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Entre o princípio da verdade material e a efetiva utilização indevida de crédito fiscal de ICMS

Usualmente nos deparamos, dentre as mais diversas Administrações Fazendárias, com legislações - instituidoras ou reguladoras - do ICMS que, embora expressem, com clareza, situações que são consideradas como infrações fiscais aos olhos do erário, por equívocos, mais especificamente relacionados com a semântica das disposições contidas no texto legal, Agentes Fiscais acabam por lavrar diversas Autuações Fiscais que, por sua essência, são nulas.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Atualizado em 29 de setembro de 2021 09:52

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em um julgamento fiscal, que corresponde na análise da argumentação posta em uma Impugnação Administrativa apresentada em face de determinado lançamento tributário, podemos pressupor que existirá, concomitantemente, três verdades, são elas (i) a que é considerada pelo Agente Fiscal em seu lançamento; (ii) a descrita na Impugnação Administrativa pelo contribuinte e, por fim, (iii) a que será concluída pelo próprio Julgador Administrativo, quando do proferimento de sua decisão.

Prevalecerá, neste momento, por lógico, a verdade "concluída" pelo Julgador Administrativo, para quem as provas terão papel fundamental na formação da sua convicção. E neste sentido que prevalecerão os princípios norteadores do Processo Administrativo Fiscal (PAF) que, por sua vez, definirão os limites dos poderes de cognição do Julgador em relação aos fatos que poderão ser considerados para a decisão da situação que lhe é submetida.

No presente artigo, trataremos, pela própria brevidade que lhe faz jus, apenas do princípio da verdade material. A verdade material, caros Leitores, é o que, na verdade, se busca no PAF, isto é, busca-se, apenas, a verdade real dos fatos ocorridos, e não apenas a verdade que, a princípio, é trazida aos autos pelas partes, seja ela o contribuinte ou o próprio Agente Fiscal.

No caso da "verdade" descrita no lançamento realizado pelo Agente Fiscal, na tentativa de enquadramento de uma conduta ou fato (norma-fato) à norma jurídica (norma-tipo), pode-se dizer que, regra geral, trata-se de uma verdade meramente "formal", haja vista a vinculação do Agente Fiscal com os dispositivos legais e, portanto, coagido a apenas exigir o que a lei dispõe, sem haver a obrigatoriedade de realizar qualquer juízo meticuloso, detalhado, derivado de sua mera discricionariedade sobre o caso.

Para tanto, vale trazer o entendimento de Vitor Hugo Mota de Menezes:

"Deve ser buscado no processo, desprezando-se as presunções tributárias, ficções legais, arbitramentos ou outros procedimentos que procurem atender apenas à verdade formal, muitas vezes atentando contra a verdade objetiva, devendo a autoridade administrativa promover de ofício as investigações necessárias à elucidação da verdade material"1

Pois bem. Sob a referida ótica, convém ressaltar acerca das diversas acusações - realizadas por Agentes Fiscais - a contribuintes que, supostamente, estariam utilizando, isto é, se beneficiando, no que se refere - especificamente - ao ICMS, de créditos fiscais irregulares.

Irregulares por natureza. Seja pelo fato de a empresa utilizar cumulativamente créditos fiscais que, por lei, não seria possível, como por exemplo quando utiliza crédito presumido cumulado com o da operação própria, quando a lei expressamente veda, ou mesmo por um lançamento realizado pela empresa em sua escrita fiscal de um valor maior que o devido.

O fato é: o Agente Fiscal questiona um crédito fiscal que, de fato, não poderia ter sido lançado na escrituração fiscal do contribuinte.

E esse que é o ponto. Em razão do lançamento, pode-se considerar como se o contribuinte tivesse, efetivamente, utilizado tais créditos - como fundamento para uma Autuação Fiscal? Para fins de imputação de penalidade como se assim tivesse ocorrido?

A resposta, com toda certeza, é negativa. Para clarificar a situação, exemplificaremos com um caso do Estado de Pernambuco.

