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Morte e Vida da EIRELI

Pouco depois de completar dez anos de existência a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada deixa de existir no ordenamento jurídico brasileiro e dá lugar à recém-chegada sociedade limitada unipessoal.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Atualizado às 12:19

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Buscando facilitar a abertura de empresas e a desburocratização societária foi publicada, em 26 de agosto de 2021, a lei 14.195 que trouxe a sociedade limitada unipessoal ao ordenamento jurídico brasileiro e pôs fim à existência da empresa individual de responsabilidade limitada, nascida da lei 12.441/11.

A EIRELI surgiu para dar solução a um antigo problema enfrentado por aqueles que buscavam a constituição de uma empresa cujo patrimônio e responsabilidade fossem dissociados dos sócios, possibilitando a existência de uma empresa constituída de um único titular de quotas.

Antes da criação das empresas individuais de responsabilidade limitada os empreendedores que buscavam a abertura de um novo empreendimento tinham apenas duas opções, i) seguir com seu empreendimento como empresário individual, cuja responsabilidade é ilimitada, ou ii) encontrar alguém que acreditasse na ideia para constituírem juntos uma sociedade limitada.

Contudo, com o tempo percebeu-se que a exigência de pluralidade de sócios acabava criando sociedades fictícias, nas quais um dos sócios possuía a grande maioria das quotas sociais e tomava todas as decisões, enquanto o outro sócio, que detinha quantidade muito menor de quotas, sequer participava dos atos e tomadas de decisão.

Isso acabava criando um ambiente de instabilidade e insegurança, conduzindo à problemática acerca da personificação de um ente não coletivo e, principalmente, a possibilidade/necessidade de separação do patrimônio entre o empresário e a sociedade unipessoal.

Essa separação patrimonial diz respeito à limitação da responsabilidade e possui dupla função, proteger o empresário, dando condições para que ele separe o patrimônio da sociedade de seu pessoal e proteger os credores, tanto da sociedade quanto da pessoa natural, resguardando o pagamento das dívidas adquiridas por cada um dos entes de forma apartada.

A primeira função traz ao empresário a segurança de que seus bens pessoais não serão afetados pela atuação da sociedade, fazendo com que tome decisões mais arrojadas e empreendedoras. Assim, acaso as decisões sejam desacertadas terá o empreendedor ciência de que apenas o patrimônio colocado à disposição da sociedade será abalado.

Já a segunda função traz aos credores a consciência de que o lastro para pagamento das dívidas adquiridas pelo empresário são os bens da empresa, assim, terão condições de conceder créditos, prazos e condições de negociação para a sociedade cujo capital social, bens e saúde financeira, será de seu conhecimento.

Entendeu-se necessária a formalização dessa separação patrimonial e a doutrina passou a adotar formas não societárias de organização unipessoal. No Brasil, como bem demonstraram Erasmo e Marcelo¹, essa discussão teve início em 1947, quando o deputado Freitas e Castro apresentou o primeiro projeto de lei sobre o assunto, contudo, a discussão não prosseguiu.

Com a Lei das S.A. surgiu então a primeira sociedade unipessoal, a subsidiária integral, cujo único acionista é a sociedade brasileira. Foi trazida também pela primeira vez a possibilidade de temporariedade da unipessoalidade em S.A., que primeiramente a jurisprudência alargou para a sociedade limitada e, com o Código Civil, restou formalizada na legislação.

Nove anos depois do Código Civil, em 11 de julho de 2011 foi publicada a lei 12.441 que acrescentava o artigo 980-A ao CC em uma tentativa de dar solução ao problema de constituir uma empresa cujo patrimônio e responsabilidade fossem dissociados da figura de seu único sócio, surgia assim a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI.

Contudo, essa novidade já chegou sendo criticada pela doutrina, em especial porque, o artigo 44 do Código Civil foi alterado para inclusão do inciso VI, causando confusão se se trataria de uma nova pessoa jurídica ou um novo tipo societário, além disso, para ser constituída, exigia capital social mínimo de 100 (cem) salários-mínimos e era proibida a constituição de mais de uma por pessoa natural.

O estabelecimento de capital social mínimo em valor elevado acabou afastando essa figura das pequenas e médias empresas, desvirtuando a intenção do legislador de "tirar da informalidade negócios de menor porte"². Já na discussão, se se tratava ou não de um novo tipo societário, a doutrina seguia o entendimento de que, mesmo que não tivesse sido a opção legal, na prática, a EIRELI possuía muitas características de sociedade limitada unipessoal.

Aprovada a Lei de Liberdade Econômica e, semeada a ideia de constituição da sociedade limitada unipessoal, "a grande razão de ser da Eireli, que era cumprir o papel de único instrumento para limitação da responsabilidade de quem empreende individualmente, deixou de existir"³ e, como bem destacado no Ofício Circular SEI n. 3510/2021/ME do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração - DREI para todas as Juntas Comerciais:

agora a sociedade limitada também cumpre esse papel, e o faz de modo mais atrativo para o empreendedor, diante da desnecessidade de integralização de capital mínimo para constituição e de o sócio único pessoa natural não ter limitação quanto à quantidade de sociedades limitadas que pode constituir.

O amadurecimento desse debate trouxe condições para que o legislador brasileiro absorvesse as críticas e aperfeiçoasse o instituto no Brasil, sanando os defeitos e trazendo uma figura mais robusta e organizada, oferecendo mais liberdade aos empreendedores e mais segurança aos credores.

Assim, substituída pela sociedade limitada unipessoal, cessa-se a existência da EIRELI após 10 (dez) anos de existência conturbada no ordenamento jurídico brasileiro.

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1- FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N., ADAMEK, Marcelo Vieira von. Empresa Individual de Responsabilidade Limitadas (Lei n. 12.441/2011): Anotações. In: AZEVEDO, Luís André N. de Moura. CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de. (Coords.) Sociedade Limitada Contemporânea. São Paulo: Quartier Latin, 2013. Fl. 41.

2- Idem. Fl. 55.

3- BRASIL. OFÍCIO CIRCULAR SEI nº 3510/2021/ME. Disponível aqui. Acesso em 30 set. 2021.

Fernanda Regina Negro de Oliveira

Fernanda Regina Negro de Oliveira

Coordenadora jurídica no Escritório Ernesto Borges, atuando no contencioso estratégico e consultivo. Especialista em Direito Empresarial pela FGV e estudando Direito Societário no Insper.

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