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A importância da lei 14.188/2021 e do PL 1.399/19 na luta contra a pandemia da violência de gênero

Não foi à toa que a violência psicológica contra a mulher foi instituída como crime, e que agora busca-se a proteção da mulher especificamente no ambiente de trabalho.

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Atualizado em 1 de outubro de 2021 16:30

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 29/7/2021 foi publicada a lei 14.188/2021 que instituiu o crime de violência psicológica contra a mulher no Código Penal. A partir desta data é considerado crime, passível de reclusão de 6 meses a 2 anos, qualquer ato que cause à mulher dano emocional, que prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento, que vise degradar ou controlar as suas ações, seus comportamentos, crenças ou decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularizarão, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.

Mas, além do grande avanço trazido pela referida lei, você sabia que tramita perante o Senado Federal o Projeto de lei 1.399/2019 (PL), que tem como objetivo alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para instituir a proibição do assédio à mulher no ambiente de trabalho? Além de instituir a proibição, a Lei pretende definir como assédio no trabalho qualquer conduta abusiva relacionada à condição de gênero e que, de forma repetitiva e prolongada, exponha a trabalhadora a situações humilhantes ou constrangedoras, que ofendam sua dignidade e sua condição psíquica.

O PL foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal no dia 10/8/2021, e foi encaminhado à Câmara dos Deputados no dia 27/08/2021, onde será revisto em turno único de discussão e votação. Caso aprovado pela Câmara, o texto será enviado para sanção ou promulgação do presidente.  

Caso essa lei venha a ser aprovada, as empresas serão obrigadas a estruturar um setor de apoio a mulheres vítimas de assédio no ambiente de trabalho, com condições mínimas de funcionamento estabelecidas pela lei, bem como realizarem atividades e palestras de prevenção ao assédio, a serem ministradas para todos os empregados. E caso as empresas descumpram as normas previstas na Lei, estarão sujeitas ao pagamento de multa, além de sanções cíveis e penais.

Um dos objetivos do Projeto é adequar a nossa legislação brasileira à Convenção n. 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que busca a eliminação da violência de gênero no mundo do trabalho, e, assim, estabelecer um ambiente geral de tolerância zero contra atitudes prejudiciais às trabalhadoras.

No Brasil, segundo dados de pesquisa divulgada pelo Datafolha em 07/06/2021, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica e sexual no ano de 2020. De acordo com o levantamento realizado, 1 em cada 4 mulheres acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência. A violência doméstica, que no ano de 2019 representava 42%, subiu para 48,8% no ano de 2020, "coincidindo" com o ano da instalação da pandemia da Covid-19.

Chama atenção uma das pesquisas realizadas, que há uma elevação muito grande no percentual de pessoas que relataram ter presenciado alguma situação na qual os homens estavam brigando, agredindo, ameaçando ou discutindo com as mulheres por ciúmes, xingando, humilhando ou ameaçando mulheres, companheiras ou ex-companheiras, namoradas, e até mesmo presenciaram homens abordando de forma desrespeitosa, mexendo, passando cantadas ou dizendo ofensas contra mulheres.

Outro estudo realizado pelo Instituto Patrícia Galvão, divulgado em 7/12/2020, revelou que 76% das mulheres já foram vítimas de violência no ambiente de trabalho. De acordo com o relatório da pesquisa, 4 em cada 10 mulheres já foram alvo de xingamentos, insinuações sexuais ou receberam convites indesejados de colegas homens.

Podemos entender e concluir que não foi à toa que a violência psicológica contra a mulher foi instituída como crime, e que agora busca-se a proteção da mulher especificamente no ambiente de trabalho. Esse passo é muito grande em um dos países que ocupa um dos primeiros lugares no ranking mundial de feminicídio (5º lugar no ano de 2019), segundo o Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Mas será que sabemos identificar as formas de violência de gênero que ocorrem dentro do ambiente de trabalho?

