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A justiça do novo tempo

Os Juizados Especiais constituem a maior novidade na busca pelo Judiciário por uma nova justiça para novos tempos.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

Atualizado em 27 de janeiro de 2004 12:40

A justiça do novo tempo

 

Antonio Pessoa Cardoso*

 

Os Juizados Especiais constituem a maior novidade na busca pelo Judiciário por uma nova justiça para novos tempos.

 

A experiência pioneira coube à Associação de Juizes do Rio Grande do Sul, na cidade do Rio Grande, no ano de 1982, ao criar Conselhos de Conciliação e Arbitramento. Em 1984, a Lei 7.244 legalizou a prática extralegal e vitoriosa dos magistrados. Hélio Beltrão, ministro da Desburocratização e seu Secretário, Piquet Carneiro estudaram o ensaio gaúcho e a legislação original, com apenas cinqüenta e sete (57) artigos, revolucionou o procedimento tradicional de fazer justiça. O Juizado Especial de Pequenas Causas recebeu competência para solucionar questões que não excedessem ao valor correspondente a vinte vezes o maior salário mínimo do País.

 

O novo sistema foi chamado por muitos de "justiça dos pobres", porque efetivamente apresentava resultados em tempo real para as causas dos menos afortunados, além de dispensar o pagamento de custas e a contratação de advogado. Fez-se respeitar a cidadania independentemente da condição econômica das partes. A Constituição cidadã, 1988, depois da lei ordinária, 7.244/84, obriga os Estados a criarem Juizados Especiais.

 

Os fracos passaram a ter o poder de chamar os ricos aos tribunais para reclamar direitos violados. Imprimiu-se agilidade nos serviços judiciários, porque as questões de menor valor passaram a ter solução no prazo médio de trinta (30) a cento e vinte dias (120), a depender de a conclusão acontecer pela conciliação ou pela instrução informal do processo. Os recursos, grande praga da Justiça Comum, eram resolvidos no próprio Juizado, para onde os juizes integrantes das Turmas Recursais deslocavam-se com regularidade, servindo da própria Secretaria do Juizado.    

 

A afirmação "vá procurar seus direitos", de agrado dos caloteiros, que confiam na impunidade da Justiça, porque lenta, foi substituída pela outra "eu te processo", mais adequada aos interesses do cidadão, porque seguida de resultado prático. Tudo isto ocorreu em face da Lei 7.244/84.    

 

Hoje isto já não acontece, apesar de não se ter verificado qualquer alteração na lei específica. Criaram Secretaria própria para burocratizar o bom andamento dos recursos e o procedimento atualmente em voga aproxima-se cada vez mais do formalismo dos tribunais.

 

Sabe-se, entretanto que aos poderosos não é conveniente a celeridade dos serviços judiciários, daí porque a influência que exercem sobre o legislador possibilitou modificação na lei originária - 7.244/84 -, em uso por onze anos, 84/95, substituída pela nova Lei n. 9.099/95, que ampliou os beneficiários do sistema, quando aumentou o teto das causas de competência dos Juizados de vinte para quarenta salários ou, como querem uns, para qualquer que seja o valor. Nada mudou em termos estruturais e viu-se algo semelhante ao que ocorre com um professor que leciona para turma de trinta alunos e de uma hora para outra recebe na mesma sala de aula mais setenta discípulos, perfazendo o total de cem alunos sem modificação alguma no ambiente. Claro que o ensino e o rendimento da aprendizagem caem assustadoramente, porque as condições do trabalho inviabilizam a capacidade do mestre. Assim também ocorreu com o procedimento nos Juizados Especiais.       

 

Além disto, trouxe a nova lei complexidades não contempladas no sistema anterior. Desmantelou-se a estrutura montada, implicando na contenção do ânimo dos magistrados idealistas que imaginavam o horizonte de uma nova justiça, informal, simples e rápida, mas deparou-se com a realidade do incontrolável número de causas a perturbar o novo ambiente. Pobres e ricos passaram a ter acesso gratuito aos serviços judiciários, independentemente de comprovação do estado de necessidade. Aqui, vê-se semelhança com a liberalidade do ensino universitário, quando faltam verbas, porque o governo insiste em dispensar tratamento igual para desiguais, facultando o acesso gratuito do pobre e do rico.

 

As estatísticas mostram que as reclamações, na grande maioria, tinham valores inferiores a dez (10) vezes o salário mínimo, percentual de 80,58%, enquanto as causas compreendidas entre trinta (30) e quarenta (40) salários significavam apenas 3,47%. Sela-se desta forma o entendimento, segundo o qual a desigualdade para os desiguais só é admitida quando o desigual a ser favorecido está na classe dominante.

 

Os Juizados Especiais, a cada dia, ficam mais perto das formalidades das leis processuais, apesar de a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade constituírem os critérios norteadores da Lei 9.099/95.

A fita magnética na gravação das audiências limitou-se a experiências isoladas, mesmo com autorização legal (parágrafo 3o, art. 13); a oralidade, o uso de fichas ou formulários impressos para manifestação inicial da parte, a sentença, em seqüência à audiência de instrução, fica no papel, parágrafo 3o, art. 14 e art. 28 da lei, porque a prática continua a formal e tradicional; os árbitros, os juizes leigos não foram instalados, apesar de contemplados na lei e na Constituição. A precatória, permitida a substituição por telegrama, fax, etc., (parágrafo 2o, art. 13) continua a infernizar a vida de quem espera rapidez no andamento das reclamações.

 

Enfim, a competência e o trabalho da justiça brasileira não conseguem evitar o refúgio que dela se servem os caloteiros, enquanto o Legislativo não editar boas leis, o Executivo não fornecer recursos necessários para o funcionamento do Poder e o Judiciário desleixar-se no uso de todas as permissões legais para a celeridade processual.

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* Juiz

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