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Hermenêutica dos prazos processuais fixados em hora, preenchendo lacunas

Kildare Araújo Meira e Antônio Bento de Morais Neto

Afirmamos que ante as lacunas legais da contagem do prazo em horas, entendemos que o padrão de tratamento dessa contagem processual deve ser inspirada na regra do artigo 219 do CPC similar a contagem de prazos em dias, resguardando as horas úteis e em caso da intimação não identificar o exato momento da ciência do notificado.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Atualizado às 08:51

(Imagem: Arte Migalhas)

O presente texto pretende esmiuçar sobre as regras aplicadas para os prazos processuais delimitados em horas, ajudando a preencher uma lacuna sobre o tema quanto as regras trazidas no Código de Processo Civil de 2015, visto que tal modalidade não foi devidamente abordada no atual ordenamento jurídico ou mesmo na doutrina, sendo assim motivo para controvérsia principalmente dentro da jurisprudência.

Após o Código de Processo Civil de 2015 entrar em vigor muitas questões passaram a ser levantadas devido às mudanças trazidas. Um dos questionamentos, é acerca dos prazos processuais fixados em horas, que não foi DEVIDAMENGTE abordado no mais recente código, e pouco foi discutido nos âmbitos jurisprudencial e doutrinário.

Dito isso, almeja-se por meio deste parecer elucidar o tema, nos seguintes pontos: o marco inicial para a contagem desses prazos; se deve ser contado de maneira corrida ou apenas as horas "úteis" (horas pertencentes aos dias úteis) e por fim se seria possível no caso de prejuízo de algumas das partes a transformação das horas estipuladas para dias, considerando princípios basilares do processo.

A priori, é necessário dizer que no Código Processual Civil, apesar de trazer prazos em horas, nenhuma regra foi estabelecida acerca dessas, sendo necessário utilizarmo-nos da jurisprudência e da doutrina para conseguir alguma resposta mais concreta, além de é claro usar uma interpretação por analogia das regras estabelecidas em dias.

Considerando essa importante informação preliminar, pode-se dar início ao esmiuçamento do tema. Tratando-se de um tema tão controverso é assaz relevante identificar os pontos para o deslinde.

O primeiro ponto é o marco inicial da contagem do prazo, podendo ser tanto de a partir do horário estipulado na intimação, quanto a partir do horário de publicação da mesma. Além disso, alguns magistrados admitiram que pudesse ser no primeiro minuto do dia de expediente forense seguinte também, como veremos adiante.

O segundo tópico diz sobre o correr do prazo, nesse ponto há um contrassenso na jurisprudência e também na doutrina, se há de se contar apenas as horas dos dias em que há expediente forense (dias úteis) em analogia aos prazos contados em dias como está no Código de Processo Civil, ou ainda se deveria correr minuto a minuto em concordância com o exposto no Código Civil.

O terceiro, e último, ponto de inflexão diz respeito à possibilidade de mudança do prazo fixado em horas para dias, devido muitas vezes faltar na intimação a identificação da hora inicial de contagem do prazo.

Diante dessas dúvidas é possível encontrar na jurisprudência as respostas, algumas decisões frisam que é plausível usar de maneira análoga o que é estipulado para a contagem em dias para a contagem em horas, desse modo é completamente viável iniciar a contagem excluindo o dia de início, principalmente considerando que não é estipulado no próprio Código algo específico para os prazos fixados em horas, e, em muitos casos, pelos magistrados também. Ademais, vamos ao deslinde das questões levantadas.

 MARCO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO

Está disposto no caput do art. 224 CPC, que: "Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento", como já ressaltado, o Código de Processo Civil é silente em relação a contagem, não havendo de tal modo ressalva alguma acerca do uso dessa regra para os prazos em horas, nesse sentido há jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, nos seguintes termos:

