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Um novo patamar ao Mercosul - A adoção da supranacionalidade

O presente texto analisa a validade do instituto da supranacionalidade no arcabouço do Mercosul, diante da contínua instabilidade do bloco, decorrente de desacertos políticos e jurídicos dos Estados partes, como contributo ao alcance último do bloco - o de transformar-se em mercado comum.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Atualizado às 16:47

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Entre 25 a 28 de agosto deste 2021, em modo virtual, realizou-se o festejado Congresso Brasileiro de Direito Internacional, já em sua 19ª edição, promovido pela Associação Brasileira de Direito Internacional (ABDI) e contando com o apoio da Associação de Juristas pela Integração da América Latina (que tenho a honra de presidir).

A convite do coordenador do evento, prof. dr. Wagner Menezes (USP e ABDI), tive a satisfação de proferir a conferência intitulada "Por um novo MERCOSUL - a alternativa da supranacionalidade", a respeita do qual ora passo a alinhavar algumas considerações ilustrativas.

Criado pelo Tratado de Assunção, em 26/3/1991, o MERCOSUL vem a ser uma associação de Estados que conforma uma zona de livre comércio e uma união aduaneira, programado para tornar-se um Mercado Comum. Porém, passados 30 anos, e mesmo com significativos avanços comerciais, o MERCOSUL ainda está longe de fechar o seu ciclo de união aduaneira, posto que sujeito às adversidades do mercado interno e à retórica política de seus governos - sem falar das dificuldades derivadas da ordem econômica mundial, desde 2020 ampliadas em razão da pandemia de covid-19.

Muito embora o MERCOSUL tenha apresentado bons resultados econômicos, especialmente nos primeiros dez anos de atividade, também se lhe reconhece contínuos recuos ou períodos de estagnação. Recentemente, acendeu-se mais uma vez o sinal de alerta quanto à continuidade do bloco, em razão da ameaça feita pelo presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, de romper com a regra que proíbe os parceiros de firmarem acordos comerciais unilaterais, proferida na última Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, realizada no dia 8/7/2021.

A posição uruguaia, que não é nova e conta com a simpatia de setores governamentais do Brasil e do Paraguai, se efetivada, romperá de vez com a já instável e incompleta união aduaneira vigente no bloco, que tem na exigência de decisões consensuais (sistema 4+1) as definições da Tarifa Externa Comum. Circunstância que, além de tantos outros entraves, está a exigir imediatos ajustes e aperfeiçoamentos no bloco 'platino'.

Além disso, o MERCOSUL vem mantendo inalterado o mediano e temerário sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL, pelo qual os conflitos político-econômicos entre os países-membros só podem ser resolvidos (na inviabilidade das negociações preliminares) pelo método da arbitragem, e esta, por conta de discrepâncias governamentais e mesmo de desconfianças metodológicas e institucionais, tem sido muito pouco utilizada - apesar da imponência que se procura dar a um enfraquecido Tribunal Permanente de Revisão, sediado em Assunção há exatos 17 anos (desde 13/8/2004).

Nesse contexto, a minha palestra procurou realçar a relevância de se adicionar critérios de supranacionalidade aos órgãos do MERCOSUL, com enfoque na validade de se instituir um Tribunal de Justiça Supranacional - capaz de impor a obrigatoriedade das regras adotadas, garantir os direitos humanos e sociais, e, incrementar o avanço do bloco econômico rumo ao planejado e compromissado mercado comum (Art. 1 - Tratado de Assunção, 1991).

Naturalmente, a implantação de um Tribunal Judicial no MERCOSUL poderá implicar - em princípio - na modificação das Constituições dos Estados Partes. Por certo, havendo vontade política, a reforma das constituições nacionais representa o caminho mais rápido para se concretar a integração pelo critério da supranacionalidade, mas não é o único.

