitucionalidade normativa confrontante com o art. 102, I, b, da Constituição. Não há, contudo, essa disposição normativa no Regimento Interno da Casa Alta.

Assim, atos de afastamento de sigilo de congressistas por CPI demandam a autorização expressa do Supremo Tribunal Federal. De acordo com a interpretação sistemática da Constituição, não pode uma CPI do Senado quebrar, por seu colegiado próprio, mesmo que por decisão fundamentada de seu colegiado, o sigilo de Senador ou de Deputado Federal, ante o disposto no art. 102, I, b, da Constituição.

Nesse cenário, quanto a investigações a cargo de comissões parlamentares, há a necessidade de uma construção coordenada junto ao Supremo Tribunal Federal para se afastar sigilos de deputados federais e senadores, sob pena de anulação de decisões decorrentes pela teoria do fruto da arvore proibida.

Esse cuidado constitucional deve guiar os trabalhos das comissões temporárias de inquérito, a fim de melhor exercerem seu fundamental papel de trazer as verdades à tona. Para isso, a Constituição é a melhor guia.

Rafael Favetti

Rafael Favetti

Advogado e cientista político. Foi assessor de Ministro no Supremo Tribunal Federal, Consultor Jurídico e Secretário-Executivo do Ministério da Justiça.

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