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Obrigatoriedade da vacina para covid-19 e os poderes do empregador

Até que os tribunais superiores se pronunciem, caberá aos empregadores cumprir com o quanto já estabelecido em lei e no entendimento do STF com relação a saúde no ambiente de trabalho.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Atualizado às 14:47

(Imagem: Arte Migalhas)

Com o avanço do plano nacional de operacionalização da vacinação contra a COVID-19, iniciado em janeiro de 2021, muito se discute sobre a retomada das atividades presenciais no ambiente de trabalho e até que ponto os empregadores possuem poderes para exigir ou não a vacinação de seus empregados como expressão de seu poder regulamentar, diretivo e até mesmo sancionador. 

Para enfrentar esta questão é preciso primeiramente resgatar o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das ADIns 6.586 e 6.587 e, também do ARE 1.267.879, que teve por objeto a lei 13.979/20, sendo firmada a tese de que a vacinação compulsória pelo Estado é constitucional, sendo afastadas, contudo, medidas invasivas como o uso da força para exigir a imunização. Na época do julgamento, alguns textos esparsos chegaram a questionar a verdadeira obrigatoriedade da vacina, conforme decidido pelo STF, justamente por não haver coercibilidade. Estes entendimentos, todavia, não tiveram qualquer repercussão tendo em vista que os próprios votos dos ministros, bem como a tese firmada, restam claros que a obrigatoriedade é implementada por meios indiretos, tais como a restrição ao exercício de determinadas atividades ou a frequência a determinados lugares, desde que prevista em lei, ou dela decorrentes, diferenciando-se, portanto, a vacinação compulsória da vacinação forçada. 

Para chegar na tese supramencionada, o STF debateu diferentes questões entorno da obrigatoriedade da vacinação, tais como o dever estatal de prover a toda população interessada o acesso à vacina (afinal não se pode tornar obrigatório algo que não esteja amplamente disponível), a ponderação que resulta o direito coletivo à saúde em maior densidade que liberdades de consciência e convicções filosóficas, religiosas e até mesmo morais (incluindo o direito das crianças ainda que em detrimento do poder familiar), dentre outras, o que demonstra um entendimento quase que unânime da corte no sentido de não haver uma liberdade individual capaz de se sobrepor aos interesses e segurança coletivos. 

Este ponto de partida é importantíssimo pois, uma vez que tenha sido declarado pela maior corte do país, ainda que indiretamente, que a saúde coletiva deve prevalecer em ponderação com o direito de liberdade e convicção individual, parece haver uma diretriz de ordem constitucional a ser seguida pelos demais ramos do Direito, incluindo o Direito do Trabalho. Para efeitos de delimitação deste estudo, serão avaliadas as seguintes situações relativas ao Direito do Trabalho vis a vis com a obrigatoriedade da vacinação: a possibilidade ou impossibilidade de o empregador exigir vacinação de seus empregados, as medidas de caráter coercitivo que o empregador poderá adotar para efetivação desta obrigatoriedade, além das consequências de eventual descumprimento destes regulamentos pelos empregados. 

Posto isto, e trazendo a discussão para o ambiente do Direito do Trabalho, cabe inicialmente analisar o mandamento constitucional de proteção a saúde dos trabalhadores, para após analisar a legislação infraconstitucional. Com efeito, o artigo 6º, inciso XXII da constituição prevê como direito social aos trabalhadores urbanos e rurais a redução de riscos a saúde no ambiente de trabalho. Corroborando com o mandamento constitucional, o artigo 157 da CLT traz ao empregador a obrigatoriedade de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, adotando as medidas necessárias para tal fim. Ainda, a própria lei 13.979/20 que dispõe sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da COVID-19 (lei esta que foi o objeto do julgamento supracitado do STF), dispõe em seu artigo 3º- J que os empregadores adotarão medidas para preservar a saúde de seus profissionais. 

O arcabouço legislativo não se esgota nos exemplos acima, sendo certo que estes foram mencionados por conta do recorte metodológico estabelecido. Há ainda referências nas leis previdenciárias e até mesmo da relação de trabalho com o poder público, que não serão objetos deste estudo. Uma vez estabelecido, portanto, a legislação aplicável aos poderes e deveres dos empregadores sobre o tema saúde de seus empregados, tanto de ordem constitucional, como infraconstitucional, e conjugando com o ponto de partida deste estudo, o julgamento do STF das ADIns 6.586 e 6.587 e, também do ARE 1.267.879, parece haver um comando implícito, até mesmo de responsabilização do empregador, caso este não promova a vacinação dentre os seus empregados. 

