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Nova Lei de Licitações: A superação da súmula 473 do STF e o custo de oportunidade

Cada vez mais os conceitos de governança corporativa adentram ao ambiente público como forma de transformar o princípio da eficiência norma de efeitos concretos, estando regulamentado o processo decisório do Poder Público.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Atualizado às 14:41

A nova lei de licitações revogou o suporte legal à Súmula 473 do STF em razão da sobrevida que confere a atos administrativos nulos. Inobstante a ilicitude, o "custo de oportunidade" e a preservação do interesse público primário (oferecimento efetivo de serviços públicos) são novos parâmetros a serem observados no seio da administração pública.

Prevê a Súmula 473 do C. STF: 

"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."

Aproximando a administração pública da vida real da administração privada, a nova lei de licitações introduziu o custo de oportunidade como parâmetro para o processo decisório.

O gestor público, poderá utilizar como fundamento para dar "sobrevida" ao ato nulo.

Inspirada na "modulação" do STF em sede de controle concentrado de normas, a novel lei criou a figura da "modulação da nulidade", regra compatível com o nível pragmático de gestão dos erros administrativos e a observância da efetiva prestação do serviço público.

Em sede da Suprema Corte brasileira, já é muito bem exercitada a modulação para as inconstitucionalidades.

Ora, a lei já era inconstitucional antes mesmo de adentar ao STF. Inobstante tal fato, somente uma visão exacerbadamente formalista exigiria que sempre houvesse efeitos "ex tunc" desde o nascimento da norma inconstitucional.

Ainda que inconstitucional, a norma surte efeitos no mundo real e tais efeitos não podem ser ignorados. Da mesma forma, o ato administrativo ainda que ilícito surte efeitos.

A famosa "teoria da aparência" quando o "servidor de fato" tinha seus atos reconhecidos em homenagem aos princípios da segurança e da boa-fé do administrado recebe contornos legais no mesmo sentido quanto aos atos administrativos nulos.

No mesmo diapasão é a novel regra de "modulação" da lei Federal 9.784/1999 em seu artigo. A sobrevida do ato administrativo também tem como fundamento o artigo 55. Assim: 

"Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.

 Assim, também, prevê a nova regra da Lei de licitações: 

"Art. 148. A declaração de nulidade do contrato administrativo requererá análise prévia do interesse público envolvido, na forma do art. 146 desta Lei, e operará retroativamente, impedindo os efeitos jurídicos que deveria produzir ordinariamente e desconstituindo os já produzidos. 

§ 1º Caso não seja possível o retorno à situação fática anterior, a nulidade será resolvida pela indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e aplicação das penalidades cabíveis.

§ 2º Ao declarar a nulidade do contrato, a autoridade, com vistas à continuidade da atividade administrativa, poderá decidir que ela só tenha eficácia em momento futuro, suficiente para efetuar nova contratação, por prazo de até 6 (seis) meses, prorrogável uma única vez."

Note-se que "sobrevida" do ato nulo poderá ter vigência por até um ano (seis meses, prorrogável). Tal regra pode ser utilizada tanto pelo administrador como pelo Poder Judiciário.

Registre-se, ainda, que tal "sobrevida" é limitada a efeitos concretos inadiáveis e não ao ato administrativo por inteiro. 

Assim, por exemplo, a aquisição de produto essencial com superfaturamento e  sem a devida licitação poderá permanecer sendo adquirindo por um tempo (até que haja licitação) mas deverá ter seus preços imediatamente fixados nos parâmetros do mercado.

O fundamento para a manutenção do ato administrativo é o "custo de oportunidade" que a revogação e/ou a anulação poderia acarretar. Assim: 

"Art. 147. Constatada irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou sobre a declaração de nulidade do contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos:

(...)

XI - custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação."

Segundo Marçal Justen Filho1, a nova lei de licitações teria retirado fulcro para a Súmula 473 do STJ. Assim: 

"A perda do suporte normativo para a Súmula 473 do STF

Deve-se destacar que deixou de existir respaldo normativo para a Súmula 473 do STF. Assim, se passa ao menos no âmbito das licitações e contratações administrativas. A orientação exposta na referida Súmula é incompatível com o regime jurídico consagrado pela lei 14.133/2021."

No mesmo sentido da opinião de Marçal, já decidiu, em nosso sentir, o Colendo STJ ao conceder prazo de 3 meses para a convalidação de um contrato de fornecimento de oxigênio.  Assim, decidiu a Corte da Cidadania no RMS 62.150 reconheceu a nulidade do contrato e concedeu "sobrevida" de 3 meses para sua adequação ao reconhecimento da nulidade.

Não há menção ao tema do "custo de oportunidade" na decisão do STJ. Em nosso modesto entendimento, porém, há implicitamente um reconhecimento do "custo de oportunidade" perdido caso houvesse anulação imediata com graves consequência à Saúde Pública.

A decisão menciona o artigo 21 da LINDB. Assim:

"Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativo deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos"

Logo, "consequências jurídicas e administrativas" são termos da técnica jurídica que se aproximam do conceito de "custo de oportunidade" ou "custos da decisão" a ser tomada.

Assim, cada vez mais os conceitos de governança corporativa adentram ao ambiente público como forma de transformar o princípio da eficiência norma de efeitos concretos, estando regulamentado o processo decisório do Poder Público.

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1 "Comentários à lei de licitações e contratações administrativas", Ed. RT, 2.021, pág. 1.550.

Laércio José Loureiro dos Santos

VIP Laércio José Loureiro dos Santos

Procurador Municipal, mestre em Direito pela PUCSP, autor de "Inovações da Nova Lei de Licitações", Ed. Dialética, 2.021, Foi coordenador do curso de Direito da UNISAL/SP, foi membro do TED-OAB

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