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Da abusividade da alteração unilateral dos contratos dos serviços de streaming em face ao CDC

O streaming é assim entendido no mercado brasileiro - como plataformas digitais que utilizam da internet para transmissão de conteúdo artístico, cultural e esportivo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Atualizado às 14:03

(Imagem: Arte Migalhas)

INTRODUÇÃO:

Com o avanço das novas tecnologias e da sociedade da informação os serviços televisivos passaram a ser ofertados de três formas: TV Aberta, TV Fechada e o Streaming.

Este último se dá por uma plataforma digital que utiliza como transmissão a "internet", pela qual o usuário tem acesso ao sistema por meio de assinatura paga, normalmente, por valores mensais ou anuais.

No Brasil, o streaming já é uma realidade e atinge um universo considerável de consumidores e diversas e modernas plataformas que já oferecem esse serviço, tais como, Netflix, Youtube, Disney +, Amazon Prime Video, HBO MAX, Globo play, Paramount + entre outros.

Estas plataformas (fornecedoras de serviço) cada vez mais estão implementando novos serviços de streaming, sem respeitar os contratos de consumo vigentes, pois, criam subprodutos e alteram a oferta anterior sem resguardar qualquer direito do Consumidor como determina a lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

As plataformas digitais que prestam o serviço de streaming sem qualquer controle ou fiscalização, estão realizando alterações contratuais unilateralmente e desrespeitando a expectativa do consumidor que adquiriu uma assinatura para ter um serviço de acesso a conteúdo televisivo, uma vez que retiram do direito do assinante (consumidor)  a possibilidade de acesso a determinados conteúdos sem prévio aviso e criam canais adicionais com os serviços anteriormente prestados de maneira onerosa para o consumidor.

Este artigo visa analisar e estudar as abusividades desse importante serviço de entretenimento "streaming" em face ao que prescreve o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que ao nosso ver a sociedade está sendo lesada financeiramente por estes atos unilaterais que merecerão a tutela estatal como determina a Política Nacional de Relação de Consumo.

OS SERVIÇOS DE STREAMING OFERTADOS NO MERCADO BRASILEIRO

A sociedade cada vez mais demonstra a necessidade da tecnologia no nosso dia a dia, tanto nos ambientes de trabalho quanto nos de lazer.

Principalmente nos tempos atuais de reclusão social, em que o ambiente de trabalho, na maioria dos casos, se transferiu para as residências.

Devido à pandemia, foi imposta uma grande necessidade de se adaptar o antigo estilo de vida ao novo.

Visto isso, a "internet" e as redes sociais se tornaram um marco muito importante na vida de todos, uma vez que passam a ser os meios de lazer e de contato no isolamento social mais importantes.

O streaming é assim entendido no mercado brasileiro - como plataformas digitais que utilizam da internet para transmissão de conteúdo artístico, cultural e esportivo. Outrossim, o consumidor pode ter acesso a diversos documentários, filmes, séries, competições esportivas e outros serviços de difusão.

Com isso, os sistemas de streaming tiveram um aumento em sua demanda, o que fez com que, consequentemente, fossem criadas mais plataformas digitais para suprir essa nova demanda da sociedade.

Esse novo sistema não possui qualquer lei reguladora, muito embora existam PL's, como a PL 4389/20191, pela qual aplicar-se-á ao consumidor desse serviço, em especial, aos direitos contratuais e à proteção de sua expectativa, o Código de Defesa do Consumidor. 

Entretanto, com um maior número de plataformas, o consumidor é induzido e seduzido a assinar mais e mais programas, o que pode lhe trazer um prejuízo financeiro, pois, em alguns casos, agridem a oferta anterior e muitos destes sistemas, além de cobrarem pela assinatura regular, introduzem "canais" que são pagos de maneira adicional.

Exemplos deste fenômeno abusivo são as plataformas Amazon Prime Video, que implementou "canais" cobrados a parte, e a Disney Plus, com o antigo "Premier Access", (o qual já saiu dos mecanismos da plataforma).

Esses programas adicionais foram retirados unilateralmente da assinatura regular e não estão inclusos para os seus atuais assinantes, que para ter acesso ao conteúdo são obrigados a realizar uma nova assinatura, o que caracteriza uma ofensa grave aos Direitos do Consumidor.

Podemos citar o caso da plataforma Disney +, em que, ao ser lançada no Brasil em novembro de 2020, ofertou diversos programas, entre eles o famoso desenho animado "Simpsons" como um de seus "carros chefes". Todavia, no dia 31 de agosto de 2021, foi lançada a plataforma "STAR +", também garantida pela Walt Disney Company.

A partir do seu lançamento, programas que anteriormente estavam na plataforma Disney + passaram a ser transmitidos por esse novo sistema, como por exemplo o já mencionado "Simpsons", que migrou para o "STAR +" mesmo depois de menos um ano da estreia da outra plataforma no Brasil, ou seja, descumprindo a oferta inicial realizada para os seus assinantes.  

Portanto não importa que o consumidor pague a mensalidade/anuidade proposta na oferta para ter acesso a divisões especiais de conteúdo, terá que pagar um valor adicional para poder assistir a um programa que tinha sido prometido a um assinante de tal plataforma fornecedora, mesmo que essa plataforma tenha sido lançada em menos de um ano.  

