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Imposto territorial rural - Observações e críticas ao atual modelo de cálculo

O ITR incentiva ao mesmo tempo a preservação do meio ambiente e a manutenção de terras produtivas, com a sua adequada exploração, ambas são formas de realização do exercício da função social, não há a prevalência de uma sobre a outra.

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Atualizado às 08:39

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O Imposto Territorial Rural é um tributo fiscal e extrafiscal, pois além do intuito arrecadatório há a regulação do comportamento do contribuinte para o exercício da função social, almejado pela sociedade. Essas regras ficam visíveis quando da realização do cálculo da alíquota a ser aplicado, posto que será majorada conforme o tamanho do imóvel rural. Quanto maior o imóvel, maior a alíquota (regra fiscal) e conforme o grau de utilização, quanto maior o grau de utilização menor a alíquota (regra extrafiscal).

O ponto a explorar é sobre essas regras, além dos valores da terra nua a serem aplicados e da capacidade dos Municípios conveniados, aproveitando que o prazo para apresentação da declaração encerrará em setembro. Com isso, teremos a fiscalização da Administração Pública, a ser realizada pela União Federal ou pelos Municípios Conveniados que possuem metas a serem atingidas, de forma que os valores não declarados de acordo com a tabela de preço de referência do valor da terra nua apresentado pela Receita Federal poderão estar sujeitos a tais fiscalizações.

Sobre a tabela apresentada quanto ao valor da terra nua, chama a atenção que para todos os municípios do Amazonas, os valores informados foram únicos, sem identificação de aptidões. Em Sobral, no Ceará, aplicou-se o mesmo valor para todas as aptidões, de lavoura aptidão boa à preservação da fauna e da flora. Em Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia, faltou informação para lavoura aptidão restrita, motivo pelo qual importante ter acesso aos laudos de apuração de tais valores, já que as discrepâncias para áreas de aptidões distintas ou falta de valores podem nos induzir a certos equívocos de avaliação pela própria administração pública, considerando que tais aptidões devem refletir a condição de cada imóvel. Lembrando que a avaliação de tais valores considera as respectivas localizações, não basta apenas a informação de aptidão.

Devemos analisar com cautela o cumprimento das regras presentes na IN 1640/2016 e posteriores alterações, pelos Municípios conveniados, principalmente no que pertence à capacidade do agente fiscalizador constante nos arts. 10 e 14, bem como o cumprimento do art. 17 para a manutenção do convênio, caso contrário, a capacidade do agente poderá ser questionada, assim como o próprio convênio. Além da fiscalização pela aplicação do valor da terra nua, outra informação, em foco, é a aplicação das regras, principalmente do grau de utilização aplicado para a apuração da alíquota. A regra fiscal deve respeito à capacidade contributiva, ou seja, quanto maior a capacidade contributiva maior a alíquota. A ideia é aquele que tem maior poder aquisitivo arca com mais imposto. Esse é o racional de progressividade fiscal, entretanto, na prática, tal regra traz uma desproporcionalidade entre o gravame fiscal e a riqueza evidenciada, visto que não há proporção entre a riqueza evidenciada e o imposto, já que há imóveis menores que valem mais que imóveis maiores, não necessariamente o tamanho denotará a capacidade contributiva.

Assim, tal regra é inconstitucional, pois viola os princípios da capacidade contributiva e isonomia. Em contextos passados, quando do advento da lei do ITR 9393/96 até poderia existir correlação entre o tamanho do imóvel e a capacidade contributiva, mas hoje essa proporcionalidade não se verifica. Para melhor apuração da capacidade contributiva e consequente progressividade da alíquota, a relação deveria levar em consideração o Valor da Terra Nua, pois, tal grandeza tem a prerrogativa de representar a capacidade contributiva do contribuinte.

Com relação à regra extrafiscal, a Constituição Federal autoriza tal progressividade como forma de desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, o que se espera é o exercício da função social nessa regra da progressividade. O exercício da função social do imóvel rural houve grandes mudanças na definição desse conceito, se, antes, quando da promulgação da Constituição Federal de 88 víamos o interesse no desmatamento e na não manutenção dos latifúndios improdutivos, hoje, os interesses sociais mudaram, sendo o exercício da função social não só a produção, mas a sua preservação ambiental. O que leva também à alteração do que se deve considerar como improdutivo, assim uma alíquota que é calculada com base no grau de utilização visando apenas a exploração da área não se sustenta, porque a função social do imóvel rural propulsora dessa progressividade se alterou, tanto que áreas de vegetação nativa, além das áreas de Preservação Permanente e Reserva legal são isentas de ITR. Mesmo quando o produtor não está utilizando a área produtiva dentro do grau de utilização delineado atualmente, ele está realizando a função social, pois há, de certo modo, uma preservação ambiental, o que não autoriza mais a aplicação da progressividade como insculpida, tal regra tem que ser adaptada à nova realidade, nos parece que há uma desproporcionalidade entre o discurso social e a imposição legal ao produtor rural.

A tributação de forma mais onerosa daqueles que fazem pouca exploração da área aproveitável não traduz mais o caráter extrafiscal do imposto, como frisamos, a função social do imóvel rural alterou, assim como deve-se alterar tal obrigação, sob pena de violação constitucional. O ITR incentiva ao mesmo tempo a preservação do meio ambiente e a manutenção de terras produtivas, com a sua adequada exploração, ambas são formas de realização do exercício da função social, não há a prevalência de uma sobre a outra. Lembrando, que não existe texto sem contexto e, a todo momento devemos contextualizar o texto para interpretá-lo, pois o contexto que dá sentido ao texto.

Fernanda Teodoro Arantes

Fernanda Teodoro Arantes

Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora no IBET/SP. Juíza do TIT/SP e Coordenadora tributária.

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