Vale recordar que em alguns países europeus, em vez de se remendar a Carta Maior, a judicatura simplesmente adaptou a sua interpretação da ordem jurídica à realidade comunitária. Ou seja, em alguns países foi preciso uma alteração constitucional, mas, em alguns outros, a supremacia do direito comunitário foi simplesmente reconhecida pelos tribunais nacionais. Ora, nos tempos presentes, isso não parece difícil no Brasil, quando se vê o STF praticamente legislando, denunciando e julgando em situações de ameaça aos princípios democráticos.

Afinal de contas, se é de se levar a sério e se cumprir com os objetivos do Tratado de Assunção (Art. 1) e do ideário constitucional brasileiro (Art. 4º - § único), o bloco mercosulista ainda está a dever solução cabal e adequada, inclusive, à efetivação de livre circulação de pessoas (físicas e jurídicas), serviços e fatores produtivos (capital e trabalho), reconhecimento de diplomas, e mesmo concluir a implantação da TEC, em conjunto com a coordenação de políticas macroeconômicas e harmonização progressiva das legislações nacionais, com vistas a um direito próprio do bloco - etapas essas necessárias a um mercado comum, e que, hipoteticamente, deveriam ter sido atingidas em meados da primeira década do século XXI, mas de lá para cá parecem cada vez mais relegadas às calendas gregas.

Ademais, a pleiteada revisão da estrutura e dos conceitos jurídico-políticos que norteiam e conduzem o MERCOSUL atual, aliás, visando a superação de suas amarras legais - que decorrem do vetusto conceito da soberania "indivisível" presente nas constituições dos países-membros (Brasil e Uruguai com mais ênfase) - e também buscando a redução do controle absoluto do Executivo nos órgãos diretivos, terá o condão de se dotar o bloco assunceno de instrumentos que o tornem mais atuante e benéfico em favor de suas amplas populações, criando nelas o sentimento de pertença ao processo integracionista, assim capacitando-as a influenciar fortemente sobre os respectivos governos e suas instituições, no rumo de novas formas de governança e de uma efetiva política de distribuição de renda e riqueza aos povos dos países que o constituem.

Urge a tomada de providências, inclusive a curto prazo, para que o MERCOSUL não seja relegado a 'morrer na praia', como outras experiências negativas vivenciadas na América Latina. Se é para ter êxito pleno, tornando-se o segundo mercado comum do planeta (à exemplo da União Europeia), entendo que as mudanças no bloco mercosulista devam começar pela instalação de um Tribunal de Justiça - permanente e supranacional. 

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AGÊNCIA BRASIL (7/7/2021). In: clique aqui. Acessado em 6/8/2021. 

AGÊNCIA BRASIL (8/7/2021). In: Clique aqui. Acessado em 6/8/2021. 

D'ANGELIS, Wagner Rocha, Mercosul: da intergovernabilidade à supranacionalidade?, Curitiba, Juruá, 2001.

D'ANGELIS, Wagner Rocha, "Para onde caminha o Mercosul? (A integração ao sul do Equador)", in D'ANGELIS, Wagner Rocha, coord., Direito da Integração & Direitos Humanos no Século XXI, Curitiba, Juruá, 2002 pp. 167-184.

D'ANGELIS, Wagner Rocha, Direito Internacional do século XXI (integração, justiça e paz), Curitiba, Juruá, 2003. 

D'ANGELIS, Wagner Rocha, "Integração, inclusão social e desenvolvimento na América Latina", in PIÑERO, Nuria Garcia et VITORIA, Ignacio Garcia, org., Direito e Justiça número XI: estudos contemporâneos (CONSINTER), Curitiba, Juruá, 2020, pp. 435-457.

Wagner Rocha D'Angelis

Wagner Rocha D'Angelis

Advogado, historiador e professor universitário. Pós-graduado em Direito - mestrado e doutorado (USP/UFPR). Presidente da Associação de Juristas pela Integração da América Latina (AJIAL).

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