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Covid-19: Responsabilidade civil extrajudicial e a lei 14.128/21

Felipe Anderson Gomes da Silva

Sendo o servidor público capaz de comprovar que sua contaminação se deu no ambiente de trabalho e por conduta estatal, independente de ser conduta lícita ou ilícita, o dever de indenizar estará configurado.

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Atualizado em 22 de setembro de 2021 07:48

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 26 de março de 2021, entrou em vigor a lei 14.128/21. Ela dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), trabalharam no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19 ou realizaram visitas domiciliares em determinado período de tempo. 

No caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho ou venham a óbito, a lei dispõe a compensação financeira ao cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários.

A lei em comento, iniciativa do Deputado Federal Reginaldo Lopes (PT- MG), nasceu com a intenção de criar o Programa Apoio aos profissionais de saúde e trabalhadores que atuavam na linha de frente do combate à pandemia gerada pela Covid-19.

Trata-se, evidentemente, de uma medida do mais alto grau de preocupação com o servidor da saúde pública, que se viu diante de uma pandemia mais mortal que outras doenças que apavoraram o mundo neste século, como H1N1 e SARS . Porém, a providência não seria assim se, segundo os dados de março de 2021 não falecesse um profissional da saúde a cada 19h, um número absolutamente assustador que justifica a concessão de uma garantia aos profissionais ou a seus familiares em caso de óbito.

Diante da triste realidade em que vivemos, a redação aprovada na lei 14.128/21 estabelece que os profissionais da saúde (art. 1º p. único, inciso I da lei) que vierem a ter incapacidade permanente no trabalho ou vierem a óbito, receberão, ou seus dependentes, uma indenização composta de:

I - Uma única prestação em valor fixo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), devida ao profissional ou trabalhador de saúde incapacitado permanentemente para o trabalho ou, em caso de óbito, ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, sujeita, nesta hipótese, a rateio entre os beneficiários;

II - Uma única prestação de valor variável devida a cada um dos dependentes do profissional ou trabalhador de saúde falecido, menores de 21 ou 24 anos, se estiverem cursando curso superior. O valor é calculado mediante a multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 pelo número de anos inteiros e incompletos que faltarem para cada um deles, na data do óbito do profissional ou trabalhador de saúde, para atingir a idade de 21 anos completos, ou 24 anos, se estiver inscrito em curso superior.

Contudo, a concessão da indenização só será aprovada na forma de um regulamento a ser editado pelo Presidente da República, que até o momento não o fez.

Vale destacar que a lei 14.128/21 só entrou em vigor após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso Nacional. Entendia, o chefe do executivo, tratar-se de medida dotada de vícios formais que tornariam o então projeto inconstitucional.

Com este histórico, podemos prever que a regulamentação pela via presidencial será uma medida política de difícil ocorrência. Além de um possível questionamento junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) da constitucionalidade da lei em vigor.

De toda forma, é importante destacar que a lei 14.128/21 facilita a concessão de uma indenização por uma via extrajudicial e administrativa, de maneira que tornaria mais célere o recebimento de indenização daqueles profissionais - e de seus dependentes - que sofreram em razão da atividade fundamental que exercem no enfrentamento à pandemia. Contudo, a falta de uma regulamentação não é um empecilho à concessão de uma possível indenização.

É necessário lembrar que a Constituição Federal adota, em seu art. 37º, §6º, a teoria do risco administrativo, modalidade de responsabilidade objetiva em que, presente o ato comissivo pelo Estado, o dano, e o nexo causal entre eles, o dever de indenizar a vítima por parte do Estado está configurado, independentemente de dolo ou culpa.

Portanto, sendo o servidor público capaz de comprovar que sua contaminação se deu no ambiente de trabalho e por conduta estatal, independente de ser conduta lícita ou ilícita, o dever de indenizar estará configurado.

Em caso de ato omissivo estatal, a doutrina majoritária entende que a hipótese de responsabilidade subjetiva estará configurada, ou seja, ainda será possível obter indenização, mas, nesta modalidade, somente se comprovado dolo ou culpa por parte do Estado.

Evidentemente que a solução apresentada pela lei 14.128/21 facilita - e muito - o recebimento de indenização, já que o profissional não precisará  passar pelo laborioso e moroso processo judicial, bastando os trâmites administrativos.

Contudo, é necessário destacar que o dever de indenizar já é previsto na Constituição Federal para que, mesmo ausente, a regulamentação da lei, que impede a sua aplicação integral, o profissional da saúde e sua família não estejam desamparados em caso de contágio em virtude de sua valorosa atuação na linha de frente de combate à Covid-19. Há vida além de uma omissão presidencial.

Felipe Anderson Gomes da Silva

Felipe Anderson Gomes da Silva

Bacharel em Direito pela Faculdade Evangélica de Rubiataba (GO), em 2018, especialista em Direito Público pelo Instituto Damásio - IBMEC (2021), pós-graduando em Direito Previdenciário. Advogado do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados.

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