Observamos o art. 1º da lei 12.234, de 26 de junho de 2002, do Estado de Pernambuco, cuja transcrição segue abaixo e que trata sobre a concessão de benefícios fiscais nas saídas de programa de computador ("software") não personalizado:

"Art. 1º Nas operações relativas a programa de computador (software) não personalizado, assim entendido o suporte informático e a licença de uso, serão observadas as seguintes normas: (lei 17.118/2020 - efeitos a partir de 31.12.2018) Veja mais aqui. 

I - na saída interna ou interestadual, promovida por empresa que desenvolva o referido programa, prestadora de serviço de informática ou estabelecimento comercial atacadista ou varejista, localizados neste Estado, fica concedido crédito presumido do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS equivalente aos seguintes valores, vedada a utilização de quaisquer outros créditos:" (grifos nossos)

Como visto, trata-se de uma hipótese em que o legislador ordinário deixa claro que, caso o contribuinte pretenda utilizar o crédito presumido, caso entenda ser mais vantajoso e, lógico, preencha os requisitos legais para sua respectiva concessão, vedada estará a escrituração de quaisquer outros créditos, sendo - o mais costumeiro - o da própria operação, que é o relativo à aquisição.

E aí, o Agente Fiscal, por sua vez, identificando o lançamento cumulativo dos créditos ou qualquer outra hipótese que o considere como indevido, simplesmente os glosa, imputando multa e todos demais encargos legais, como se, de fato, tivesse havido o aproveitamento daquele crédito escriturado.

Mas o que poucos juristas - e, em via contínua, diversos empresários - NÃO se atentam é para o fato de que um mero lançamento a crédito na escrituração fiscal não significa, necessariamente, que este foi utilizado, isto é, que este montante escriturado foi capaz de reduzir o montante de ICMS que seria devido no período pela empresa.

Certo, mas por qual motivo, então, o Agente Fiscal não poderia considerar os respectivos créditos como - devidamente - aproveitados?

Liquidez e certeza do valor, caro leitor. Nesse tipo de situação, o Agente Fiscal deverá se atentar para não apenas exigir o crédito fiscal que foi escriturado e que, logicamente, seria indevido, mas sim, deverá refazer toda a escrituração fiscal do contribuinte com o intuito de verificar o - exato - momento em que este "suposto" crédito indevido foi efetivamente utilizado para, então e, tão somente, realizar o respectivo lançamento, nos termos do art. 142 do CTN2.

Isso porque, o fato gerador do ICMS é a circulação de mercadoria, e não, como tentam alguns Agentes Fiscais, a escrituração de crédito fiscal indevido na escrita fiscal. E sendo assim, a mera constatação do registro "contábil" de créditos indevidos acaba por não autorizar, consequentemente, a cobrança/lançamento de tributos, a não ser que fique demonstrado que foi utilizado para diminuir o pagamento de imposto.

Daí porque se faz necessária a reconstituição da escrita fiscal. E digo mais, de uma "excepcional" refazimento, haja vista que deverá ser considerado, pelo Agente Fiscal, a repercussão contábil de cada crédito legítimo escriturado pelo contribuinte, com a exclusão de todo que, supostamente, seria indevido.

Fato que nos chama atenção para a enorme importância de um especialista na área para identificar se, primeiro, houve o efetivo refazimento e, segundo, na hipótese de ter havido, se este estaria correto.

Todos os demais entes federativos versam sobre questões análogas e diversos contribuintes encontram-se, diariamente, sofrendo autuações neste sentido. Sentido que, como visto, a depender do caso, poderá ser anulado, dando mais uma oportunidade para a empresa, sem sofrer qualquer que seja a multa, corrigir sua escrita fiscal.

Espera-se, desta feita, uma maior providência das próprias Administrações Fazendárias, por via de seus Agentes Fiscais, em face do equivocado paradigma que se encontra sendo desenvolvido, por sua vez relacionado a ausência de aplicação do princípio da verdade material quando da realização do ato fiscal para verificar se o contribuinte, efetivamente, utilizou determinado crédito fiscal considerado como irregular.

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1 MENEZES, Vitor Hugo de. 2002, p.22. Obtida via Internet. Clique aqui, 24/8/2021, 22h30min.

2 Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Leonardo Nunes Ferreira

Leonardo Nunes Ferreira

Advogado do Guedes Alcoforado, Advocacia & Consultoria Tributária.

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