Algumas formas veladas de violência psicológica, comuns no ambiente de trabalho, levam nomes um pouco difíceis e importados da língua estrangeira. Algumas delas são: o mansplaning, manterrupting, bropriating, gaslighting, manspreading e o male tears. E o que seria isso? Uma completa cartilha elaborada pela Procuradoria-Geral do Trabalho, órgão integrante do Ministério Público do Trabalho, conceituou essas formas de violência de uma forma bastante didática: 

  • Mansplaining: junção das palavras "man" (homem) e "explaining" (explicando): quando o homem tenta "explicar" algo óbvio, que não precisava ser explicado para a mulher, apenas por supor que ela não entendeu ou não seria capaz de entender o que está sendo explicado, como forma de desmerecimento;
  • Manterrupting: junção das palavras "man" (homem) e "interrupting" (interrupção): quando o homem interrompe a fala de uma mulher sem necessidade, não permitindo que ela conclua o seu raciocínio, sua frase ou sua observação em relação a algo. Isso pode acontecer em uma reunião, em uma palestra e até mesmo em entrevistas. Importante mencionar que quando a mulher fala de forma mais assertiva nessa situação, pode ser taxada de "mandona" ou "difícil";
  • Bropriating: junção de "brother" (irmão) e "apropriating" (apropriação): quando o homem reproduz a ideia de uma mulher e leva o crédito no lugar dela;
  • Gaslighting: "Gaslight" é a luz do candeeiro a gás, e a palavra "gaslighting" é referência a uma peça de teatro de 1938 e um filme de 1944, em que o marido, para ficar com a fortuna da esposa, tentava fazer com que ela acreditasse que estava louca, utilizando, dentre outros métodos, a manipulação da luz do candeeiro. Trata-se de uma modalidade de abuso psicológico, em que o homem manipula a mulher para que ela deixe de confiar em si mesma, acreditando que não está totalmente sã. Frases como "você está louca", "você está exagerando", "não foi isso que aconteceu", além da manipulação dos fatos para que a vítima se sinta culpada compõem o quadro do "gaslighting";
  • Manspreading: quando o homem ocupa mais espaço físico do que deveria. Esse problema veio chamando a atenção do mundo, principalmente em transportes públicos, onde o homem se senta de maneira a invadir o espaço dos assentos vizinhos;
  • Male tears: Quando o homem que alega ser vítima de "machismo reverso" e insiste em ser protagonista em assuntos de temática feminista, roubando o "lugar de fala" de quem realmente é o oprimido no caso concreto, ou seja, a mulher. 

Talvez você já tenha passado por uma ou mais das situações acima ou até mesmo presenciado a ocorrência, e não se deu conta de que se tratavam de formas veladas de violência.

A violência de gênero também é uma pandemia muito antiga, só que silenciosa e enraizada na nossa sociedade, que ainda mata e oprime muitas mulheres.

E a única forma de lutarmos contra isso é através da educação e da instituição de medidas de punição, assim como fez a lei 14.188/2021, e como pretende fazer o PL 1.399/2019 que estão sendo grandes passos para a luta contra a violência de gênero!

O importante é que você, homem ou mulher, não se cale diante de uma situação de violência! É importante frisar que não estamos sozinhas. Todos nós podemos ajudar a denunciar:

  • Central de atendimento de apoio à mulher em situação de violência: 180. O Ligue 180 é um serviço gratuito do governo federal que atende 24 horas os pedidos e informações sobre violência contra a mulher, registra as denúncias de violência e faz o encaminhamento, quando necessário para vários órgãos da rede de atendimento.
  • Algumas empresas disponibilizam canais de assistência seguros e anônimos que podem te ajudar. Utilize esses canais, caso você se sinta segura!
  • Descubra aqui outros serviços públicos de proteção às mulheres.
Jessica Quintino

Jessica Quintino

Advogada sênior do FCAM.

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