 TJ/ES - APL 0034636-72.2010.8.08.0024 

APELAÇÃO CÍVEL - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE EM EXECUÇÃO FISCAL - PRAZO FIXADO EM HORAS - TERMO INICIAL - RECURSO DESPROVIDO. 1 - A legislação estabelece a forma de contagem do prazo em horas, mas não há previsão legal expressa acerca do termo inicial para contagem do prazo no processo administrativo, quando este é fixado em horas e a intimação se dá por meio do Diário Oficial. 2 - Mostra-se plausível que se aplique subsidiariamente as regras do Código de Processo Civil para se concluir que a contagem do prazo deve desprezar o dia da cientificação e começar a fluir do primeiro dia útil seguinte. 3 - Considerando que a legislação estabelece a necessidade de observância de um prazo mínimo de 48 (quarenta e oito) horas entre a publicação da pauta e a sessão de julgamento, correto o MM Juiz ao acolher a Exceção de Pré-Executividade. 5 -  Recurso desprovido.

Contudo há também entendimento no sentido de que o termo inicial é contado a partir do horário da notificação, podendo inclusive ser de maneira tácita sem nenhum horário estipulado de maneira clara na intimação

STJ - REsp 416689 / SP

Ação  de  prestação de contas. Segunda fase. Prazo para apresentação das contas. Prazo fixado em horas. Contagem. Precedentes da Corte.

1. Como já assentou a Corte, o prazo fixado em horas conta-se minuto a  minuto.  No caso, irrelevante o fato de não constar da certidão a hora da intimação. O Acórdão recorrido beneficiou a recorrente com a prorrogação  do  início para o primeiro minuto do dia seguinte ao da juntada  do  mandado,  adiando  o  seu termo final para o momento da abertura do expediente forense do dia seguinte ao do encerramento do prazo de 48h, considerando que este caiu no domingo.

2. Recurso especial não conhecido.

HORAS "ÚTEIS" OU HORAS "CORRIDAS"?

Existem entendimentos divergentes na jurisprudência acerca do tema, sendo mais predominante o entendimento de que se deve seguir o que está exposto no Código Civil, devendo o prazo correr conforme o art. 132, §4°, que traz no seu enunciado: "Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto", deixando claro assim que deveria ser contado de forma "corrida", nesses termos:

TJ/RS - ED 71004878179 RS

EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AUSENCIA DE PREPARO RECURSAL. CONDIÇÃO OBJETIVA DE ADMISSIBILIDADE. DESERÇÃO CONFIGURADA. 1. Considerando que a intempestividade do preparo se equivale à ausência de preparo, forçoso negar-se provimento à pretensão de modificação do julgado. 3. Nos termos do art. 132, § 4º, do CC, o prazo fixado em horas conta-se minuto a minuto, não se aplicando a regra geral do art. 184 do CPC, que exclui da contagem o dia da publicação da decisão, quando o prazo se conta em dias. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Embargos de Declaração, 71004878179, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: José Antônio Coitinho, Julgado em: 31-07-2014)[0]

Mas para tanto é necessário que a intimação deixe claro a hora exata da intimação, pois caso inexista, a razão prática impõe que o prazo em horas seja tratado em similaridade com o prazo em dias.

Contudo também existem entendimentos que apontam para a contagem apenas das horas em dias úteis, presentes tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Na doutrina tem o autor Guilherme Rizzo Amaral, que no seu livro "Comentários às alterações do novo CPC" (2019) escreve no seguinte sentido: "Apesar de a regra do art. 219 fazer referência apenas à contagem do prazo em dias, vale ela também para os prazos processuais contados em horas. Contam-se somente as horas transcorridas em dias úteis".

Bebendo dessa fonte há jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho, deliberando nesse mesmo sentido, como pode-se ver:

TRT -PR-53260-2015-651-09-00-5-ACO-15592-2018 - 1A. TURMA

TRT-PR-20-11-2018 CONTAGEM DE PRAZO FIXADO EM HORAS. Tratando-se de prazo em horas fixados pelo Juízo (48 horas para apresentar memoriais), a contagem é feita minuto a minuto, consoante o § 4.º do artigo 132 , do Código Civil. Assim, tendo se encerrado a audiência às 9h35 do dia 08-02-2018 (quinta-feira), escoou o prazo de 48 horas no sábado, dia 10, às 9h35. Tendo em vista que não houve expediente no sábado, domingo, bem como, na segunda-feira (dia 12), terça-feira (dia 13) e quarta-feira (dia 14), em razão dos feriados de Carnaval, o encerramento do prazo se estendeu até às 9h35 do primeiro dia útil, qual seja, dia 15 (quinta-feira). Sendo assim, são intempestivos os memoriais apresentados no dia 15, às 10h37. Sentença que se mantém.

