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O dano ambiental e a obrigação propter rem: uma nova interpretação da súmula 623 do STJ

Uma vez que a obrigação propter rem está ligada diretamente à propriedade/posse do imóvel, o antigo proprietário, ao dispor do bem e desde que não tenha contribuído para o dano (não exista o nexo causal), não mais poderá ser responsabilizado a restaurar/compensar/indenizar o meio ambiente.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Atualizado às 13:19

(Imagem: Arte Migalhas)

Muito se fala na responsabilidade civil objetiva ambiental e na obrigação propter rem, ou obrigação de natureza real, em relação aos danos ambientais. A responsabilidade civil objetiva ambiental está prevista no artigo 225, §3º da Constituição Federal. A obrigação propter rem em matéria ambiental está prevista no artigo 2º, § 2º do Código Florestal Brasileiro. O STJ Interpretando estes dois institutos, voltados para a aplicação no Direito Ambiental, editou a Súmula 623 que diz: "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.". (grifo nosso)

Verifica-se que a Súmula dá a opção ao credor de cobrar a obrigação ambiental do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores. É justamente nesta parte final que a Súmula traz uma confusão conceitual que muito prejudica a correta aplicação dos institutos descritos, senão vejamos:

A obrigação propter rem é aquela se "agarra à coisa" e, desta forma, independe da pessoa do proprietário ou possuidor. Segundo Sílvio De Salvo Venosa "a terminologia bem explica o conteúdo dessa obrigação: propter, como preposição, quer dizer "em razão de", "em vista de". A preposição ob significa "diante de", "por causa de". Trata-se, pois, de uma obrigação relacionada com a coisa. (VENOSA, 2012, p. 38).

 Já a responsabilidade civil objetiva ambiental requer a existência do nexo causal. A configuração do deste nexo causal já foi apreciada pelo STJ que assim decidiu: [.] para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem. [.]" REsp 650.728/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 02/12/2009.

Assim, os dois institutos não se confundem, apesar de se complementarem. A obrigação propter rem, tem relação com a própria coisa, no caso, o imóvel. A responsabilidade civil objetiva ambiental, diz respeito à pessoa que causa o dano. Na primeira, por se ater à coisa, o atual (e aqui é importante destacar o "atual") proprietário ou possuidor tem o dever legal de cumprir a obrigação ambiental pendente, ou seja, independentemente de culpa ou nexo causal, o atual proprietário/possuidor deverá cumprir com a obrigação ambiental, propter rem, que incida sobre o imóvel.

Já a reponsabilidade civil objetiva ambiental gera uma obrigação de recuperação do dano ambiental, independente de culpa ou dolo, mas dependente do chamado nexo causal, ou seja, deve haver, necessariamente, para configuração da responsabilidade civil objetiva ambiental, uma relação de causa e efeito, deve haver o nexo causal.

Fica claro que, caso o dano tenha ocorrido por ação ou omissão de outro/s, que não o proprietário/possuidor atual do imóvel, seja a que tempo for, a obrigação  de recompor/compensar/indenizar poderá ser imputada ao causador/res do dano, través da reponsabilidade civil objetiva ambiental ou ao atual proprietário/possuidor do imóvel, através da obrigação proter rem, ou a ambos, como preconiza a Súmula.

Todavia, caso o dano seja pretérito e haja na cadeia sucessória do imóvel, proprietário/possuidor que, em algum momento tenha adquirido o imóvel e, posteriormente, tenha alienado este mesmo imóvel, desde que não tenha relação de causa e efeito com o referido dano, este antigo proprietário/possuidor não poderá ser responsabilizado por aquele dano e, desta forma, não poderá lhe ser imposta qualquer responsabilidade ou obrigação ambiental.

Tal conclusão se deve ao fato de que a este antigo proprietário/possuidor não poderá ser imputada a responsabilidade civil objetiva ambiental pelo simples fato de não haver nexo causal com o dano. Também não poderá ser aplicada a ele a obrigação propter rem pois ele já não tem relação de posse/domínio com o imóvel. É fato que enquanto era proprietário/possuidor do imóvel a obrigação propter rem poderia lhe ser imputada, no entanto, ao se dispor do imóvel, não possui mais relação com a coisa, não podendo lhe ser atribuída qualquer obrigação de natureza real referente a um imóvel que não mais lhe pertence. Neste caso não se pode aplicar a Súmula 623 do STJ para obrigar este proprietário, que não concorreu para o dano e que não é mais proprietário/possuidor do imóvel, a recuperar/indenizar/compensar o dano ambiental.

Veja que a diferenciação dos institutos é de fundamental importância, uma vez que não é a todos os anteriores proprietários/possuidores que a obrigação ambiental propter rem poderá ser imputada, como pretende a supracitada Súmula.

 

Carlos Diego de Souza Lobo

Carlos Diego de Souza Lobo

Advogado. Professor Universitário. Mestre em Ciências Jurídico-Ambientais pela Universidade de Lisboa/USP. Especialista em Direito Ambiental. Consultor Jurídico.

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