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A inconstitucionalidade na cobrança de tarifa de cheque especial

Eduardo Rivaben e Maria Eduarda Ferrari Leonel

Destaca-se que os efeitos do julgamento que barrou a cobrança pela mera disponibilização de cheque especial são oponíveis contra todos e não apenas contra aqueles que fizeram parte em litígio, além de ter efeito retroativo (ex tunc), salvo quando aplicada a teoria da modulação temporal.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Atualizado às 09:02

(Imagem: Arte Migalhas)

A prática de abertura de crédito rotativo é atividade rotineira dos bancos com seus clientes, por meio de contrato. Para isso, o banco dispõe ao usuário o famoso "limite", também chamado de "cheque especial", quantia esta que o cliente poderá tirar proveito ou não. Assim, uma vez que o valor disponível é sacado, caracteriza-se empréstimo, sendo cobrado pelo banco o valor emprestado devidamente corrigido monetariamente e com aplicação de juros.

A Resolução 4.765/19 dispõe sobre o tema do cheque especial concedido pelas instituições financeiras, especialmente em conta de depósitos à vista, em que são titulares pessoas naturais, bem como microempreendedores individuais (MEI).

A norma acima estabelece o limite das taxas dos juros remuneratórios em, no máximo, 8% sobre o valor utilizado pelo titular enquanto cheque especial, da mesma forma que prescreve que o limite de concessão desse crédito deve se dar de acordo com o perfil de risco de cada cliente.

Porém, o que nos cumpre destacar e explorar no presente artigo é artigo 2º da Resolução 4.765/19, que autoriza, de modo expresso, a cobrança de tarifa pela mera disponibilização de limite de crédito rotativo (ou cheque especial). Esta prática de cobrança, além de manobra injusta com aqueles que optam por não utilizar o cheque especial, encontra barreira no disposto na Constituição Federal nos seus art. 5º, XXXII; art. 22, VII; art. 170, IV e V; art. 173, § 4º; art. 192.

Por consequência, o Supremo Tribunal Federal decidiu por conhecer a ADIn 6407/DF, ação ajuizada a fim de expor as violações da cobrança injusta pela simples disponibilização do crédito aos preceitos fundamentais da nossa Constituição, sendo certo que a decisão procedente foi transitada em julgado em 21/5/21 e declarou a inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução 4.765/19, diante dos argumentos revelados abaixo.

De acordo com o art. 5º, XXXII e art. 170, V da CF, a defesa do consumidor deve ser acolhida, ao passo que se trata de princípio constitucional e torna-se indubitável a presença dos serviços bancários na proteção jurídico-constitucional da defesa do consumidor. Dessa forma, não pode o Conselho Monetário Nacional, por meio de Resolução, delimitar a proteção conferida ao cliente bancário, uma vez que a cobrança por simples disponibilização do serviço de cheque especial vai de encontro com situação de vulnerabilidade econômico-jurídica do consumidor, tendo em vista a antecipação de cobrança pelo banco, sem o conhecimento se tal serviço foi efetivamente utilizado.

É certo frisar que as cobranças a título de cheque especial ou crédito rotativo, quando efetivamente utilizadas pelo consumidor, são autorizadas, sendo, ainda, permitido a cobrança de juros e correção monetária.

Nesse sentido, outro argumento do STF para barrar a cobrança pela mera disponibilização, foi exatamente a camuflagem da cobrança de juros, diante da deturpação da natureza jurídica de tarifa e sua aplicação perante aqueles que não utilizariam o crédito, qualificando os juros adiantados, em desacordo ao mandamento constitucional.

A proporcionalidade tampouco alcançou as intenções do Conselho Monetário Nacional, pois, é notória a escolha pela opção mais gravosa, considerando a possibilidades de soluções menos onerosas ao cliente bancário, como a instituição de autorização de cobrança de juros em faixas, a resultar do limite utilizado pelo usuário. Logo, tal hipótese cumpriria o objetivo de correção de "falha de mercado", na qualidade de autoridade monetária, intentando a racionalização pelo uso por cada consumidor.

Por fim, comprova-se mais uma vez a ilegitimidade do art. 2º da Resolução 4.765/19, dado que retroage sua eficácia (a partir de 1/6/20), por recair sobre contratos em curso, mesmo que esses contratos nada disponham sobre custeio de manutenção mensal do limite de cheque especial, expondo o desacordo com o art. 5º, XXXVI da CF (direito adquirido).

Assim, temos que a ADIn 6407/DF, ação responsável pelo julgamento procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução CMN/Bacen 4.765/19, atinge somente pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEI). Ainda, destaca-se que os efeitos do julgamento que barrou a cobrança pela mera disponibilização de cheque especial são oponíveis contra todos e não apenas contra aqueles que fizeram parte em litígio, além de ter efeito retroativo (ex tunc), salvo quando aplicada a teoria da modulação temporal. 

Eduardo Rivaben

Eduardo Rivaben

Advogado e sócio de Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

Maria Eduarda Ferrari Leonel

Maria Eduarda Ferrari Leonel

Colaboradora de Brasil Salomão e Matthes Advocacia e graduanda em Direito pela Universidade Estadual Paulista.

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