Tal ato demonstra a clara abusividade destas fornecedoras de serviço de streaming para com os seus consumidores.

A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA AO CONSUMIDOR

Primeiramente, a relação jurídica estabelecida entre a plataforma de streaming e seu assinante é a de consumo, como determina a lei 8078/90 em especial os artigos 2º2. (sendo o assinante - consumidor de serviços) e 3º.3 (fornecedor de serviços) e ainda como corrobora decreto 7.962/134.

No tocante, o assinante (consumidor) é a parte hipossuficiente e vulnerável da relação jurídica, e está sujeito às vontades unilaterais dos fornecedores dos sistemas de streaming que realizam a aumento de preços não razoáveis e a criação de "canais extras" que promovem cobranças extraordinárias para o acesso a tal conteúdo.

O assinante-consumidor tem seus direitos básicos previstos no artigo 6º do CDC, disserta que:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

...

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

 III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV - A proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V - A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

....

Dentre esses direitos básicos, destacamos para o presente estudo o da educação de consumo, informação, proteção a práticas comerciais abusivas e proteção contratual

Essas grandes fornecedoras, ao criarem esses aplicativos, visam à monetização por meio de seu conteúdo, sem educar e informar o consumidor da forma de utilização e ainda respeitar a oferta inicial, o que faz com que os seus consumidores estejam submetidos a aumento de preço da mensalidade repentinos, ou até um exemplo mais recorrente, o estabelecimento de uma cobrança a parte de serviços anteriormente fornecidos pela plataforma por um preço alto.

A oferta traz no Código de Defesa do Consumidor um importante ferramenta de proteção ao consumidor, uma vez que assim discorre em seu artigo 30:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Entende-se por oferta a apresentação que o fornecedor faz para atrair o consumidor e esta vincula o fornecedor durante todo o curso contratual, não podendo realizar alterações unilaterais.

As alterações unilaterais realizadas pelo fornecedor de streaming em detrimento a seus consumidores são consideradas práticas abusivas nos termos do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

V - Exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

X - Elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.  

Além disso, as alterações contratuais realizadas unilateralmente são consideradas abusivas nos termos do artigo o 51, X, do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

 X - Permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

Logo, os fornecedores de streaming em face suas práticas de alterarem os preços de maneira unilateral, estão sujeitos a proteção consumerista da oferta nos termos do artigo 355 da lei 8078/90.

Ademais, o Estado deveria fiscalizar e punir os fornecedores de streaming para "cortarem o mal pela raiz", de forma que essas plataformas sejam multadas e sofram ação coletiva de consumo pelos Legitimados na Defesa do Consumidor com o intuito de inibir estes atos maléficos contra os consumidores e para que os aplicativos cumpram o que ofertaram aos consumidores quando de seus lançamentos.

CONCLUSÃO

Tendo em vista as necessidades da sociedade atual, que está cada vez mais tecnológica, viu-se uma nova oportunidade de mercado: os sistemas de streaming, que principalmente agora na pandemia tiveram um forte crescimento e são uma das formas de lazer da sociedade.

Contudo as grandes fornecedoras, em vez de prestarem o serviço prometido, estão cada vez mais criando plataformas e mais plataformas para "suprir o grande desejo de assinar algo" dos seus consumidores, o que faz com que aumentem o preço, e elaboram mais e mais maneiras de fazer com que os seus assinantes paguem por serviços desnecessários e prejudiciais, que causam sérias lesões aos consumidores.

Como conclusão, propomos aqui uma fiscalização do Estado no mercado de Consumo para que as assinaturas nestes sistemas de streaming cumpram sua função social de difusão do entretenimento sem que utilizem de práticas abusivas que prejudicam financeiramente os consumidores.

Portanto, ao ser controlado esse serviço, em vez de se criarem mecanismos, que somente visam às vontades unilaterais das plataformas fornecedoras, trarão mais benefícios para os seus assinantes e não firmem uma situação abusiva, que é a que todos nós estamos vivenciando nos tempos de hoje.   

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1 PL4389/2019 - Altera a lei 12.485, de 12 de setembro de 2011, que dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado; e dá outras providências, para permitir a disponibilização de canais programados em aplicações de internet, independentemente de autenticação de assinantes de Serviço de Acesso Condicionado, e para garantir a liberdade de controle e de titularidade entre prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, produtoras e programadoras do Serviço de Acesso Condicionado

2 Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

3 Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

4 Regulamenta a lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico.

5 Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

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"SERVIÇOS DE STREAMING: CONSUMIDOR PRECISA FICAR ATENTO", Proteste.

"NETFLIX ULTRAPASSA MARCA DE 200 MILHÕES DE ASSINANTES NO MUNDO",  MEIO & MENSAGEM.

Clique aqui.

"HBO MAX STREAMING ALCANÇA 67 MILHÕES DE ASSINANTES NO MUNDO", TECMUNDO.

"AMAZON PRIME ALCANÇA 200 MILHOES DE ASSINANTES GLOBAIS", EXIBIDOR.

Sabrina Martins Feuz

Sabrina Martins Feuz

Acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Paulo Sérgio Feuz

Paulo Sérgio Feuz

Doutor em Direito pela PUC/SP, Professor de Direito das Relações de Consumo da PUC/SP e Coordenador do Núcleo em Direito Desportivo da PUC/SP.

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