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Menção à prova ilícita e o fair play no plenário do júri

Quando se trata de julgamento no tribunal do júri, o qual é pautado pela intima convicção dos jurados, a importância de julgamento justo sobreleva, de sorte que se outras linhas argumentativas não previstas no artigo 478 do CPP influenciam de maneira ardilosa e réproba o convencimento do conselho de sentença.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Atualizado às 07:58

(Imagem: Arte Migalhas)

Uma das conquistas de maior relevo para aqueles que militam no tribunal do júri, consubstanciou-se no artigo 478 do Código de Processo Penal (CPP), fruto de alterações promovidas pela lei 11.689, de 2008, buscando-se garantir um jogo mais limpo no plenário do júri e, sobretudo, induzindo-se a um julgamento mais isento pelos jurados, vedando à defesa e à acusação a utilização de determinadas linhas argumentativas.

Leiamos o artigo 478 do Código de Processo Penal:

Art. 478.  Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:        

I - à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;

II - ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.

Os Tribunais Superiores quando discutem a vinculação de hipóteses do mencionado dispositivo, indicam tratar-se de um rol exaustivo, conforme obtemperou-se recentemente no AgRg no AREsp 1737903/MS, pelo Ministro Ribeiro Dantas1 e também em 2020 pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca ao comentar o artigo 478 do CPP, aduzindo que "as restrições que as partes podem fazer referências durante os debates em Plenário são somente aquelas expressamente previstas no mencionado dispositivo"2. Discordamos desse entendimento.

Quando se trata de julgamento no tribunal do júri, o qual é pautado pela intima convicção dos jurados, a importância de julgamento justo sobreleva, de sorte que se outras linhas argumentativas não previstas no artigo 478 do CPP influenciam de maneira ardilosa e réproba o convencimento do conselho de sentença, trazendo à cognição dos jurados elementos incompatíveis com o julgamento por leigos, em verdadeiro ferimento ao fair play processual, o juiz presidente do tribunal do júri deve, a nosso ver, inexoravelmente, dissolver o conselho de sentença e declarar a nulidade da sessão de julgamento.

Colaciona-se, nesse sentido, a lição de Gustavo Badaró:

As hipóteses do art. 478 não são numerus clausus. Não será apenas, única e exclusivamente, nestes casos que os jurados serão influenciados. Qualquer outra linha argumentativa, com finalidade persuasiva, mas que possa induzir o jurado a erro, implicará nulidade de julgamento. A diferença é que, nas hipóteses dos incisos I e II do art. 478, demonstrada a situação de base - o acusado foi pronunciado, ou o acusado está algemado, ou, ainda, o acusado permaneceu em silêncio, o que indica que seja culpado -, haverá nulidade, posto que o legislador, previamente, considera que neste caso haverá evidente prejuízo. No entanto, em qualquer outra hipótese, desde que se demonstre concretamente que linhas argumentativas seguidas pelas partes efetivamente influenciaram, de forma indevida e falaciosa, o convencimento dos jurados, a nulidade também será de se reconhecer3.

Intensificando a discussão, vale lembrar uma decisão proferida pela 2ª Turma do STF em 29/11/2016, por unanimidade, no RHC 137.368, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, na qual entendeu-se que bastava riscar da denúncia, da pronúncia e do acórdão confirmatório as referências à prova ilícita, mas admitindo, de outra banda, que o Ministério Público fizesse menção em plenário da própria realização da prova ilícita e dos debates processuais que levaram a sua exclusão. Erraram, a nosso ver, os Ministros.

No plenário do júri, máxime pela intelecção que defendemos do artigo 478 CPP, busca-se por meio das restrições não exaustivas nessa norma veiculadas, evitar-se ao máximo a influência indevida sobre o convencimento dos jurados, de maneira que pautado o conselho de sentença pela íntima convicção, sem a necessidade de fundamentar as suas decisões, a admissão à menção da prova ilícita nos debates em plenário, mesmo que seja nos moldes da decisão do STF sobre o tema, levará a um risco irremovível e danoso a um julgamento que se pretenda justo, qual seja: jamais se poderá verificar se o conselho de sentença levou em consideração a prova ilícita em seu processo decisório.  

Portanto, é fundamental para um julgamento justo que a prova reputada como ilícita, de forma direta ou indireta, chegue à cognição dos jurados, sob pena de contaminar indevidamente o julgamento e, por consequência, ser declarado nulo. O Tribunal do Júri é o ambiente que mais dá vida ao processo, de forma que não se pode correr o risco de se legitimar condenações com base em provas ilícitas em um dos procedimentos mais democráticos que temos.

_______

1 AgRg no AREsp 1737903/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 28/06/2021

2 STJ, AgRg no AgRg no AREsp 1.632.413, Rel. Min. Reynaldo Soares da

Fonseca, 5ª Turma, j. 12.05.2020

3 BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: RT, 2020, p. 820.

Carlos Ribeiro

Carlos Ribeiro

Advogado no Carlos Ribeiro Advocacia Criminal. Presidente da Comissão de Prerrogativas e de Defesa dos Honorários da OAB/SC. Especialista em Ciências Criminais. Cursando LLM em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Público (IDP), no Distrito Federal.

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