POSSIBILIDADE DE MUDANÇA DO PRAZO FIXADO EM HORAS PARA DIAS

Apesar de parecer forçoso, tal transformação já foi contemplada em algumas decisões, inclusive recentes, na jurisprudência quando comprovado o prejuízo pelo prazo exíguo, com esse entendimento decidiram os Tribunais de Justiça de São Paulo e Bahia, vejamos:

TJ/SP - AI 2154011-21-2021.8.26.0000 SP

Agravo de Instrumento - Sociedade - Ação de cobrança de haveres com pedido de tutela antecipada - Exibição de documentos - Decisão que deferiu a tutela para que a ré apresente os documentos requeridos pela sócia retirante - Agravo da sociedade ré - Insurgência exclusiva quanto ao prazo para cumprimento da obrigação de exibir os documentos (demonstrativo das receitas líquidas, e relação dos pagamentos recebidos pela sociedade) referente aos meses subsequentes - Pretensão de exibir em, até, dez dias úteis - Efeito ativo requerido indeferido - Reforma parcial - Prazo fixado que comporta pequena ampliação, considerando a pertinência razoável do pedido nos planos contábil, jurídico e processual, e para a finalidade a que se destina a exibição dos documentos - Agravante que demonstra boa-fé processual para cumprimento da tutela concedida, com planilha e documentos discriminados, mostrando-se adequada a fixação de 5 (cinco) dias úteis para cumprir a ordem judicial, em substituição ao prazo original fixado em horas - Ausência de prejuízo ou perigo de dano à autora agravada, que poderá especificar nos autos de origem eventuais documentos complementares para sua apuração de haveres - Decisão agravada parcialmente reformada - Recurso provido em parte

TJ/BA - AI 0026443-80-2017.8.05.0000 BA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. DETERMINAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE APARELHO DE TELEVISÃO POR OUTRO DE IGUAL QUALIDADE. VÍCIO DO PRODUTO. REDUÇÃO DO VALOR FIXADO À TÍTULO DE MULTA DIÁRIA E DO LIMITE MÁXIMO DE SUA INCIDÊNCIA. DILAÇÃO DO PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE 48 (QUARENTA E OITO) HORAS PARA 5 (CINCO) DIAS ÚTEIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

I-  A empresa Agravante, uma multinacional, de grande porte econômico, não fez prova, nos autos instrumentais, da adoção de qualquer medida que atendesse a consumidora Agravada em seu pleito, consistente, em sede liminar, na substituição de aparelho de Televisão LED 43'' ou na devolução do valor pago pelo produto, que apresentou defeito dentro do prazo de garantia.

II-  In casu, deve-se reduzir o valor fixado à título de multa diária, de R$ 500,00 (quinhentos reais), para R$ 200,00 (duzentos reais), até o limite de 5.000,00 (cinco mil reais), considerando o valor do bem adquirido e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

III- Quanto ao prazo de 48 (quarenta e oito) horas estipulado na decisão a quo para cumprimento na obrigação, entende-se que, de fato, é bastante exíguo, sendo mais adequada a sua dilação para 05 (cinco) dias úteis.

AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Em conclusão afirmamos que ante as lacunas legais da contagem do prazo em horas, entendemos que o padrão de tratamento dessa contagem processual deve ser inspirada na regra do artigo 219 do CPC similar a contagem de prazos em dias, resguardando as horas úteis e em caso da intimação não identificar o exato momento da ciência do notificado, o prazo processual deve ser tratado em similaridade com os dias úteis.

Kildare Araújo Meira

Kildare Araújo Meira

Sócio do escritório Covac - Sociedade de Advogados.

Antônio Bento de Morais Neto

Antônio Bento de Morais Neto

Acadêmico de Direito da UFPB, estagiário da Covac Sociedade de Advogados.

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