Com este mesmo embasamento, o Ministério Público do Trabalho editou seu guia técnico interno sobre vacinação da COVID-19. As autoridades, por esta publicação, defendem inclusive a obrigatoriedade das empresas em inserirem a vacinação no programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO), que é a ferramenta para a preservação da saúde dos empregados de determinada entidade e que pode gerar penalidades ao empregador por seu descumprimento. O MPT, nesta publicação, também olha o outro lado da moeda - o dever do empregado em cumprir fielmente para com as normas de saúde impostas ao empregador, sob pena de comportamento faltoso a recusa injustificada a seu cumprimento (artigo 158 da CLT e norma regulamentadora nº 01). 

Sob este prisma, é possível identificar a tendência de se considerar um dever do empregador a promoção da vacinação de seus empregados. Ainda que o empregador, por convicção própria, deixe de editar normas internas em prol da vacinação, é factível o entendimento de que este poderá sofrer penalização tendo em vista a falta para com o dever de promover a saúde no ambiente de trabalho. Convém neste tocante lembrar que a COVID-19 poderá ser considerada doença ocupacional, inclusive para fins previdenciários e essa discussão poderá chegar aos tribunais também em discussões indenizatórias. Por outro lado, também é possível entender pela mesma tendência ao empregado, ou seja, a recusa injustificada, leia-se: recusa sem embasamento médico, em aderir ao programa de vacinação e demais normas de saúde impostas pelo empregador poderá acarretar consequências, tais como a rescisão do contrato de trabalho por justa causa.

Nos autos do Recurso Ordinário 1000122-24.2021.5.02.0472 julgado no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, fora analisado a demissão por justa causa de determinada empregada que se recusou a tomar a vacina contra a COVID-19, embora houvesse extensa campanha do empregador para a vacinação e outras formas de manter a saúde no ambiente de trabalho. Tendo a empregada se recusado, sem justificativa, a tomar a vacina, o empregador demitiu por justa causa e esta foi mantida tanto no juízo de primeiro grau quanto no tribunal. Todo o arrazoado deste processo se manteve na linha do quanto exposto neste estudo. 

Em outro caso interessantíssimo sobre o tema, nos autos do Recurso Ordinário 0010091-68.2021.5.15.0068 julgado no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, a empregada buscou a rescisão indireta do contrato de trabalho (a justa causa do empregador) alegando o direito de recusar-se à vacina. Ela pretendia, portanto, ver seu contrato rescindido por assédio moral já que ideologicamente era contrária a vacina. A ação não prosperou, e os argumentos de obrigatoriedade da vacina em ambiente de trabalho e a sobrepujança do interesse coletivo à saúde em detrimento da convicção particular do empregado prevaleceu. 

Embora ainda não haja casos julgados por tribunais superiores, é fato que essa discussão será crescente no poder judiciário em diferentes aspectos. De toda forma o entendimento sobre o conflito entre liberdades individuais e direito coletivo à saúde, parece estar firmado que o individual não se sobreporá. Da mesma forma, ainda que a convicção individual parta do próprio empregador, parece assente que haverá responsabilização destes pelas autoridades e, ainda, eventuais reclamações trabalhistas podem ter um desfecho diferente em favor dos empregados caso não haja uma proteção aos mesmos. 

Até que os tribunais superiores se pronunciem, caberá aos empregadores cumprir com o quanto já estabelecido em lei e no entendimento do STF com relação a saúde no ambiente de trabalho. Como medidas coercitivas decorrentes dos poderes do empregador, poderá este impedir o ingresso de empregados/pessoas não vacinadas em suas dependências, advertir funcionários que estejam descumprindo as medidas de proteção e saúde (utilização de EPIs, distanciamento e falta de vacina), atribuir faltas e descontos para aqueles que reiteradamente se ausentem do ambiente de trabalho por não terem sido vacinados, dentre outras medidas similares. Com estas medidas prévias, além de promover um ambiente de trabalho com saúde, o empregador poderá até mesmo entender pela rescisão do empregado com justa causa (não sendo demais lembrar que rescindir sem justa causa é direito de todo empregador). Este procedimento prévio tem sido inclusive a orientação de sindicatos (como o SindResBar) ante a instabilidade do tema, porém sem negar esta possibilidade (da justa causa) já que a lei e os entendimentos jurisprudências e notas técnicas de autoridades corroboram até o momento.

Paulo Henrique Gomiero

Paulo Henrique Gomiero

Advogado em São Paulo.

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